Topo

Com reservatórios à beira do volume morto, Rio não descarta rodízio de água

Maior reservatório do sistema, Paraibuna está operando com 1,55% de seu volume útil - Lucas Lacaz Ruiz/Agência O Globo
Maior reservatório do sistema, Paraibuna está operando com 1,55% de seu volume útil Imagem: Lucas Lacaz Ruiz/Agência O Globo

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

31/08/2015 06h00

Com três de seus quatro reservatórios com menos de 10% de volume e sem previsão de chuvas para os próximos meses, o rio Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento do Rio de Janeiro e da região metropolitana, chega ao fim de agosto no pior nível já registrado em sua história para esta época do ano. Questionada sobre a possibilidade de racionamento de água na capital, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente afirmou que “nenhuma medida está descartada no caso de um cenário ainda mais adverso.”

Caso se repita o índice de chuvas de 2014, a previsão, segundo dados do comitê de bacia do rio Guandu, é chegar ao início da estação chuvosa, em novembro, com os reservatórios operando a 4%. Com 80% do volume de água do ano passado, essa previsão cai para 0,9% de volume equivalente – hoje, o volume médio do Paraíba do Sul está em 7,49%, menos da metade do que em agosto do ano passado, quando a média do rio em 26 de agosto era de 19,1%.

A represa de Paraibuna, tida pelo Estado do Rio como garantia de abastecimento caso a seca se agrave ainda mais, deve alcançar, ainda nos primeiros dias de setembro, o volume morto, ponto em que a barragem não tem mais água suficiente para gerar energia. No dia 26 de agosto, segundo a ANA (Agência Nacional de Águas), a represa, que chegou a 0% pela primeira vez em sua história em janeiro, operava com 1,55% de sua capacidade.

Governo pede mudança de hábito de consumo

“O ano passado já foi ruim e esse ano está sendo pior. Esses fenômenos [de estiagem] vão ser cada vez mais intensos e frequentes. Ou a gente vai mudar os nossos hábitos no amor, ou vai mudar na dor", afirmou o secretário de meio ambiente, André Corrêa, em entrevista ao jornal Bom dia Brasil da TV Globo, nesta quinta-feira (27).

A principal medida para mitigar a crise, segundo o governo, "é economizar ao máximo os estoques de água dos reservatórios". Nessa quinta-feira (26), a vazão da barragem da usina hidrelétrica de Santa Cecília, em Barra do Piraí, que abastece a região metropolitana do Rio, teve a mais drástica redução de sua história - passou a liberar 110 m³/s. A água bombeada dessa barragem chega ao rio Guandu, que abastece a região metropolitana do Rio. Desde de maio de 2014, a vazão da barragem de Santa Cecília, que operava com 190 m³, tem sido reduzida gradativamente.

Com a redução da vazão de Santa Cecília, o Guandu passou a captar apenas 75 m³/s - o restante segue a calha principal do Paraíba do Sul. Antes da crise, a captação no sistema Guandu era de 119 m³/s. A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto) precisou intensificar as medidas de controle para garantir a qualidade da água.

Diretor-executivo do Comitê Guandu, Júlio César Oliveira Antunes diz que não é possível prever até que ponto as ações de diminuição de vazão poderão ser ampliadas sem prejudicar o abastecimento. “Esse limite, até quando se pode ir, não é conhecido. Se esse cenário de seca se confirmar vamos ter que espremer ainda mais [o rio]. Cada redução é feita em caráter de tentativa, acompanhamos como fica. Esse ano é o pior ano que já vivemos, nunca se trabalhou assim”, diz.

Recuperação deixada de lado

Para o professor Paulo Carneiro, pesquisador do laboratório de recursos hídricos da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), no entanto, a questão vai além da vazão. Obras a médio e longo prazo de recuperação da bacia foram deixadas de lado, confiando apenas na chuva e em ações emergenciais para sanar o sistema.

“Do ponto de vista das ações a longo prazo, que aumentem a resiliência da bacia para ter benefícios daqui dez, 20, 30 anos, nada foi feito”, diz.

O pesquisador alerta para o risco de ver a represa de Paraibuna como principal fonte de água em caso de agravamento da estiagem. “Temos que pensar nisso a longo prazo. Você não consegue repor um reservatório do tamanho do Paraibuna da noite para o dia. Se deflacionarmos o reservatório, não vamos conseguir recuperá-lo tão facilmente”, diz, ao lembrar a situação do sistema Cantareira, em São Paulo.

Segundo ele, é preciso debater qual é prioridade do uso de água do sistema e mesmo rever o papel do rio como produtor de energia elétrica. “Em alguns momentos teremos que abrir mão e diminuir a geração de energia elétrica para acumular mais água e suportar um provável período seco”, afirma.

Ele elenca uma maior cobrança para que os municípios diminuam as perdas e possam captar menos água, o reflorestamento das margens do rio e o incentivo para que pequenos produtores recuperem as bacias e nascentes em nível local como medidas essenciais para a manutenção do rio e do abastecimento da capital fluminense. "Estamos repetindo as mesmas perguntas dos anos anteriores. Isso tem que deixar de ser agenda de governo e ser agenda de Estado. Como vai estar essa discussão em 2040?”, questiona.