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"Não há limite de álcool para ciclistas", dizem especialistas sobre acidente envolvendo filho de Eike

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

23/03/2012 19h54

A informação de que o ciclista Wanderson Pereira dos Santos, 30, morto após ser atropelado pelo empresário Thor Batista, 20, teria ingerido uma alta dose de bebida alcoólica antes do acidente ocorrido na noite do último sábado (17), gerou uma série de interpretações equivocadas na imprensa, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o limite de álcool --0,6 gramas por litro-- vale apenas para motoristas de veículos motorizados. "Apenas os condutores têm responsabilidade em relação ao consumo de álcool. A legislação não diz nada sobre os ciclistas", disse o advogado especialista em Gestão e Direito de Trânsito, Henrique Schommer.

"Tomar como base de comparação o limite estabelecido para motoristas para dizer que o ciclista atropelado pelo filho do Eike estava embriagado é uma atitude totalmente equivocada. Pela lei, não faz diferença alguma se ele ingeriu álcool ou não. Não podemos dizer que ele estava acima do permitido simplesmente porque não há limite previamente determinado", completa Schommer.

Segundo laudo do laboratório de toxicologia do IML (Instituto Médico-Legal), Wanderson tinha 15,5 decigramas por litro de álcool no sangue no momento em que foi atingido pela Mercedez SLR McLaren dirigida por Thor Batista, na rodovia Washington Luís (BR-40), na Baixada Fluminense. O exame de alcoolemia foi solicitado pela defesa do empresário.

A partir da divulgação do resultado, diversos veículos de comunicação afirmaram que a presença de álcool no sangue da vítima estaria "acima do permitido", utilizando-se das restrições estabelecidas pelo CTB para motoristas como parâmetro.


"Sobre os ciclistas, a legislação se refere apenas aos equipamentos de segurança obrigatórios e diz que ele deve trafegar no mesmo sentido dos veículos, na margem da direita, quando não há ciclovia ou ciclofaixa. Não há qualquer resolução que estabeleça a conduta do ciclista em relação ao consumo de álcool", diz a diretora da autoescola Rio de Janeiro e professora de formação teórica, Guacira Costa e Silva.

"Está muito claro que essa é uma tentativa para tirar o foco da possível responsabilidade do condutor. O artigo 29 do CTB diz que o veículo de maior porte deverá proteger o veículo de menor porte, isto é, os motorizados devem proteger os não motorizados. Não importa se a vítima estava bêbada ou não, fato é que houve uma morte. E é preocupante ver que se tem a possibilidade de transformar o poderio econômico e social de uma pessoa em uma arma", opinou Costa e Silva.

Além disso, tanto Schommer quanto Costa e Silva alertam para o fato de que, se for comprovado que Wanderson estava apenas empurrando a bicicleta pela via, ele passa a ser considerado pela legislação brasileira de trânsito como pedestre, e não ciclista.

Em seu Twiiter, Thor afirmou que "Wanderson empurrava a bicicleta com o pé esquerdo no chão", porém não esclareceu se ele estava ou não conduzindo a bicicleta. O empresário teria dado a mesma versão em depoimento na 61ª DP (Xerém), segundo o seu advogado, Celso Vilardi. A Polícia Civil trabalha com a hipótese de que a vítima estava "no meio da pista" quando houve o acidente.

"Eu posso afirmar que o Código de Trânsito Brasileiro determina que, se o ciclista está empurrando a bicicleta, ele automaticamente se equipara com o pedestre, e assim é considerado em caso de qualquer acidente", afirma o coordenador educacional do Detran do Rio de Janeiro, Jorge Moreno.

Encontro com parentes da vítima

O empresário Thor Batista participou nesta quinta-feira (22) de uma reunião com parentes do ciclista Wanderson Pereira dos Santos. Durante o encontro com a mulher e a tia da vítima, que ocorreu no escritório de Thor, o jovem teria se emocionado, de acordo com o advogado que representa os familiares de Wanderson, Cléber Carvalho Rumbelsperberger.

Segundo ele, as partes ainda não conversaram sobre uma futura indenização. "Foi uma oportunidade de conversar olho no olho, e isso é importante para chegarmos a um consenso no futuro. Houve uma emoção grande de ambas as partes", disse o advogado. Rumbelsperberger compreende que a postura de Thor é um ponto que favorece a possibilidade de acordo. O advogado ainda aguarda o posicionamento dos familiares da vítima e os resultados finais das perícias realizadas no carro do filho de Eike para definir suas próximas movimentações. Um pedido de indenização deve ser impetrado na Justiça, e há da parte de Thor uma predisposição a oferecer uma compensação financeira aos parentes de Wanderson.

"Lamento profundamente por tudo isso. Respeito a dor da família e sei que a perda de um ente querido é complicada. Mesmo convicto de minha inocência, vou prestar todo o auxílio necessário para a família do Wanderson e até o que for mais que o necessário", disse o filho de Eike após prestar depoimento na 61ª DP (Xerém), em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

De acordo com o advogado Celso Vilardi, que defende os interesses do jovem empresário, cálculos baseados na renda mensal que a vítima possuía estão sendo feitos a fim de estabelecer o valor que deve ser pago em uma futura indenização. "Ainda não temos detalhes, mas estamos trabalhando para chegar a um valor justo", disse.

Culpa da vítima

O delegado Mário Arruda afirmou na quarta-feira (21) que as circunstâncias iniciais da investigação sobre o atropelamento e morte de Wanderson Pereira dos Santos indicam que a vítima estava "no meio da pista". Arruda, porém, não descarta a possibilidade de que os laudos periciais apontem a culpa do condutor. "Nesses casos, costuma-se isentar o motorista da culpa, isto é, quando a culpa é exclusiva da vítima. Mas estamos esperando o laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) para aferir qual era a velocidade do carro do Thor", disse o delegado.

Ainda de acordo com Arruda, o carro foi periciado no local do acidente e passou por uma segunda perícia na casa do jovem. O laudo do ICCE deve ficar pronto daqui a 20 dias. A polícia avalia a possibilidade de uma terceira perícia. Momentos depois da colisão, o veículo foi liberado, o que foi criticado por especialistas ouvidos pelo UOL.

O filho de Eike estava em companhia de um amigo no dia do acidente. Após o atropelamento, eles foram a um posto da Polícia Rodoviária Federal próximo ao local do acidente e pediram socorro. Os dois foram submetidos ao teste do bafômetro, cujo resultado deu negativo, e foram liberados.