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Em Alagoas, descendentes de escravos lucram com fama de escaparem da cheia de 2010 em jaqueiras

Carlos Madeiro

Do UOL, em União dos Palmares (AL)

18/06/2012 14h00

Na noite de 18 de junho de 2010, a comunidade de Muquém, formada por quilombolas (descendentes de escravos que viveram em quilombos), em União dos Palmares (73 km de Maceió), viveu aquilo que apontam como o maior drama desde o fim da escravatura. Acostumados com as cheias do rio Mundaú, os moradores perceberam, no fim da tarde daquele dia, que estavam diante da maior enchente que viveram até então.

Sem alternativas, 52 dos quilombolas subiram em duas jaqueiras para escapar da força da água --que àquela altura destruía as casas e levava móveis dos moradores—e foram dados como desaparecidos por três dias, até serem localizados por uma equipe da Defesa Civil.

A forma encontrada pela comunidade para sobreviver à tragédia foi destaque nacional e fez com que muitos turistas visitassem o local. Dois anos depois da noite que nunca saiu da memória dos moradores, a comunidade colhe os frutos da fama causada pela luta pela sobrevivência.

Onde fica 

  • Arte/UOIL

    União dos Palmares está a 73 km de Maceió

A artesã Irinéia Rosa Nunes, 65, é conhecida por retratar a vida em esculturas de barro. Inspirada naquela noite, ela criou uma peça em que retrata a imagem dos quilombolas em cima da árvore. Resultado: dezenas de esculturas foram vendidas, especialmente a turistas que ainda visitam o local.

“Essa foi uma ideia da minha imaginação, de transformar aquela noite marcante em uma arte. Depois daquele dia, muita gente veio do Rio de Janeiro, de São Paulo para nos conhecer e ver a jaqueira”, disse a artesã, que vende cada uma das peças por R$ 70.

Mas se engana quem pensa que Irinéia passou a noite em uma das duas jaqueiras. “Eu, em vez de árvore, passei a noite com mais quatro pessoas em cima de um amontoado de dormentes (madeira que compõe o trilho do trem), no escuro total, só ouvindo o barulho da água levar tudo. A gente não fugiu antes porque não imaginava que a água uma dia chegaria a essa altura”, afirmou.

Espalhados

Não foi só Irinéia quem lucrou. Segundo a líder comunitária Albertina Nunes da Silva, a tragédia e a fama fizeram as autoridades enxergarem os problemas dos quilombolas.

“A comunidade passou a ser mais assistida. Nós hoje recebemos cesta alimentar, leite e polpa de fruta. Além disso, vamos realizar o sonho de viver a comunidade junta, no conjunto que estão construindo. Hoje estamos todos espalhados”, disse.

O conjunto que está sendo construído terá 120 casas, além de centro comunitário, espaço ecumênico e pavilhão de artesanato. Na placa indicativa, não há data para entrega das obras.

Durante a visita à comunidade Muquém, o UOL ouviu o relato de uma moradora que passou a noite em cima da jaqueira para sobrevier. “Subimos era umas seis e meia da tarde, com a água dando pela cintura na minha casa. Ficamos lá até o amanhecer do dia, com a água ainda alta. A gente achou que o mundo dessa vez ia acabar, pois nunca tinha dado uma cheia dessa”, disse.