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PMs acusados de assassinar juíza no Rio devem ser julgados até setembro; crime completa um ano neste sábado

Patrícia Acioli foi morta por volta de 23h55 do dia 11 de agosto do ano passado, quando chegava em sua casa, em Niterói - Reprodução Facebook
Patrícia Acioli foi morta por volta de 23h55 do dia 11 de agosto do ano passado, quando chegava em sua casa, em Niterói Imagem: Reprodução Facebook

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

11/08/2012 06h00

Um ano após a morte da juíza Patrícia Acioli, todos os supostos envolvidos no crime estão presos e, pelo menos cinco dos 11 acusados devem ir a júri popular até o fim de setembro. O julgamento será realizado na comarca de Niterói, região metropolitana do Rio.

Os outros réus apresentaram recursos ao Tribunal de Justiça do Rio e, de acordo com o Ministério Público, ainda têm a possibilidade de apelar ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o que atrasaria os julgamentos. Caso haja desistência de recorrer a instâncias superiores, o réu em questão também será encaminhado ao Tribunal do Júri.

Para o advogado Técio Lins e Silva, que representa a família da vítima, o processo transcorreu em "tempo recorde". Segundo ele, os parentes de Patrícia Acioli estão satisfeitos com a velocidade do trâmite judicial. Titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, ela foi alvejada com 21 tiros, dos quais 11 provocaram ferimentos, no momento em que chegava em casa.

"O MP ofereceu denúncia em setembro do ano passado e quatro meses depois o processo já estava em sentença de pronúncia. Isso é um recorde. Em apenas quatro meses, a polícia identificou todos os autores e coautores, e todos foram denunciados e pronunciados. E não houve em momento algum cerceamento de defesa. Apesar da manobra procrastinatória [recursos apresentados pela defesa dos réus] para protelar alguns julgamentos, teremos cinco acusados punidos até o mês de setembro", analisou o advogado.

Dois dos supostamente envolvidos no crime estão presos em regime disciplinar diferenciado (RDD) na penitenciária federal de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Os demais estão no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste da capital fluminense.

Após duas audiências presididas pelo juiz Peterson Barroso Simões, da 3ª Vara Criminal de Niterói, nas quais os 11 policiais militares acusados foram pronunciados, o processo começou a ser desmembrado e cada caso será analisado individualmente. As penas podem variar de 12 a 36 anos de prisão, a exceção de um dos PMs, que optou pela delação premiada. Além da denúncia por homicídio qualificado, dez dos 11 policiais também respondem por formação de quadrilha.

"Teremos uma fase de diligências que levará pelo menos um mês, ou seja, no máximo até o fim de setembro os PMs que não apresentaram recursos serão julgados", afirmou o promotor do Ministério Público Leandro Navega, que faz parte da acusação.

Os cinco réus que deverão ser julgados no final de setembro são Júnior Cezar de Medeiros, Jovanis Falcão Júnior, Handerson Lents Henriques da Silva, Sérgio Costa Júnior e Jeferson de Araújo Miranda --os dois últimos optaram pela delação premiada (Miranda voltou atrás durante depoimento à Justiça), o que levou a Divisão de Homicídios, no ano passado, a identificar o grupo e concluir que o mandante do crime teria sido o então comandante do 7º BPM (São Gonçalo), tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira.

Retirada de escolta

Apesar da satisfação quanto à condução do processo criminal envolvendo os 11 PMs, Técio Lins e Silva afirmou à reportagem do UOL que os familiares da vítima ainda se mostram revoltados com a retirada de escolta que acompanhava a juíza --algo que contrariava a vontade da magistrada, segundo documentos encontrados em seu gabinete.

"A Justiça tem atuado de maneira satisfatória. Ao contrário do que atuou antes, deixando-a abandonada. Ela não teve a proteção adequada e esse era um caso de morte anunciada. Foram identificadas e notificadas ao tribunal dezenas de denúncias anônimas, incluindo interceptações telefônicas pelas quais se via que a vida dela estava em risco. Foram várias as notícias e dados que indicavam que ela era uma pessoa marcada para morrer", disse Silva.

