Análise: manifestações no Maranhão retomam combates contra a oligarquia
A onda de protestos que varreu o país nas últimas semanas, se de um lado, alinhou o Brasil com as novas formas globalizadas de mobilização baseadas em redes sociais e críticas dos mecanismos tradicionais de representação política, por outro lado, encontrou terreno fértil de propagação na juventude dos grandes centros urbanos, asfixiada por problemas estruturais de todo tipo, dentre os quais o da mobilidade urbana se converteu no leitmotiv (motivo condutor) das mobilizações.
No entanto, ao sair às ruas as manifestações deram vazão às mais diversas insatisfações, desde questões de alcance nacional (a defesa da reforma política, a luta contra a PEC-37, a crítica da corrupção e dos gastos excessivos com a Copa do Mundo, por exemplo) até problemas específicos de ordem regional e/ou local (insegurança pública, ausência de infraestrutura urbana). O alcance dos protestos impactou de forma desigual os três poderes da República (nos níveis federal, estadual e municipal), que, instados a sair da paralisia decisória pela vox populi, vêm propondo e adotando pactos e medidas visando responder à urgência da crise de representação.
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No Maranhão, particularmente na região metropolitana da capital (São Luís), acompanhamos o desenrolar do ciclo de manifestações, que, iniciado nos dias 18 e 19 de junho, ainda não tem data para acabar. Assim, ao longo de 12 dias, listamos 28 protestos espalhados por todo o tecido urbano, do centro da capital à zona rural da ilha, de conjuntos populares até bairros de classe média (veja o mapa acima); protestos muitas das vezes violentamente reprimidos pela Polícia Militar, ocasionando vários feridos e inúmeras prisões.
Acompanhando a novidade das mobilizações nacionais, as maiores manifestações da juventude ludovicense foram marcadas por uma ampla convocação virtual. Assim, o movimento “Vem Pra Rua São Luís” convidou mais de cem mil pessoas em sua página no Facebook, das quais quase 17 mil confirmaram presença no ato pela mobilidade urbana, no dia 19 de junho (4ª feira). Já o movimento “Acorda Maranhão” convocou 212 mil pessoas via internet, com mais de 37 mil confirmando presença na passeata do dia 22 (sábado), com extensa pauta: contra a PEC 37; por saúde, educação, segurança e transporte de qualidade; contra a corrupção; contra a oligarquia.
Esses dados não são discrepantes, quando comparados com imagens e estimativas de manifestantes: aproximadamente dez mil pessoas participaram do “Vem Pra Rua” e mais de 30 mil do “Acorda Maranhão”, ambos coordenados com intensa atividade virtual, com postagens instantâneas dos protestos no Twitter e Facebook, dentre outras redes sociais. As imagens da multidão na avenida Pedro II, protestando em frente ao Palácio dos Leões (governo estadual) e ao Palácio La Ravardiere (governo municipal) provavelmente marcarão a memória político-afetiva de toda a nova geração; da mesma forma o simbolismo de ocupar e “tomar de assalto” a ponte José Sarney, renomeada de Ponte do São Francisco pelo movimento “Acorda Maranhão” – um ato que uniu a luta da geração atual com as gerações anteriores de combatentes contra a oligarquia.
Houve uma dezena de protestos de novo tipo (divulgação nas redes sociais, horizontalidade, pautas múltiplas), os quais se conjugaram muitas vezes a formas mais tradicionais de ação coletiva, quer convocadas por movimentos sociais e partidos de esquerda (movimento “Periferia vai ao centro”, em 25 de junho), quer eclodindo como protestos nos bairros populares (puxados por associações de moradores ou similares) contra as péssimas condições das vias públicas (a cidade já foi comparada à lua, pelo número de crateras), a deficiência do sistema de transportes (uma caixa preta, marcada pelo monopólio dos péssimos serviços por poucas empresas), a insegurança pública (São Luís se tornou uma das cidades mais violentas do país), a falta de água crônica na capital (por descaso e falta de investimentos no setor), ou ainda a situação específica da escola ou posto de saúde da comunidade.
