Borracha e soja criam cidades fantasmas em região do Pará
Primeiro foi a seringueira, depois, a soja. Cada ciclo econômico distribuiu cidades fantasmas à beira do rio Tapajós, na região oeste do Pará. Fordlândia, primeiro projeto amazônico do industrial norte-americano Henry Ford (1863-1947), é o caso mais emblemático.
Mas o município de Belterra, outra cidade criada por Ford no início do século 20, acabou pontilhado de aldeias e vilarejos que ficaram às moscas nos últimos anos. Tudo por conta da expansão da soja na área a partir da virada do século 21.
Na localidade de Jenipapo, por exemplo, a escola funciona em dias alternados por falta de alunos. Na comunidade de Poço Branco, só restou o cemitério, cercado por todos os lados pela lavoura para exportação. Em Paca, sobrou apenas uma escola abandonada. O cálculo é que 25% das aldeias de pequenos agricultores sumiram do mapa para dar lugar à mecanizada monocultura da soja.
“Lá, o descaso é grande.” A frase de Manuel Moraes, coordenador de cultura de Belterra, é sobre Fordlândia, mas serviria também para as cidades abandonadas pela soja. Isso ele fala entrando na casa número 1 da cidade, projetada como residência de Henry Ford caso ele visitasse seus seringais, o que nunca aconteceu.
Coincidência (ou não) nos dois ciclos, empresas norte-americanas incentivaram e depois desalentaram a economia local. A primeira foi a Ford, pioneira da linha de produção sediada em Detroit --à época, Henry Ford era o homem mais rico do mundo. A segunda é a Cargill, multinacional que produz e comercializa alimentos, com sede em Minneapolis.
Fordlândia tem desmanche
Idealizada por Henry Ford nos anos 20 do século passado, a Fordlândia não chegou a vingar como centro de produção de borracha em plena selva amazônica, mas deixou um patrimônio histórico quase inabitado para o município de Aveiro (região oeste do Pará) e desconhecido dos brasileiros. Hoje em dia, essa história está sendo desmantela por furtos das edificações que ficaram na selva
A Cargill abriu em 2003 um terminal graneleiro no porto em Santarém e criou uma nova fronteira da soja na floresta, aproveitando o relevo plano de Belterra. Um corte no financiamento das safras em 2007 acabou por desestimular os sulistas que compraram terras por lá. Hoje em dia, quem passa pela rodovia BR-163 (conhecida como Cuiabá-Santarém) vê em sua beira algumas áreas cultivadas, mas muito campo conquistado pela derrubada da mata está abandonado.
A esperança econômica, contudo, vem do asfaltamento da BR-163, mais uma das obras federais listadas no PAC 2 (Plano de Aceleramento do Crescimento). Nem a metade dos 1.700 quilômetros de distância entre Cuiabá e Santarém tem asfalto, o que transforma a estrada em um lamaçal a maior parte do ano.
Com final previsto inicialmente para dezembro de 2013 --mas já atrasado por irregularidades em contratações--, o asfaltamento transformará o porto de Santarém em opção a Santos e Paranaguá como rota de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste. Isso deve dar novo empurrão para a soja na área (atualmente os grãos do Mato Grosso viajam em balsas pelo rio Madeira até Santarém para serem exportados).
“Aqui é muito tranquilo, e as casas são confortáveis. Pena que não tem muito emprego para os jovens”, diz a professora Rita Branches, na porta de sua casa em Belterra. É uma ironia para uma cidade projetada para trabalhadores de uma empresa.
A arquitetura é mais adequada ao clima de Massachusetts que aos trópicos. As cores verde e branco são as originais, escolhidas pelos diretores norte-americano em 1934.
ONDE FICA O PARÁ FORDISTA
Belterra fica a 44 quilômetros de Santarém e parece muito mais distante de qualquer cidade paraense. É como se uma cidadezinha norte-americana tivesse sido encaixotada e despachada para a selva paraense. Os habitantes, a maioria descendente da população original, preserva ainda o hábito de cuidar do jardim na frente das casas, como na época em que a Ford dava prêmio aos melhores trabalhos de jardinagem de seus moradores.
Na varanda de uma das casas, Manuel Oliveira dos Santos, 88, aproveita sua aposentadoria. Ele foi seringueiro em Fordlândia durante seis anos e em Belterra por mais quatro anos. “Ainda tem alguns soldados da borracha vivos, mas são poucos”, conta.
As seringueiras hoje só servem para dar sombra na praça central. No tronco, ainda se enxergam os sulcos feitos décadas atrás, quando Ford imaginou reativar a indústria do látex após a Amazônia deixar de ser o lugar mais rico do Brasil com a concorrência da produção asiática.
“O problema é que o sistema de trabalho era muito rígido para a temperatura daqui”, argumenta Osenildo Maranhão, filho e neto de seringueiros que hoje cuida do acervo histórico da aventura fordista no Pará.
Os trabalhadores tinham o melhor salário do Brasil à época, além de comodidades como salão de festas, cinema, escolas e um hospital modelo. Mas não podiam receber visitas, os hábitos familiares eram controlados e obedeciam a horários precisos –ainda hoje a sirene toca na caixa d´água da cidade às 7h, 12h, 13h e 16h30, horas que marcam as idas e voltas ao trabalho diário.
Belterra tenta hoje arrecadar com o turismo, seja por suas praias límpidas à beira do rio Tapajós, seja por suas casas tão atípicas para a floresta amazônica.
A Ford abandonou em 1945 seus empreendimentos brasileiros, que ficaram a cargo do Ministério da Agricultura e diversas repartições federais. O curioso é que, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o desenhista e empreendedor Walt Disney visitou Fordlândia e por lá filmou um documentário de propaganda para mostrar a amizade entre EUA e Brasil (iniciativa que foi parte da política de Boa Vizinhança). A denominação Fordlândia influenciou a escolha de Disney no empreendimento que iria transformá-lo em magnata do entretenimento: a Disneylândia.
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