Em um desses documentos, datado de julho 2007, após ser informada que passaria a ter a proteção de apenas um policial por dia, a juíza argumentou que a nova escolta "não atenderia a critérios mínimos". Acioli afirmou: "Entendendo que a questão envolvendo a minha vida é algo muito importante, não entendi o tratamento que foi dado ao caso".

Depois da retirada da escolta, de acordo com o advogado, no momento em que "recrudesceram as ameaças contra a vida da juíza", o Tribunal de Justiça indeferiu um pedido de proteção, e argumentou que não havia indícios claros de que ela estava efetivamente em risco. Por conta disso, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) instaurou uma sindicância para apurar uma suposta negligência do TJ do Rio. O processo está sendo avaliado pela ministra Eliana Calmon, que deve proferir uma sentença nos próximos meses.

Defesa do suposto mandante

De acordo com o Ministério Público, o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli foi o ex-comandante do batalhão da Polícia Militar de São Gonçalo (7º BPM), tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira. Na ocasião, o oficial teria, segundo o MP, dado a ordem de execução aos seus dez ex-subordinados do GAT (Grupamento de Ações Táticas). O mentor intelectual do plano seria o tenente Daniel Santos Benitez Lopez, considerado o "pupilo" do comandante.

Em entrevista ao UOL, o advogado do ex-comandante, Manuel de Jesus Soares, afirmou que o réu "desconhecia a existência de qualquer plano para matar a juíza". Além disso, ele questiona a legalidade da prisão de seu cliente, realizada há seis meses --a ordem de prisão foi prorrogada por mais seis meses. Atualmente ele está na penitenciária federal de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde também se encontra o tenente Lopez.

"Ele não teve a menor participação nesse fato. Não existe nenhuma interceptação telefônica que o incrimine. A única coisa que arrastou o coronel para esse processo foi a delação premiada dos dois PMs [um deles voltou atrás em depoimento à Justiça]. Também não há a menor procedência nas notícias que saíram na época indicando que havia uma animosidade entre o meu cliente e a vítima. Não foi ele que retirou a escolta da juíza, e sim o comando da Polícia Militar depois de uma determinação do TJ", disse.

"Nossa prioridade é questionar junto ao Tribunal de Justiça a legalidade da prisão preventiva e da transferência para outro Estado. Mas também vamos questionar o teor da denúncia oferecida pelo Ministério Público. Dependendo da avaliação do vice-presidente do TJ, podemos recorrer ao STJ [Supremo Tribunal de Justiça]", completou o advogado.

Na opinião do advogado que representa a família da vítima e do próprio Ministério Público, as iniciativas recursais dos réus são, na verdade, uma tentativa de adiar o máximo possível a realização dos julgamentos. Considerando o desmembramento do processo e todas as possibilidades de defesa, alguns julgamentos podem sair daqui a pelo menos dois ou três anos, segundo especialistas.

Soares também questionou a versão de que o tenente-coronel Oliveira teria alimentado um sentimento de vingança contra a juíza em razão de um fato ocorrido em 1992, quando eles discutiram durante o confronto entre Brasil e Chile, no Maracanã. Na ocasião, Acioli, que era defensora pública, foi conduzida ao distrito policial pelo PM --ele a acusava de desacato. No fim, Oliveira acabou sendo autuado por abuso de autoridade.
"Isso foi há 22 anos. Não tem nada a ver com a morte da vítima. Por uma mera coincidência, passados 22 anos desse conflito entre os dois, ele assumiu como comandante do batalhão da PM situado no mesmo município onde ela era titular de uma vara criminal. Não há relação entre os fatos", afirmou.

Oliveira, que havia sido transferido para o comando do 22º BPM (Maré) pelo então comandante-geral da PM, Mário Sérgio Duarte, alguns dias após o assassinato da juíza (o caso levou a um pedido de demissão por parte de Mário Sérgio), foi exonerado do cargo pouco depois de ter sido preso. No entanto, o processo que pode culminar em sua expulsão da corporação ainda não foi finalizado.