Nesses momentos, as demandas mais abstratas por saúde, educação, segurança e transporte adquiriram sua face concreta e vimos, ao lado da juventude estudantil (secundarista e universitária), trabalhadores e trabalhadoras das periferias urbanas e até pequenos comerciantes (preocupados com o aumento do número de assaltos), pressionando e dirigindo suas queixas às secretarias de governo (da Prefeitura e do Governo do Estado) ou a uma estatal (Caema – companhia de águas e esgotos). Destes, apenas a prefeitura da capital até o momento recebeu os manifestantes, não sem contradições, começando a discutir a pauta da mobilidade urbana; enquanto o governo estadual, depois de longo silêncio, sinalizou com um “pacote de obras”, requentando em 2013 promessas de campanha feitas pela governadora Roseana Sarney em 2010.
Além das questões urbanas, as manifestações deram também visibilidade para a questão agrária, de contornos dramáticos num Estado que tem 1/3 da população residindo no campo, de onde saíram 30% dos trabalhadores em situação análoga à escravidão resgatados país afora e que foi, pelo terceiro ano consecutivo, o infeliz “campeão” de conflitos agrários no Brasil. Assim, as ruas da capital presenciaram ainda a mobilização de diversas etnias indígenas para a ocupação da Funasa (reivindicando melhorias na saúde das aldeias), a participação do movimento das comunidades tradicionais quilombolas (Moquibom) e o Grito da Terra 2013 (com a presença de cinco mil pessoas, em 18 de junho), organizado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetaema), com pautas específicas para o governo estadual e federal (Incra).
Portanto, uma das singularidades da “primavera brasileira” no Maranhão foi a conjugação de movimentos de novo tipo com padrões tradicionais de mobilização e ação coletiva, além da combinação, numa visada abrangente, de questões urbanas (que predominaram no país) com a questão agrária, conferindo uma “cor local” ao movimento.
Por outro lado, a emergência de protestos de novo tipo foi acompanhada de toda sorte de incompreensões e dificuldades, seja pela repressão policial ou pelas cenas lastimáveis de agressão a jornalistas, seja pelos conflitos internos aos manifestantes, nas críticas aos que incitavam a violência (os chamados “vândalos” e “baderneiros”), aos grupos “infiltrados” (com sérias acusações de envolvimento da juventude do PMDB, ligado à oligarquia), ou ainda, e especialmente, os conflitos oriundos da posição política apartidária dos movimentos (que merece reflexão mais aprofundada sobre as características da crise de representação política envolvendo partidos e sindicatos). Assim, foi lamentável ainda a agressão ao militante do PSTU Luiz Carlos Noleto, que teve a bandeira arrancada e queimada na praça Deodoro.
Tais episódios, que alguns um tanto apressadamente classificaram de “fascistas”, evidenciam a intensa disputa política envolvendo os rumos e principalmente o “significado” dos protestos no Maranhão. Pois, além da crítica aos governos e partidos, apontando para uma crise geral do sistema de representação política no Brasil, as manifestações no Maranhão estão imbricadas na dinâmica das disputas regionais, envolvendo o grupo Sarney (que domina há quase cinco décadas), os diferentes setores da oposição e a formidável “geração Facebook” (que surpreendeu e fez pensar a todos). Neste contexto, a “cor local” foi predominantemente anti-oligárquica, pois, dentre os temas específicos, a única palavra de ordem entoada em uníssono por um coro de 30 mil vozes foi: “Sarney, ladrão, devolve o Maranhão!”.
Vivemos nestes dias uma inédita conjunção de futebol + protestos + democracia, apontando para possibilidades históricas novas... Que o Brasil e, especialmente, o Maranhão saibam aproveitá-las!
* Wagner Cabral da Costa é historiador e professor da UFMA
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