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Pesquisa: 81% das mulheres já deixaram de fazer algo por medo de assédio

Trecho de infográfico da pesquisa Chega de Fiu Fiu - Reprodução/Think Olga
Trecho de infográfico da pesquisa Chega de Fiu Fiu Imagem: Reprodução/Think Olga

Andrea Dip

Da Agência Pública

19/12/2014 06h00

“Eu tinha uns 11 anos. Era Carnaval, as ruas cheias. Eu era uma criança. Um homem passou a mão em mim e acariciou meu cabelo dizendo ‘fooofa’ mostrando a língua depois”.

“Já estava perto de dobrar a esquina da rua onde moro a noite. Um cara vinha na direção contrária a minha. Quando chegou perto disse ‘quer chupar meu pau?’ Pensei logo que seria estuprada porque a esquina da minha rua é bem deserta”.

“Eu tinha 10 anos, estava andando de bicicleta e um cara, que veio andando de bicicleta, passou do meu lado e apalpou minha bunda. Fui para casa chorando muito. Eu tinha me sentido invadida, mas não tinha entendido o que tinha acontecido”.

“Andava a pé até a academia quando tinha 15 anos. Como, com o tempo, comecei a ficar muito incomodada com as cantadas, olhares, motoqueiros buzinando, acabei decidindo colocar uma calça de moletom e uma camiseta por cima da roupa de academia”.

“Escolho minhas roupas todos os dias pensando nos lugares por onde vou andar, que ônibus vou pegar para evitar cantadas”.

Esses são alguns depoimentos obtidos na pesquisa realizada pelo site Think Olga com 7.762 mulheres no segundo semestre de 2013 para a campanha “Chega de Fiu Fiu”. A intenção era fazer com que as mulheres falassem sobre os sentimentos e experiências ao receber “cantadas” nas ruas. Se você é mulher, certamente tem ao menos um relato parecido e, se não for, pode perguntar para a mulher que está ao seu lado agora ou para sua mãe, amiga, namorada, filha, colega de trabalho: todas terão histórias semelhantes para contar.

Nenhuma delas envolverá alegria ou gratidão. A maioria falará em raiva e medo. Na pesquisa citada, 81% das mulheres disseram que já deixaram de fazer alguma coisa (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra) com medo de assédio, 90% disseram já ter trocado de roupa pensando no lugar onde iriam por medo de assédio e 83% declararam não gostar de receber cantadas.

Think Olga - Reprodução/Think Olga - Reprodução/Think Olga
Na pesquisa do site Think Olga, 73% das entrevistadas disseram não responder às cantadas na rua. A maioria por medo
Imagem: Reprodução/Think Olga

Em entrevista à Pública, a jornalista Juliana de Faria, idealizadora da campanha, conta que decidiu dar voz às mulheres a respeito do assédio de rua depois de ter passado por situações abusivas e perceber o quanto isso era naturalizado pelas pessoas: “Eu sempre fui vítima de assédio sexual. A primeira vez aconteceu quando eu tinha 11 anos, foi um assédio verbal e me chocou muito. Eu estava esperando para atravessar a rua de casa e um carro diminuiu a velocidade e começou a falar coisas que eu nem entendi na hora mas me assustaram tanto que eu comecei a chorar. Aí no caminho de volta uma senhora me perguntou porque eu estava chorando, eu contei e ela disse ‘ah que bobagem, você deveria estar feliz, na minha idade você vai sentir falta’ e ali eu já entendi que não podia falar a respeito disso. Com 13 anos eu sofri um abuso físico, quase um estupro. Saindo do metrô o cara me puxou pelo braço falando que ia me comer e eu consegui me desvencilhar porque ele estava bêbado demais. Mas se ele não estivesse tão bêbado como isso iria acabar? Nunca falei disso publicamente porque sentia essa resistência, quase como se fosse uma frescura. Aí quando teve aquele caso do Gerald Thomas, que enfiou a mão por dentro do vestido da Panicat, que foi horrível, eu vi amigos meus defendendo aquilo. Gente que eu conhecia, amigos meus defendendo essa cultura de estupro. Foi um wake up call para começar esse trabalho”.

O site começou a publicar ilustrações e abriu espaço para as mulheres contarem suas experiências. O próximo passo foi montar um mapa interativo para que as mulheres apontem os locais onde sofreram assédio. “Uma menina me escreveu dizendo que viu que em um bar na rua dela tinha muita denúncia, então ela imprimiu e levou pro dono do bar”.

Campanha "Chega de Fiu Fiu" - Reprodução/Think Olga - Reprodução/Think Olga
Campanha "Chega de Fiu Fiu"
Imagem: Reprodução/Think Olga

A Chega de Fiu Fiu está preparando um documentário –atualmente aberto a doações no Catarse--, com meninas usando óculos com câmeras que gravam as abordagens que sofrem ao longo do dia. Recentemente, a campanha também publicou, em parceria com o Nudem (Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública de São Paulo uma cartilha explicando o que é assédio sexual, porque é um comportamento nocivo, como denunciar e como encaixá-lo na lei. A cartilha está sendo distribuída em São Paulo e pode ser compartilhada, reproduzida e impressa.

Recentemente, o Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, anunciou os resultados da pesquisa “Violência Doméstica: o jovem está ligado?” que entrevistou 2.000 jovens entre 16 e 24 anos. Do total, 68% das mulheres declararam já ter levado uma cantada ofensiva; 96% reconhecem a existência de machismo no Brasil; 66% das mulheres afirmaram positivamente quando questionadas (com base em uma lista de agressões apresentadas) terem sofrido algum tipo de ataque; 55% dos homens admitiram ter xingado, empurrado, ameaçado, ter dado tapa, impedido de sair de casa, proibido de sair à noite, impedido o uso de determinada roupa, humilhado em público, obrigado a ter relações sexuais, entre outras agressões e 44% mulheres afirmaram terem sido tocadas ou assediadas por homens em festas.