No Rio, errar o caminho e entrar em favela pode ser fatal para motoristas
Paulo dos Santos, 66, dirigia pela zona oeste do Rio de Janeiro, no último domingo (11), quando errou o caminho e acabou acessando a rua Belisário de Souza, um das principais vias da favela Vila Vintém. Ao observarem a movimentação do veículo, traficantes de drogas dispararam e atingiram o motorista, que morreu no hospital.
Santos não é a primeira pessoa a morrer neste ano depois de entrar por engano em uma comunidade. Três dias antes, o italiano Roberto Bardella, 52, foi assassinado a tiros quando trafegava de moto pelo Morro dos Prazeres, na região de Santa Teresa.
O turista havia acabado de visitar o Cristo Redentor e se orientava por meio de um aplicativo de GPS, que traçou a rota mais rápida na volta e acabou o levando a passar pelo interior da favela. Ele realizava viagem de moto pelo Brasil ao lado do também italiano Rino Polato, que sobreviveu ao atentado.
Em junho, um casal de turistas de Manaus chegava ao Rio de carro pela avenida Brasil, via margeada pelas comunidades do Complexo da Maré. Guiado por um aplicativo de navegação por satélite, o condutor acabou acessando por engano a favela Vila do João, e o carro foi baleado cinco vezes por traficantes da região. Apesar dos ferimentos, nenhum dos dois morreu.
A mesma sorte não teve o soldado da Força Nacional de Segurança Hélio Andrade, baleado na cabeça depois que um comboio que trafegava em direção à Linha Vermelha errou o caminho e se aproximou de um dos acessos à Vila do João. O caso ocorreu em agosto, durante a Rio-2016.
Aplicativo lista áreas de risco
Pouco antes dos Jogos Olímpicos do Rio, por conta da sucessão de casos envolvendo motoristas que entraram em favelas por engano, um dos principais aplicativos de GPS, o Waze, lançou um recurso que mapeou 25 áreas nas quais os usuários "podem estar em maior risco de crime".
Os condutores passaram a receber um alerta quando a rota traçada incluía trechos nessas regiões. Os critérios são definidos com base em "dados de terceiros" e "conhecimento técnico de voluntários brasileiros", de acordo com a equipe do aplicativo criado em Israel.
"Não vamos divulgar publicamente onde estão essas áreas, já que o objetivo do recurso é fornecer informações relevantes contextualizadas específicas para motoristas e rotas. Por respeito àqueles que moram nessas áreas, evitamos rotulá-los para a população em geral no mapa ou em comentários", afirmou, por e-mail, a porta-voz do Waze, Julie Mossler.
Segundo Julie, a ideia surgiu depois de muitos pedidos feitos por motoristas brasileiros no fórum online da marca. O recurso começou a ser desenvolvido em 2015 e começou a ser testado durante os Jogos Olímpicos na capital fluminense. Por enquanto, o aplicativo possui tal função apenas no Rio.
O UOL fez contato com a assessoria de comunicação do Google no Brasil, que informou, por e-mail, não ter recurso semelhante nas configurações do Google Maps, outro popular aplicativo utilizado por motoristas.
No Fórum de Ajuda do Google Maps, no site da empresa, há mensagens de usuários que solicitam o desenvolvimento de uma função para grifar em vermelho as rotas que perpassem por áreas de risco na cidade. Em resposta, uma colaboradora do Google afirma que o recurso representaria um "juízo de valor" e questiona a validade do rótulo "área de risco".
Por fim, ela sugere o uso de um outro aplicativo, o Google My Maps, que possibilita a criação de mapas customizados.
Processo de adaptação
Na avaliação de Abimael Cereda Júnior, doutor em Engenharia Urbana pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a evolução dos aplicativos de GPS representa uma "revolução" para os usuários em geral, que ainda estão em "processo de adaptação" em relação a riscos e benefícios.
Ele lembrou que, há pouco tempo, os motoristas dependiam de livros extensos com mapas impressos e ilustrados com ruas e avenidas. Afirmou ainda que a navegabilidade por GPS já gerou problemas em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, um homem morreu depois de cair em um lago ao seguir rota traçada por um aplicativo.
"De 2000 para cá, praticamente toda a população ganhou acesso a esse tipo de recurso. Antes a gente tinha, no máximo, mapas em listas telefônicas ou naqueles guias de ruas que deixava no carro. O que está acontecendo, de uma maneira mais ampla, é uma mudança de cultura. Ou seja, como nós nos relacionamos com essa tecnologia. As pessoas ainda estão se adaptando. Elas acham que navegação por GPS é um guia espiritual e estão usando dessa forma", afirmou.
Para ele, empresas como Waze e Google já estão investindo em coleta e integração de base de dados, com objetivo de melhorar a experiência do usuário. Mas há uma barreira neste processo, já que as iniciativas partiriam apenas dos próprios provedores de tecnologia ou dos usuários por meio de redes colaborativas.
"Tudo é integrável, mas não pode estar em um modelo definido apenas pelas empresas. Isso passa por gestão de políticas públicas. Na verdade, se a gente tem acesso a esses dados e eles estão integrados, essa base pode ser utilizada não só para navegação automotiva, mas também para direcionar políticas públicas e entender os motivos pelos quais essas regiões são tão perigosas."
Crivella sugere indenizar turistas
Em almoço com empresários, em 5 de dezembro, o prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), sugeriu que o governo municipal passe a indenizar os turistas que tiverem seus bens roubados na cidade. "Nós temos que garantir que, se eles forem assaltados, se declararem o celular no aeroporto, nós vamos indenizá-los", afirmou.
Segundo Crivella, é preciso investir de forma massiva no turismo, "principal vocação da cidade", e esta seria uma medida transitória a fim de "quebrar a imagem" de violência do Rio. O novo prefeito, no entanto, não soube definir como a proposta poderia ser colocada em prática e aventou a possibilidade de retirar as indenizações de "passagens". "Eu lancei uma ideia. É polêmica e utópica. O turismo é a maior riqueza da nossa terra. Valeria para o turista estrangeiro e o que viesse de outros estados."
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