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Sabesp faz investimento milionário em questionada técnica para fazer chover

Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito uma licitação - Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo
Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito uma licitação Imagem: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo

Thamires Andrade*

Do UOL, em São Paulo

28/05/2015 12h09

Enquanto alega necessidade de "garantir o equilíbrio econômico-financeiro" para justificar a alta na conta de água, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) mantém um negócio de mais de R$ 8 milhões com a ModClima, uma empresa que oferece uma técnica de indução de chuvas artificiais. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem, porém, que o método não é eficaz.

De acordo com documentos da Sabesp obtidos via Lei de Acesso à Informação, a companhia já fechou quatro contratos com a empresa. Nos dois mais recentes, assinados no ano passado, a Sabesp já pagou R$ 2,4 milhões de um total de R$ 8,1 milhões previstos para fazer chover nos sistemas Cantareira e Alto Tietê, os mais afetados pela crise da água na região metropolitana de São Paulo.

Nos dois anteriores, com vigência 2007/2008 e 2009/2013, respectivamente, foram repassados R$ 4,3 milhões -- já somados os reajustes. Desde 2007, portanto, a ModClima recebeu quase R$ 7 milhões da Sabesp.

Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito nenhum tipo de contrato de licitação. A empresa alega que não era necessário abrir esse processo, pois a ModClima possui "patente de tecnologia utilizada". Ou seja, ela seria a única empresa detentora desse tipo de tecnologia e, consequentemente, a única capaz de prestar o serviço.

Para o professor livre-docente do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo) Augusto Jose Pereira Filho, a Sabesp contratou a empresa para não ser acusada de não fazer nada diante da crise de abastecimento de água.

“Foi dinheiro jogado fora. Era melhor utilizar essa verba para outros objetivos, como campanhas de conscientização e redução de perda de água, do que usar em técnicas que ainda não têm comprovação científica”, afirma.

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A técnica

A tecnologia, utilizada pela ModClima, é chamada de semeadura e é realizada com um avião que lança gotículas de água dentro da nuvem para acelerar sua precipitação.

As gotas ganham volume e, quando estão pesadas o suficiente, a chuva localizada acontece. Segundo a empresa, chove de 5 a 40 milímetros. O tempo de semeadura dura entre 20 e 40 minutos.

“A semeadura consiste em imitar o processo de crescimento dos hidrometeoros [meteoros aquosos] que, quando atingem o tamanho correto dentro da nuvem, provocam a precipitação. Um avião lança dentro da nuvem gotículas de gelo, cristais ou outra partícula - de acordo com o tipo desta nuvem [quente ou fria] - para acelerar o início da chuva, mas para isso é necessário estar no lugar certo e na hora certa”, explica o professor Carlos Augusto Morales Rodriguez, do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP.

A nuvem deve ter uma densidade adequada para que ocorra a precipitação, mas, segundo Rodriguez, a meteorologia tem dificuldades para identificar as nuvens em condições para a efetivação do processo.

“O radar meteorológico usado pela empresa contratada pela Sabesp não é capaz de identificar a nuvem que está em processo de precipitação, mas, sim, as nuvens que já estão chovendo. Portanto a técnica da empresa é ineficaz, já que, quando o avião entra na nuvem, ela já está chovendo”, explica Rodriguez.

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Rodriguez afirma ainda que a empresa fez a semeadura no sistema Cantareira como se o local tivesse nuvens do tipo quente. “O Estado de São Paulo é composto por nuvens frias e, para acelerar a precipitação, era necessário uma técnica adequada para esta região, como o uso de iodeto de prata e gelo seco”, explica.

Tanto Rodriguez quanto Pereira Filho fizeram avaliações independentes do trabalho da empresa e concluíram que a técnica não tinha a eficácia desejada.

“Em uma avaliação de 2003/2004 constatamos que a técnica não funcionou, mas mesmo assim a Sabesp contratou a empresa novamente”, diz Filho. “Fui convidado pelo diretor da Sabesp para conversar com os representantes da ModClima e, durante a reunião, os relatos eram descabidos do ponto de vista científico.”

Ele também questiona os resultados da técnica no ano passado. De acordo com o documento da Sabesp obtido via Lei de Acesso à Informação, só no ano passado a técnica induziu precipitação de 25 hm³ (hectômetro cúbico, o equivalente a 25 bilhões de litros) no sistema Cantareira e 6 hm³ no sistema Alto Tietê (equivalente a 6 bilhões de litros).

“Relatos da Sabesp diziam que houve aumento de 30% de chuvas nos sistemas por causa da técnica, mas a porcentagem e os resultados são duvidosos, pois não é fácil medir de que maneira a semeadura contribuiu de fato para aumentar a precipitação local”, argumenta Filho.

Procurada, a empresa ModClima informou que sua comunicação atual está concentrada na Sabesp e que não responderia as perguntas da reportagem.

A Sabesp não indicou nenhum representante para explicar a contratação dos serviços para provocar chuvas artificiais nem respondeu questões complementares enviadas pelo UOL. *Com colaboração de Wellington Ramalhoso