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Defensoria aponta racionamento de comida e jejum de 14h em 4 prisões de SP

Racionamento e o jejum prolongado estariam ocorrendo em quatro penitenciárias - Getty Images
Racionamento e o jejum prolongado estariam ocorrendo em quatro penitenciárias Imagem: Getty Images

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

16/01/2017 20h14

Inspeções realizadas desde agosto em presídios paulistas constataram, a partir do relato dos detentos, que racionamento de alimentos nas principais refeições do dia e jejuns que podem durar 12 e até 14 horas têm sido problemas tão comuns quanto a superlotação e a falta de médicos nas unidades. A informação é do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado, responsável pelas inspeções. O órgão não apenas classificou os problemas como “barbárie” como os condicionou a um potencial risco de rebeliões nesses locais.

Em entrevista exclusiva ao UOL, a  coordenadora do núcleo, a defensora pública Flávia D’Urso, afirmou que o órgão tem uma série de depoimentos de detentos e mesmo de defensores públicos locais dando conta de que o racionamento e o jejum prolongado estariam acontecendo nos últimos meses em ao menos quatro unidades prisionais: a Penitenciária 2 de São Vicente (Baixada Santista), a Penitenciária de Tupi Paulista e o Centro de Detenção Provisória  de Campinas (ambos no interior do Estado) e o Centro de Detenção Provisória da Vila Independência (zona leste de São Paulo).

A unidade de Tupi Paulista foi notícia dias atrás por conta do assassinato de dois presos --as primeiras mortes confirmadas no sistema carcerário paulista desde o início da crise penitenciária no Norte e Nordeste do país –com massacres em Manaus (64 mortos), Boa Vista (33) e Natal (26).

De acordo com a coordenadora do núcleo, inspeções mensais realizadas desde agosto constataram nos relatos dos presos que o racionamento e o jejum prolongado são “problemas sistemáticos” nas unidades que ela mencionou.

“Todos os presos nos citaram essas duas situações nesses presídios e CDPs em inspeções feitas em agosto, setembro, outubro e novembro. Há uma redução na quantidade de comida e um espaçamento muito grande de uma refeição para outra –por exemplo, jantar servido às 16h30, 17h, com refeição posterior só no dia seguinte”, afirmou a defensora. “Os defensores públicos locais relatam a mesma coisa, e como a prática é sistemática, no caso da diminuição de comida, não tem outra expressão que não racionamento; no caso do jejum, fartamente comprovado em documentos nessas inspeções, isso é algo que infringe qualquer linha médica”, complementou.

Mestre em processo penal e doutora em filosofia política, D'Urso contou que está na Defensoria Pública desde 2006 –ano que se tornou emblemático na crise carcerária de São Paulo por conta dos ataques  comandados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e que levaram pânico à cidade de São Paulo.

“Na penitenciária de Tupi Paulista, por exemplo, vimos que os presos pegam o leite fornecido, que é ralo, e penduram nas garrafas vazias de refrigerante para fazer coalhada e gerar mais comida. Não haveria nenhuma surpresa se houvesse uma rebelião, pois tudo isso, somado à hiperlotação carcerária –imagine celas para 12 detentos com 40, até 50 homens? --, geram um cenário hoje que já é de barbárie. Isso precisa ser divulgado”, afirmou.

Inspeções são surpresa; defensora fala em "crime de tortura"

Nas inspeções mensais, a defensora pública atua em conjunto com outros dois defensores do núcleo. A fim de garantir a espontaneidade dos depoimentos, explicou, os detentos e a administração do presídio são ouvidos pela defensoria separadamente, e as inspeções são surpresa. Relatos pessoais dos defensores também são registrados sobre as situações narradas ou observadas. Nessas ocasiões, de acordo com ela, tem sido verificada também a falta de assistência médica de médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem capazes de suprir a demanda. “Em última análise, o conjunto desses problemas configura crime de tortura –que é todo aquilo que gera um sofrimento desnecessário para a pessoa”, enfatizou.

D’Urso informou ter comunicado a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária sobre os problemas nas quatro unidades na primeira quinzena de dezembro, com a cobrança sobre eventuais medidas administrativas que teriam que ter sido adotadas a respeito. A resposta da Seap, conforme a defensora, veio cerca de um  mês depois. “Não foi [uma resposta] condizente com os relatos dos presos”, resumiu a defensora.

Sindicato de agentes cita hiperlotação e falta de assistência médica

A reportagem conversou com o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado de São Paulo, Daniel Grandolfo, que também reclamou da falta de assistência médica e da hiperlotação no sistema paulista e os condicionou ao risco de rebeliões.

“Acredito que a mortandade que vimos em Manaus, Boa Vista e Natal é mais difícil de acontecer em São Paulo porque não há, aqui, mistura de facções –cada presídio é dominado por uma, ainda que 90% deles esteja sob o comando do PCC. Mas, segundo os agentes relatam, são generalizadas a falta de assistência médica e a hiperlotação, o que deixa essa ameaça velada de rebelião sempre no horizonte”, comentou.

A reportagem fez contato com a Seap sobre os problemas identificados nas inspeções da Defensoria, mas, até esta publicação, a pasta não se manifestou.

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