O tenente-coronel está na Polícia Militar do Rio há 26 anos e já foi membro da divisão de elite da corporação, o Batalhão de Operações Especiais. Além do 7º BPM e do Bope, Oliveira já passou pelo 16º BPM (Olaria) e 9º BPM (Rocha Miranda).

Entenda o caso

A investigação da Divisão de Homicídios (DH) apontou que foram dois os responsáveis pelos 21 disparos que mataram a magistrada: o cabo Sérgio Costa Júnior e o tenente Daniel Santos Benitez Lopez --este último acusado de ser o mentor intelectual do crime, a mando do ex-comandante do 7º BPM.

O assassinato de Patrícia Acioli se deu por volta de 23h55 do dia 11 de agosto do ano passado, quando ela se preparava para estacionar o carro na garagem de casa, situada na rua dos Corais, em Piratininga, na região oceânica de Niterói.

Benitez e Costa Júnior utilizaram uma motocicleta para seguir o veículo da vítima. Toda a movimentação foi registrada por diversas câmeras de segurança, de trânsito, e outras, e anexadas ao processo.

Antes de encerrar o expediente, algumas horas antes de morrer, a magistrada havia expedido três mandados de prisão contra os PMs acusados de terem disparado contra ela. Eles são réus em um processo sobre a morte de um morador do Morro do Salgueiro, em São Gonçalo, em um caso de falso auto de resistência, ocorrido em junho de 2010 --outros três PMs também são acusados pelo mesmo crime.

O caso estava sendo avaliado pela juíza, que era conhecida no município por adotar uma postura combativa contra maus policiais. Segundo a delação premiada de Costa Júnior, o ex-comandante do 7º BPM estava ciente de que Acioli poderia "expedir uma ordem de prisão contra ele a qualquer momento", o que teria motivado o planejamento do crime.

"(...) de forma livre e consciente, o denunciado Cláudio Oliveira, após afirmar que a morte da vítima era um favor que lhe estaria sendo feito, aderiu ao propósito criminoso que lhe foi apresentado, passando, então, a instigar, estimular, ditar e orientar o denunciado Daniel Benitez sobre a forma como a empreitada criminosa deveria ser desenvolvida", narra trecho da denúncia do MP.

Oliveira e nove de seus dez subordinados também são acusados de formação de quadrilha, já que eram responsáveis, segundo a denúncia do MP, por um esquema de corrupção no qual ele e os agentes do GAT recebiam dinheiro de traficantes de drogas das favelas de São Gonçalo. Costa Júnior teria confirmado ainda que o então comandante era o responsável por distribuir o popular "arrego do tráfico" (uma espécie de taxa paga pelos criminosos).

O tenente-coronel também é acusado de se apropriar dos bens e materiais (a exemplo de armas, aparelhos eletrônicos e até drogas) apreendidos durante operações do GAT. O grupo arrecadava cerca de R$ 10 mil a R$ 12 mil por semana, valores que eram distribuídos de acordo com a relevância dos componentes para o grupo.

Segundo trecho da denúncia do MP, os integrantes da quadrilha se "revezavam nas práticas ilícitas de receber dinheiro e outras vantagens espúrias dos traficantes para deixar de reprimir o comércio de drogas em determinadas bocas de fumo; exigiam dinheiro, armas e outras vantagens ilícitas dos traficantes como forma de não prender em flagrante agentes do tráfico e se apropriavam indevidamente de dinheiro, armas e munições apreendidas em incursões policiais de naturezas diversas, formando o que se convencionou chamar espólio de guerra".

Além de Oliveira, Benitez e Costa Júnior, foram denunciados por formação de quadrilha os PMs Jovanis Falcão Júnior, Jeferson de Araújo Miranda, Charles Azevedo Tavares, Alex Ribeiro Pereira, Júnior Cezar de Medeiros, Carlos Adílio Maciel Santos, Sammy dos Santos Quintanilha. Da relação de PMs acusados por homicídio, apenas Handerson Lents Henriques da Silva, que seria o suposto informante do grupo, não foi denunciado por formação de quadrilha.