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Moradores relutam em deixar áreas de risco e reformam imóveis atingidos por enchentes em AL e PE

Carlos Madeiro

Do UOL, em Palmares (PE)

19/06/2012 06h00

Moradores e empresários que tiveram os imóveis condenados pela Defesa Civil na mata sul de Pernambuco estão em disputa e prometem resistir à ordem de saída dada pelo governo do Estado para deixar casas e pontos comerciais invadidos pelas cheias dos rios em junho de 2010.

Segundo os moradores, o governo não fez nenhum tipo de negociação com os proprietários de imóveis e impuseram a saída do local. Como indenização, os moradores receberam a promessa de ganhar uma casa popular que está sendo construída em conjuntos habitacionais. O problema é que as habitações têm 45 m², ficam distante das cidades e desagradam a todos os que moram em imóveis de até 300 m² em área nobre dos municípios.

“A gente quer uma indenização justa. Nós moramos em um lugar privilegiado, valorizado, perto de tudo. Não podemos sair daqui para morar numa casa pequena, num conjunto longe, sem estrutura e sem segurança”, disse a professora Glaucilucia dos Santos, que representa moradores "despejados" de Palmares (127 km do Recife).

Onde fica Palmares (PE)

  • Arte/UOL

    Palmares está a 127 km do Recife

Segundo Santos, há casas históricas que valem quase R$ 500 mil e que seriam “trocadas” por pequenas habitações. “Nunca vieram aqui para negociar e mandaram, agora em abril, uma notificação para todo mundo dizendo que somos invasores. Isso não existe. Essa área [à beira do rio] é uma das primeiras que surgiram aqui em Palmares, não tem como dizer que a gente invadiu nada, pois estamos aqui há anos, pagamos impostos”, afirmou.

Além de casas, a desapropriação também atingiria a igreja presbiteriana, que tem 109 anos de existência. Em protesto, muitos moradores colocaram faixas na porta das casas com os dizeres “reconstruir não é destruir”. Em Barreiros (108 km do Recife), os moradores também protestam contra as desapropriações. Os proprietários de imóveis se uniram e, por meio de associações representativas de empresários e moradores, entraram com uma ação para evitar a demolição das residências e casas comerciais.

“A maioria do grupo quer mesmo é permanecer e exige a promessa de construção de barragens. São ruas centenárias, algumas delas a mais de 30 metros do rio, e que agora o governo diz que vão ser derrubadas. Se for confirmado, um lado do comércio central inteiro terá que sair. E eles querem dar um cubículo em troca de um imóvel de R$ 200 mil, R$ 300 mil”, afirmou o comerciante Edvaldo Roque, conhecido como Roque Estrela, representante de um grupo de 300 donos de imóveis.

Roque ainda diz que os moradores --que chegaram a ocupar a Assembleia Legislativa em protesto contra as desapropriações-- prometem resistir à ordem do governo. "O governo diz que não somos donos do terreno. Mas o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) já disse que quando tem energia e paga imposto, é considerado de propriedade particular. São imóveis com mais de cem anos, que têm toda a documentação. Aqui vai ser guerra se quiserem nos tirar. A gente está preparada pra tudo", afirmou.

Sobre temor de uma nova enchente, Roque alega que os moradores cobram a construção de barragens. "Há casas que só foram afetadas pelas enchentes em 2010, que foi uma cheia única, sem explicação. Com a barragem, não haveria mais esse problema. O problema é que construíram as casas e agora não tem gente para morar nelas", disse.

A Secretaria de Planejamento de Pernambuco informou que realizou um estudo detalhado do rio Una e delimitou as áreas de risco que não podem permanecer com edificações. Nesse mapeamento foi indicado que seja feito um alargamento do rio, que necessita da demolição das casas. O MP (Ministério Público Estadual) também teria concordado e delimitado a área onde deveria ser plantada mata ciliar para recompor a proteção natural do rio.

O governo informou ainda que está analisando caso a caso os imóveis dos moradores que pedem indenização ou não querem deixar o local. Diante do impasse com os proprietários, o governo do Estado criou escritórios de conciliação, instalados nos municípios, coordenado pela Casa Militar, para que sejam negociadas as demolições e que os moradores assinem os termos de autorização.

Investimento em Alagoas

Em Alagoas não é incomum encontrar moradores e comerciantes que viram os imóveis destruídos nas cidades atingidas pelas enchentes, mas que não se intimidou e investiu para recuperar a edificação atingida. Em Santana do Mundaú (94 km de Maceió), mais da metade da população foi atingida pela cheia do rio Mundaú. Boa parte dos comerciantes da cidade retomou o negócio no mesmo local e, após dois anos, a vida comercial.

José Ferreira, 43, conta que investiu R$ 20 mil próprios para reconstruir o restaurante que foi destruído pelas águas do rio Mundaú. “Investi porque não tinha outra opção. Quero montar um novo negócio no novo conjunto residencial novo. Mas depende de como vai ser lá, que estrutura vão dar. Por enquanto, estou aqui. Não podia esperar pelo conjunto novo”, disse.

Em Quebrangulo (118 km de Maceió), o comércio fica às margens do rio Paraíba e foi invadido pela água do rio. Apesar disso, aos poucos, muitos comerciantes voltaram a investir no mesmo local e relutam em deixar a área.

"Levamos um ano e m meio para refazer o posto de combustível e o supermercado. Foi mais de meio milhão de reais investido. Para isso, tivemos que nos desafazer de um terreno, de bois que tínhamos. Não temos outra opção de vida, então, tínhamos que investir, mesmo com o trauma. Meu pai ainda está em tratamento para se recuperar", disse a empresária Daniela Cavalcante Lopes, 26.

Segundo o coordenador do Programa da Reconstrução, José Thomaz Nonô, Alagoas não enfrenta problemas com resistência à saída das casas em áreas de riscos. "Se existem são casos isolados, mas aqui nós temos uma situação contrária à de Pernambuco: os atingidos querem as casas para sair das áreas de risco. É até uma falta de consciência permanecer num local que é atingido pela água, pois o rio pode voltar a qualquer momento. Mas esse controle de ocupação urbana é de responsabilidade dos municípios", disse Nonô.