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Dez estudiosos explicam "a voz das ruas" em seus Estados

Em Brasília, após serem contidos por um cordão de isolamento da Polícia Militar, manifestantes conseguiram furar o bloqueio e invadiram a área externa do Congresso Nacional no dia 17 de junho - Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Em Brasília, após serem contidos por um cordão de isolamento da Polícia Militar, manifestantes conseguiram furar o bloqueio e invadiram a área externa do Congresso Nacional no dia 17 de junho Imagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Do UOL, em São Paulo

03/07/2013 07h00

As manifestações que se espalharam pelo Brasil em junho e continuam acontecendo em vários pontos do país têm vários focos e, em muitos casos, podem ser difíceis de serem compreendidas. Apesar de muitos, inclusive políticos, terem se surpreendido com os protestos e as consequências do “grito das ruas”, o surgimento da onda de manifestações não pode ser considerado uma surpresa. Esta é a opinião de especialistas que, a pedido do UOL, escreveram artigos para esmiuçar melhor as causas, principalmente as de caráter local e regional, dos protestos pelo país. No total, foram dez intelectuais, de Estados diferentes, espalhados pelas cinco regiões do Brasil, que apontaram as peculiaridades das passeatas em suas cidades e arredores.

"As manifestações ocorridas não foram um raio em céu azul nem vivíamos numa paz de cemitério", escreve Jorge Almeida, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia). "São diárias as pequenas e localizadas lutas do povo, com os meios que dispõe para enfrentar tudo isto. Uma luta silenciosa, na maior parte sem visibilidade."

Para Paulo Peres, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), "quem acompanha as pesquisas realizadas há anos sobre a avaliação dos brasileiros acerca das instituições representativas, assim como o ativismo de diversas organizações societárias, provavelmente não deve ter se surpreendido com esse levante popular mais consistente, mas sim com o fato de ele ter demorado a acontecer".

Mapa dos protestos

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Segundo os especialistas, compreender um movimento tão grande e fragmentado é um desafio. "Para os nossos modelos de leitura da realidade fica mais fácil acusarmos os manifestantes de não terem foco e de introduzirem o imponderável no cenário político", escreve Pedro Célio Alves Borges, professor da UFG (Universidade Federal de Goiás). "Pode ser, mas dizer assim mais tergiversa do que explica, sem sair das preliminares nem avançar para diagnósticos e compreensões necessárias."

Pedro Bodê, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), aponta que "qualquer análise feita sobre um evento em andamento é sempre mais difícil do que de um fenômeno que possamos por um motivo outro dizer que terminou".

Temas locais

Os artigos compilam temas mais localizados dos protestos. No norte do Brasil, por exemplo, cidades paraenses protestam  por mais qualidade e menor preço dos transportes fluviais, conta Roberto Ribeiro Corrêa, professor da UFPA (Universidade Federal do Pará). No outro oposto do país, gaúchos protestam a favor da CPI destinada a investigar a responsabilidade do poder público no incêndio da boate Kiss.

Mote das primeiras manifestações em São Paulo, o transporte público também aparece em outras cidades --mas não só por tarifas mais baixas. Na Bahia, há um problema com o metrô, superfaturado e há mais de dez anos em construção. Em Curitiba, segundo o professor Bodê, "há muito tempo a precarização do transporte público se faz sentir e as reclamações de usuários e dos trabalhadores nos transportes públicos são inúmeras e cotidianas".

Em Belo Horizonte, relata o professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Fernando Filgueiras, "há duas décadas já há uma movimentação pedindo melhorias no sistema de transporte público". Também na região Sudeste, atos no Rio de Janeiro, uma das sedes da Copa das Confederações deste ano e da Copa do Mundo em 2014, além de palco dos Jogos Olímpicos de 2016, questionam gastos financeiros elevados na realização destes enormes eventos, segundo a doutora Marly Motta (Fundação Getúlio Vargas-Rio).

Além das questões urbanas presentes em outros Estados, as manifestações do Maranhão abordam a questão agrária --um terço da população maranhense mora no campo. Segundo o professor Wagner Cabral da Costa, da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), 30% dos trabalhadores em situação análoga à escravidão resgatados país afora estavam no Estado. Também no Nordeste, o doutor Thales Castro (Universidade Federal de Pernambuco) aponta as principais reivindicações pernambucanas: "transportes públicos deficitários e caros, mobilidade (ou imobilidade) urbana, exclusão social, desigualdades perversas e recorrentes, violência urbana e práticas de corrupção que se tornaram endêmicas".

Em São Paulo, conta o professor José Carlos Gomes da Silva, da Unifesp, a periferia que antes pedia questões imediatas como saneamento básico, postos de saúde e legalização de terrenos clandestinos, agora trata de temas como racismo, violência e educação precária.

No Centro-Oeste, Goiás também apresenta um cardápio amplo de temas, segundo o professor Alves Borges: "da forma do prefeito decidir sobre o lixão de uma cidade pequena ao autoritarismo dos professores em um colégio; da necessidade de sinalizar melhor uma estrada que passa dentro da cidade, para diminuir os acidentes com morte, à agressão do governador aos professores, pois em retirara vantagens na carreira e salários".