Índios e procuradores foram surpreendidos por ordem de despejo em Belo Monte, diz MPF
Os indígenas que ocupam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte desde o último dia 2, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o MPF (Ministério Público Federal) foram “surpreendidos pela ordem de despejo”, nesta quinta-feira (9), por conta da decisão de reintegração de posse emitida pelo TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª região).
A informação foi divulgada pelo próprio MPF no Pará em nota oficial. Nela, a instituição informou que pedirá à Justiça Federal a suspenção da reintegração, porque considera que as negociações tinham sido iniciadas e a manifestação é pacífica. Na nota, a instituição diz ainda que pediu que o governo federal prossiga as negociações com os índios e salientou que a ordem pela reintegração, de ontem às 22h39, não considerou que representantes do governo haviam estado no canteiro ontem negociando com os acampados.
Onde fica o canteiro da Usina de Belo Monte
Um delegado da Polícia Federal já leu a ordem de desocupação da área aos índios, acompanhado de dois oficiais de Justiça. Segundo a PF, policiais militares de Altamira e 40 homens da Força Nacional de Segurança estão à disposição para auxiliar na desocupação, caso seja necessário.
De acordo com o MPF, a Funai havia informado que os índios estavam debatendo contrapropostas para encaminhar ao governo federal, mas foram surpreendidos com a ordem de despejo já na madrugada de hoje.
Advogado que pediu reintegração de posse é marido de delegada da PF
A decisão da desembargadora Selene Almeida se baseou em grande parte em um relatório feito pela Polícia Federal de Altamira, que é datado do último domingo (5) e não está atualizado com as informações mais recentes, como a evolução das negociações. O relatório policial contradiz as informações da Funai e mostra uma situação de risco na ocupação, segundo a nota do MPF.
“Preocupa o MPF a possibilidade de a desembargadora ter decidido sem as informações atualizadas fornecidas pela Funai, que tinha sido designada pela própria Justiça Federal para acompanhar e relatar a situação nos canteiros. A presença de crianças no acampamento é outra razão para o máximo de cautela na operação.
O MPF também está preocupado com a condução da operação de reintegração de posse, já que a chefe da PF em Altamira, responsável pelo relatório feito à Justiça, é casada com o advogado da Norte Energia S/A Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse. No agravo feito ao TRF1, o advogado chega a citar o relatório da PF, assinado pela sua esposa”, cita trecho da nota do MPF.
Ordem para reintegração saiu ontem às 22h39
Um delegado da Polícia Federal do Pará e dois oficiais de Justiça chegaram por volta das 11h desta quinta-feira (9) ao canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira, para cumprir a ordem de reintegração de posse no local determinada pelo TRF-1.
A decisão pela reintegração foi emitida às 22h39 dessa quarta-feira (8) e atendeu pedido feito pela empresa Norte Energia S/A. Policiais militares e 40 oficiais da Força Nacional de Segurança também foram disponibilizados para a medida, caso os cerca de 160 índios de seis etnias, além de ribeirinhos e pescadores, no canteiro desde o último dia 2, não aceitem sair do local pacificamente. A informação sobre o efetivo de apoio é da PF.
"A intenção é cumprir a reintegração ainda hoje, imediatamente, como normalmente são cumpridas essas decisões. Caso haja resistência, o comando da PF deve se reunir com o comando da FNS e da PM, mas a intenção é esgotar de todas as formas as possibilidades de diálogo para que a ação seja pacífica", informou a assessoria da PF em Belém.
Os ocupantes reivindicam a consulta prévia e a suspensão de estudos e obras de barragens que afetam suas terras. As consultas prévias são previstas na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
O MPF no Pará informou, por meio da assessoria de imprensa, já ter ciência da decisão, mas não anunciou qual medida jurídica será tomada em relação a ela. A estimativa dos procuradores é que a reintegração seja realizada até o final desta manhã; a procuradora Thais Santi foi designada para acompanhar a ação.
De acordo com a decisão do tribunal, também ficará a cargo da força policial admitir a entrada de jornalistas, advogados e observadores externos no local. Além disso, o MPF pediu à Justiça Federal a permissão da presença desses profissionais, além da entrada de produtos, alimentos e utensílios essenciais à subsistência, por avaliar que o protesto é pacífico.
Governo disse que não negociaria com invasores
Em nota divulgada na última segunda (6), a Secretaria-Geral da Presidência da República informou que não iria negociar com índios que ocupam um dos canteiros de obras da usina.
"Para a Secretaria-Geral, as condições apresentadas pelas autodenominadas lideranças mundurukus são insinceras e inaceitáveis. Só após a retirada dos invasores dos canteiros de Belo Monte iniciaremos um diálogo para estabelecer condições mútuas de negociação, com o acompanhamento do Ministério Público, da imprensa e da sociedade", diz a nota da secretaria, responsável pela articulação do governo com movimentos sociais.
Desde que ocuparam o canteiro de obras, eles disseram que só aceitariam conversar com um representante do governo federal e que não tinham “uma lista de pedidos ou reivindicações específicas” para fazer à Norte Energia, responsável pela instalação e operação da usina, ou ao Consórcio Construtor Belo Monte.
Em uma carta divulgada por meio do site do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização indigenista vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, os manifestantes cobram a regulamentaçãodo processo de consulta prévia sobre a construção de empreendimentos que afetem populações tradicionais, como os índios, ribeirinhos e quilombolas.
A reportagem da "Agência Brasil" conversou por telefone, na segunda, com Waldelírio Manhuary, liderança Munduruku, que reafirmou que seu povo não aceita sequer conversar sobre a proposta de construção de um complexo hidrelétrico no rio Tapajós.
De acordo com a secretaria, os índios recusaram dois encontros para debater o assunto. "Tal reivindicação causa estranheza. Em sua relação com o governo federal essas pretensas lideranças mundurukus têm feito propostas contraditórias e se conduzido sem a honestidade necessária a qualquer negociação [...] Em fevereiro de 2013, vieram a Brasília e recusaram-se a fazer uma reunião com o ministro Gilberto Carvalho [da Secretaria-Geral], afirmando que o governo iria usar esse encontro para dizer ter feito uma consulta prévia. No dia 25/4, essas mesmas pretensas lideranças deixaram de comparecer a uma reunião que tinham marcado com a Secretaria-Geral em Jacareacanga e publicaram nos sites de seus aliados uma versão mentirosa e distorcida sobre esse fato", diz a nota.
"Agora invadem Belo Monte e dizem que querem consulta prévia e suspensão dos estudos. Isso é impossível. A consulta prévia exige a realização anterior de estudos técnicos qualificados. Se essas autodenominadas lideranças não querem os estudos, como podem querer a consulta? Na verdade, alguns mundurukus não querem nenhum empreendimento em sua região porque estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro no Tapajós e afluentes. Um dos principais porta-vozes dos invasores em Belo Monte é proprietário de seis balsas de garimpo ilegal", acrescenta o texto.
Em novembro de 2012, uma operação policial para desarticular uma organização criminosa que extraía ouro ilegalmente do interior e do entorno das reservas indígenas Kayabi e Munduruku resultou na morte de um munduruku.
Construção atingirá 24 mil pessoas
O aumento no número de indenizações vai subir o preço da construção de Belo Monte. Segundo o MPF, Belo Monte é a obra mais cara do Brasil, com R$ 30 bilhões de investimentos previstos. (Com Agência Brasil)
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