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Cinema no Complexo do Alemão bate recorde de público no país, mas moradores querem baile funk de volta

Felipe Martins

Do UOL, no Rio de Janeiro

28/11/2012 06h00

Construído pela Prefeitura do Rio de Janeiro em dezembro de 2010, cerca de um mês após a ocupação da comunidade pelas Forças Armadas, e mantido pela iniciativa privada, o cinema na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, zona norte da cidade, registrou uma taxa de ocupação por sessão de 83%, a maior do país, em julho deste ano. De acordo com o levantamento da Secretaria Municipal de Cultura, aproximadamente 74 mil espectadores estiveram na sala de exibição do espaço, equipada com tecnologia 3D, em 2011.

Alguns dos moradores ouvidos pela reportagem do UOL, no entanto, ainda se ressentem com o fim do baile funk nos complexos do Alemão e da Penha. “Com o Exército, o baile funcionava normalmente, não tinha problema. Entrou a polícia e acabou com tudo. Agora tem de pedir autorização pra eles pra fazer qualquer coisa, festa, churrasco. Passou das 22h não pode mais nada no Alemão”, disse um morador de 18 anos.

“O dono do morro tinha colocado ar condicionado na quadra. Os policiais tiraram tudo e colocaram dentro do Caveirão [forma como é conhecido o veículo blindado da polícia]”, afirmou o mesmo jovem. O "dono do morro" citado pelo morador é a forma como é chamado o chefe do tráfico no local. Na época, o posto era ocupado pelo traficante Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, um dos líderes do Comando Vermelho. Ele é um dos criminosos mais procurados do Rio, e o Disque-Denúncia oferece R$5 mil por informações que levem à sua prisão.

Em fevereiro de 2011, a Operação Guilhotina, desencadeada pela Polícia Federal, prendeu 11 policiais civis e 21 policiais militares. Dentre as denúncias, estava o desvio de material apreendido durante a ocupação policial no Alemão.

“A polícia proíbe qualquer tipo de manifestação cultural simplesmente por medo de não saber o que fazer. Os moradores são oprimidos, os jovens são esculachados. A polícia dita pacificadora precisa se pacificar”, disse o fotógrafo Maycom Brum, 25.

Já a aposentada Ana Maria Nazaré, 60, agradece o fim do baile. “Graças a Deus voltei a ter sossego. Era um sofrimento dormir à noite. Não tinha sossego”, comentou. “Às vezes, um ou outro vizinho insiste em fazer barulho, mas melhorou muito.”

Para o coordenador do Afroreggae, José Junior, a reclamação parte de uma minoria. “A grande maioria dos moradores está de acordo com o fim dos bailes. O morador que levanta cedo para trabalhar não podia dormir com barulho até 6h, 7h”, disse. “Quem reclama é o jovem. Além disso, o baile, que era um lugar para lazer, tinha virado ponto de venda de droga.”

Dois pesos e duas medidas

Enquanto o baile funk é proibido no morro, no “asfalto”, a prefeitura não apenas permite como estimula a vida noturna no bairro boêmio da Lapa, na região central da cidade. A principal via do bairro, a avenida Mem de Sá, é interditada aos veículos durante os finais de semana para a livre circulação de frequentadores de bares, restaurantes e casas noturnas da região. Uma escadaria na rua Joaquim Silva é conhecida da população local pelo alto consumo de entorpecentes.

Morador da Lapa, o estudante de pós-graduação João Batista, 27, reclama do som alto de bares e casas de shows. “O som da Fundição Progresso [casa de shows e artes cênicas] chega ao meu apartamento, no sexto andar. No dia que a gente quer estudar ou levantar mais cedo para trabalhar, o barulho às vezes atrapalha. Não que eu ache que tem que acabar, mas tem que haver medidas para que o som fique restrito ao espaço destinado”, afirmou. “A gente quer ter o direito de descansar. Falta preocupação com o morador que está na Lapa antes do bairro virar polo turístico.”

Procurada pela reportagem do UOL, a assessoria de imprensa das UPPs informou que o baile funk não é proibido em qualquer comunidade, mas que os realizadores de qualquer evento cultural nas favelas devem se adequar ao decreto 39335 da Secretaria de Segurança Pública. Em sua resolução 13, o texto determina que os eventos devam ser avisados com 20 dias de antecedência ao comandante da Polícia Militar, à Secretaria de Segurança e ao delegado titular da unidade de Polícia Civil da circunscrição, informando data, local e faixa etária do evento.

A Secretaria Municipal de Cultura informou que não existe a previsão para a construção no complexo do Alemão de espaço destinado aos bailes funk.

Relação entre Exército e moradores é distante no Alemão

Discrepância

A caminhada pelas ruas dos complexos do Alemão e da Penha revela discrepância entre locais muito próximos. Em um trecho, ruas asfaltadas, saneamento, casas de classe média. Não muito distante, vias de terra, esgoto a céu aberto e barracos que mostram a miséria de seus moradores.

