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Tiroteios atrapalham trabalho de pescadores no Complexo da Maré, no Rio

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

29/05/2015 06h00

As constantes trocas de tiros entre traficantes e policiais no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, têm afetado também o cotidiano das colônias de pescadores que têm como base os arredores do conjunto de favelas, localizado às margens da baía da Guanabara. Além da chuva, eles atentam para os tiroteios antes de decidir partir para o mar.

Muitas vezes, contam os pescadores de uma colônia localizada na divisa entre Pinheiros e Salsa e Merengue, duas das favelas mais violentas da região, o barulho do motor dos barcos se confunde com o dos tiros e é preciso esperar para retornar até o cais. “Às vezes, a gente não sabe e chega em meio de um tiroteio”, conta um pescador, que preferiu não se identificar.

Em novembro de 2014, o cabo do Exército Michel Augusto Mikami morreu após ser baleado durante um patrulhamento em Pinheiros. Já em fevereiro, um homem teve a perna amputada depois de ser atingido por tiros de fuzil disparados pelo Exército quando voltava para a sua casa, na Salsa e Merengue, após um jogo de futebol.

J., que trabalha comprando peixes na colônia para distribuir entre peixarias na região, conta que, há poucas semanas, precisou abandonar a sua Kombi lotada de mercadorias para se esconder, ao ser surpreendido por um tiroteio quando deixava o local. “Mal tive tempo de me esconder em um mercadinho”, diz.

Pelas redes sociais, moradores relatam tiroteios diariamente no complexo de favelas, ocupado pelos militares desde abril de 2014. Até o fim de junho, o Exército dará lugar, gradativamente, à Polícia Militar, para a instauração de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na região. “Não se pesca quando chove, não se pesca quando tem tiroteio, está difícil”, desabafa outro pescador, que também não quis se identificar.

Poluição

Além da violência, os pescadores da região também sofrem com a poluição. Ao lado da colônia em que J. compra peixes, localizada embaixo de um viaduto, há um lixão em que porcos, garças, urubus, ratos e gatos convivem. “Aqui não dá peixe, dá doença”, diz Altivo da Cruz, 63, um dos pescadores mais antigos da região, ao lembrar que é preciso se afastar cada vez mais para conseguir começar a pescar. “Faz tempo, isso aqui era uma praia em que a gente podia até se banhar. Hoje, se precisar cair na água, já viu.”

Segundo ele, a poluição se reflete também no assoreamento da baía, limitando a chegada e a saída dos barcos do local aos momentos de maré cheia. “Com as Olimpíadas, a Copa, as obras, falaram que iam melhorar a baía, mas não vimos nada disso. Daqui a pouco, a gente vai ter que sair a nado”, diz.

O catador Arnaldo Nascimento, 39, que construiu uma pequena casa de palafita em uma colônia de pescadores vizinha, também às margens da baía de Guanabara, se esforça para manter o local limpo. Todos os dias, diz, a praia se enche de lixo.

Apesar de ganhar a maior parte do seu sustento com o material que coleta pela zona norte da cidade, ele também cata e leva para reciclagem o lixo que chega quase até a sua porta, trazido pela baía. “Junto tudo", diz. “[A poluição] tem amenizado entre aspas. Tem manhãs em que tem muita, muita sujeira.”