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Crise da água é resultado de decisões 'equivocadas', dizem especialistas

Fabiana Maranhão

Do UOL, em São Paulo

11/09/2014 06h00Atualizada em 11/09/2014 10h34

Decisões equivocadas e falta de planejamento são apontadas por especialistas ouvidos pelo UOL como as principais causas da atual crise de falta de água no Estado de São Paulo. A Sabesp, companhia de saneamento que atende mais da metade das cidades paulistas, culpa a estiagem.

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Segundo dados da Sabesp, a chuva acumulada entre janeiro e agosto deste ano pelo sistema Cantareira, que abastece um terço da população da Grande São Paulo, foi 42% menor que a média histórica. Ao longo de todo o ano passado, choveu no sistema 31% menos que a média.

De fato, choveu bem menos que a média, mas, segundo estudiosos, era algo que poderia ser previsto e, mais do que isso, já era esperado. "Essas crises são cíclicas. Há dez anos houve uma. Na época, foi cogitada até a possibilidade de usar o volume morto, mas na última hora choveu e isso não precisou ser feito", lembra José Eduardo Cavalcanti, conselheiro do Instituto de Engenharia de São Paulo.

Cavalcanti afirma que desde essa época a oferta e a demanda de água da Grande São Paulo já eram equivalentes, ou seja, não sobrava água e era preciso buscá-la em outras fontes.

Na opinião de Marcelo Luiz Martins Pompeo, da USP (Universidade de São Paulo), as represas que abastecem atualmente a região não conseguem produzir a quantidade de água necessária. "A atual crise sugere o esgotamento do sistema de abastecimento público da região metropolitana de São Paulo. Mostra também que não foi feita a lição de casa", afirma Pompeo. Ele aponta a falta de planejamento como principal causa da situação atual.

Decisão equivocada

Antônio Carlos Zuffo, professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), atribui a falta de água a uma decisão "equivocada" de investir mais na captação do que no controle dos vazamentos.

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"No passado, tomou-se a decisão de, em vez de gastar R$ 30 para diminuir a perda de um metro cúbico de água por segundo, gastou-se R$ 2 para colocar um metro cúbico, que é perdido", afirma.

Segundo ele, de cada dez litros de água que são captados, tratados e colocados na rede que abastece a região, quatro são perdidos. "Foi uma decisão econômica tomada em uma situação de normalidade, mas que hoje se mostra extremamente equivocada, trágica e mais cara porque estamos pagando por isso", analisa.

Pompeo critica as medidas que têm sido tomadas pelo governo para contornar a crise. "As propostas apresentadas de retirar o volume morto dos reservatórios e fazer novas transposições para o sistema Cantareira são paliativos emergenciais. As políticas públicas para o setor deveriam ser debatidas com maior transparência com toda a sociedade", sugere.

Alternativas

Zuffo acredita que é preciso investir na redução das perdas. "É algo caro, porque é preciso interromper trânsito, procurar vazamento. Mas é necessário reduzir as perdas de 40% para menos de 20%. Com isso, será possível aumentar a quantidade de água em 10 a 12 metros cúbicos por segundo, que é mais que o dobro do que se quer tirar do Jaguari para o Cantareira", defende.

Em março, o governo de São Paulo anunciou um projeto de transposição de água do rio Jaguari, um dos principais afluentes do rio Paraíba do Sul, para o sistema Cantareira. A proposta gerou atrito entre o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e do Rio de Janeiro, que é abastecido pelo Paraíba do Sul.

José Eduardo Cavalcanti sugere mudanças no projeto do sistema São Lourenço, que começou a ser construído este ano, mas só deve entrar em operação em 2018.

"Apesar do início das obras ter ocorrido ainda é possível alterar o projeto no sentido de aumentar a vazão de água em relação à outorgada, da ordem de pelo menos 12 metros cúbicos por segundo, o dobro da vazão original de projeto, de modo a minimizar o deficit de água na região", explica.

Na opinião de João Luiz Boccia Brandão, professor de Recursos Hídricos da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, o problema não será resolvido a médio ou longo prazos com alguma obra específica, mas com "um conjunto de medidas que têm de ser implantadas desde já, como o reúso da água nas indústrias; tratamento de esgoto doméstico para consumo humano; e incentivo aos sistemas individuais de captação de água de chuva e armazenamento em cisternas".

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Investimentos

Em nota, a Sabesp informou que investiu R$ 9,3 bilhões entre 1995 e 2013 "em medidas para aumentar a segurança do abastecimento de água na região". "No período, a capacidade de produção [de água] subiu de 57,6 para 73,2 metros cúbicos por segundo. O esforço eliminou o rodízio que vigorou de 1995 a 1998, beneficiando 5,2 milhões de pessoas".

A companhia afirmou que tem investido para reduzir o vazamento de água, "que caiu nove pontos percentuais nos últimos dez anos". "Para baixar o índice de perdas, a Sabesp realiza o maior investimento do país, aplicando R$ 6 bilhões, de 2009 a 2020, para atingir níveis de perdas dos melhores sistemas mundiais, em torno de 16,7%".

"Em 2013, a empresa atingiu 31,2% em perdas totais, enquanto a média nacional é de 37%. É preciso lembrar que 10% do total dessas perdas corresponde a fraudes e desvios, um problema ligado principalmente a moradias irregulares, fator que está fora da alçada da Sabesp", relata.

Ainda segundo a Sabesp, a empresa investe em um programa de água de reúso, que produz mais de mil litros por segundo.