Em uma localidade conhecida como Casinhas, próxima a um dos acessos ao complexo do Alemão pelo bairro de Inhaúma, o retrato da ausência do poder público. Casas de no máximo quatro metros quadrados construídas com papelão e tábuas de madeira diante de um valão tomado pelo lixo em um cenário degradante. No meio do valão, uma árvore morta e crianças brincando. Segundo uma moradora, o local era um curral de porcos invadido por moradores após um incêndio que destruiu moradias em outro local do Alemão.

“Aqui não tem futuro. Me disseram que eu ganhei um apartamento do PAC, mas nunca recebi”, disse uma moradora do local. “Minha filha mora no barraco ao lado e sofre de anemia falciforme. Nem banheiro a casa tem. Ela faz as necessidades em um pote e joga no valão. Minha filha precisa sair daqui. Se eu ganhar uma casa, dou para ela”, completou.

Morador do morro do Mineiro, o técnico de sonorização José Carlos Rodrigues, 54, convive com uma vala de esgoto passando no quintal e na frente de casa. “Dá rato, barata. Se eu não limpo, fica esse cocô na porta da minha casa e ninguém dá jeito nisso”, reclamou.

Próximo da casa do homem, duas crianças brincavam em uma vala de esgoto.

Clínicas da família

Os investimentos do governo federal em parceria com o governo estadual nos complexos do Alemão e da Penha desde 2008 estão na casa dos R$ 750 milhões. Somados aos R$ 500 milhões do município, chegam ao expressivo número de R$ 1,25 bilhão. Obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), como o teleférico do Alemão, o Colégio Estadual Tim Lopes, conjuntos habitacionais, unidades de saúde e equipamentos de esporte, saúde e cultura da prefeitura trouxeram um alento à população local.

A operadora de telemarketing Luciana Azevedo, 28, elogiou o atendimento na Clínica da Família Aloysio Augusto Novis, que atende aos moradores do complexo da Penha. “Gostei bastante. Fui muito bem atendida pela médica, a gente estava precisando desse socorro”, disse.

Também atendida na Clínica da Família, a cabelereira Solange Bezerra, 45, fez algumas ressalvas ao atendimento. “No geral foi bom, deram um encaminhamento para mim, mas demoraram dois meses para marcar minha consulta. Me disseram que demorou esse tempo todo porque meu caso não era grave, mas com essa demora poderia ter ficado. Preciso ficar de cama para ser atendida aqui mais rápido? Não dá”, afirmou.

A ocupação

A ocupação nos complexos do Alemão e da Penha foi uma resposta do poder do Estado à onda de violência iniciada em 21 de novembro de 2010 pelo Comando Vermelho em bairros das zonas sul, norte e oeste da capital, Niterói, Sâo Gonçalo, municípios da Baixada Fluminense e da Região dos Lagos.  Veículos foram incendiados, cabines da polícia metralhadas, além de ocorrências de arrastões e tiroteios.

Os criminosos, armados de fuzis em plena via pública, rendiam os donos dos veículos em ações que desafiavam a polícia. A secretaria de Segurança Pública atribuía os ataques à reação dos bandidos à política de UPPs iniciada pelo Governo do Estado. O secretário José Mariano Beltrame pediu com urgência a transferência de criminosos para presídios federais.

O serviço de inteligência da Secretaria de Segurança detectou que a ordem dos ataques partia do complexo do Alemão, o quartel-general do Comando Vermelho. No dia 25, a primeira reação das forças do Estado, uma megaoperação articulada entre as polícias do Rio e as Forças Armadas foi iniciada no Complexo da Penha. O comandante do Estado Maior da PM, Álvaro Garcia, pedindo aos cariocas que não saíssem de casa naquele dia, sintetizou o ambiente instalado no Rio: “Estamos em uma guerra”.  Uma imagem ganhou o mundo: traficantes correndo em fuga pela mata na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, em direção ao Alemão.

Mais de 50 pessoas foram mortas durante a onda de violência, segundo a polícia, a maioria ligada ao crime organizado. Dentre os inocentes atingidos, quatro moradores foram mortos atingidos por balas perdidas em um confronto de policiais e traficantes no complexo da Penha e um motorista foi morto durante um arrastão em São Gonçalo. Mais de cem veículos foram queimados e cerca de 300 pessoas foram presas durante os dias dos atentados.

Em 28 de novembro de 2010, a ocupação do Alemão. Cerca de 2.600 homens das polícias Civil e Militar e combatentes das Forças Armadas ocupam o complexo. Tanques de guerra dos fuzileiros navais e do Exército adentravam as favelas, destruindo barricadas do tráfico.  Mais de quatro toneladas de maconha foram apreendidas durante a ação.  O traficante conhecido como Zeu, acusado de participar do assassinato do Jornalista Tim Lopes, foi preso.  Por volta de 14h, a bandeira do Estado do Rio de Janeiro foi hasteada por policiais ao lado da bandeira do Brasil no alto do local onde mais tairde seria inaugurado o teleférico do Alemão.