Obras atrasadas de bonde de Santa Teresa, no Rio, deixam bairro desfigurado
O bairro de Santa Teresa, na região central do Rio de Janeiro, está desfigurado. Em obras desde novembro de 2013 para receber o novo sistema de bondes, a área turística, conhecida por seus imóveis antigos e ruas de paralelepípedo, ficou praticamente irreconhecível após a abertura de diversas vias para a troca de trilhos.
Por conta de uma falha na execução de um trecho já concluído, na rua Francisco Muratori, o consórcio responsável pela reestruturação dos bondinhos interrompeu as obras nas outras áreas do bairro e hoje se dedica exclusivamente a corrigir o problema --a colocação dos paralelepípedos poderia impedir o funcionamento de um dos tipos de freios dos bondes. Em alguns dos pontos mais frequentados de Santa Teresa, restaram buracos, poeira e materiais de construção acumulados. Um cenário que confere ao bairro um aspecto de abandono e piorou consideravelmente o já complicado trânsito na região.
O bondinho está desativado desde o dia 27 de agosto de 2011, quando um acidente com um dos veículos matou seis pessoas. O atraso na finalização das obras do novo sistema, modernizado e com novos trens, já é de quase um ano. Inicialmente, o governo do Estado prometeu que os bondinhos voltariam a circular, no primeiro trecho, até a Copa do Mundo, realizada entre junho e julho do ano passado.
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Transportes informou que "a pré-operação entre [as estações] Carioca e Curvelo terá início no fim de maio", assim que os reparos na via férrea sejam concluídos e aprovados pelas equipes técnicas. A secretaria não respondeu, no entanto, a data do início da operação para o público e o prazo de conclusão de todo o sistema de bondes.
Em nota, a pasta afirmou ainda que "o governo do Estado reconhece que a obra está performando aquém da necessidade e está buscando reestruturar a operação da obra junto ao consórcio construtor. Em última instância, o contrato poderá ser rompido". Ainda segundo a secretaria, o consórcio Elmo-Azvi recebeu uma advertência formal que determinou a realização dos reparos, sem custos para o governo.
Pelas ruas do bairro, os transtornos causados pelas obras são alvo de reclamações a todo instante. Morador do bairro desde que nasceu, o pintor Jorge da Silva, 65, reclama da poeira causada pelas obras. "Faz muito mal aos moradores, principalmente aos de idade", diz. A profundidade dos buracos abertos para a renovação dos trilhos também é motivo de preocupação. "Quando chove, aqui fica ainda pior, uma lama só. Na última sexta-feira (1º), um ônibus caiu em um buraco e eu até ajudei a virá-lo", conta Jorge.
Para quem precisa trafegar pela área, a atenção tem sido redobrada. E a paciência também. "Está bem complicado andar por aqui. Antes, para ida e volta, eu demorava no máximo, estourando, 25 minutos. Agora, no mínimo, são 40 minutos. Isso se não acontecer alguma coisa no trânsito", afirma Gilcimar Rodrigues, 30, motorista de transporte complementar que faz o trajeto entre Glória e Santa Teresa, bairros vizinhos.
O taxista Humberto Mauro, 62, é ainda mais enfático. "Está horrível, nota zero. Melhor andar na [rodovia] Transamazônica. Aqui eu rasgo um pneu, estouro minha suspensão", disse, enquanto estava parado em um engarrafamento no largo dos Guimarães. "Não há dinheiro que pague o transtorno. Quando falarem que querem vir para Santa Teresa, eu vou dizer que não, pelo amor de Deus. Os moradores, coitados, sofrem." Por conta da interdição de algumas vias e da mudança no tráfego de outras, os congestionamentos são cada vez mais frequentes no bairro.
Como o espaço para o tráfego de veículos está limitado, qualquer acontecimento corriqueiro pode causar um longo congestionamento. Na tarde de segunda-feira (3), um motorista de ônibus desceu do veículo para ajudar na entrada de um cadeirante. Atrás do coletivo, imediatamente formou-se uma fila de automóveis, entre eles uma ambulância. Não havia para onde fugir. Irritados, alguns motoristas começaram a buzinar e gritar.
Morador do bairro há dez anos, o cineasta Thiago Antônio, 26, reclama do descaso dos responsáveis pelas obras. "Isso aqui parece que não vai terminar nunca. O prazo inicial já passou há um ano. Os moradores foram esquecidos". Nesta segunda, ele caminhava pelo bairro com um amigo francês que visitava o Rio pela primeira vez. "Estou mostrando Santa Teresa para ele, mas fiquei até com vergonha." O bombeiro Alex Lechevalier, 20, que é de Paris, comentou: "Essas obras tiram o charme do bairro".
Camila Souza, 15, mora na parte mais alta de Santa Teresa e estuda em uma escola na Lapa. "Depois dessas obras eu comecei a chegar atrasada na aula. Geralmente eu tenho que esperar o ônibus por até meia hora. E está horrível. Dá até medo de entrar em um e cair em algum buraco. Fecho os olhos porque não quero nem ver", conta.
O artista plástico Jorge Simões, nascido no bairro, critica a falta de fiscalização das obras em Santa Teresa. "Há negligência tanto do consórcio quanto do governo. Todo mundo acaba sendo prejudicado", declarou. A qualidade das obras também foi alvo de reclamação do morador. "É uma vergonha um erro de engenharia como o que aconteceu na Joaquim Murtinho. Os bondinhos funcionaram durante mais de cem anos e, agora, com mais tecnologia, não está dando certo."
A região da praça Odylo Costa, onde há hotéis de luxo, está com aspecto de abandono. Turistas carregam malas por ruas esburacadas e cheias de barro. A reportagem não viu qualquer fiscal ou operário no local.
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