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Ação na Cracolândia quer resgatar beleza de usuárias: "autoestima lá em cima"

Rebeca Mondonato, 37: "A gente é drogado e se sente um lixo. Essa ação é muito importante para resgatar a autoestima da gente" - Bruno Santos/ UOL
Rebeca Mondonato, 37: "A gente é drogado e se sente um lixo. Essa ação é muito importante para resgatar a autoestima da gente" Imagem: Bruno Santos/ UOL

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

18/01/2017 04h00

“A autoestima fica lá em cima”, disse Rebeca Mondonato, 37, uma das primeiras a ter as unhas pintadas no espaço do programa de Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, que funciona na rua Helvetia, na região conhecida como Cracolândia. Desde a segunda-feira (16) o local abriga as atividades da 2ª Semana da Diversidade da Beleza na Cracolândia.

Até o sábado (21), funcionários das organizações não governamentais que atuam no programa e voluntários vão fazer as unhas, maquiar e arrumar os cabelos de usuários de drogas que vivem na região.

O evento só não vai acontecer nesta quarta-feira (18) por causa do confronto entre PMs, moradores de rua e dependentes químicos da região, que aconteceu na noite de ontem, um dia depois de a reportagem do UOL ter ido ao local. Mas as organizadoras prometem voltar com força total na quinta, "se tudo tiver calmo'.

Natural de Natal (RN), mulher trans e prostituta, Rebeca disse que não mora na Cracolândia, mas em um prédio perto da região. Mesmo assim vai todos os dias ao local visitar as amigas e usar drogas.

Eu gostei do resultado. Elas tratam a gente bem. A gente é ‘drogado’ e se sente um lixo, isso aqui é um lixo, por isso é tão importante o que elas tão fazendo para resgatar a autoestima da gente."

Rebeca Mondonato

Rebeca disse que quer parar de frequentar a região e que tem vontade de voltar a morar em Natal. “Se eu não sair, daqui a pouco já estou morando aqui, drogada e sem ter forças para sair”, disse.

Depois de ter as unhas pintadas e ser maquiada, Larissa Costa, 25, disse que estava digna de “capa de revista”, enquanto segurava a barriga de sete meses de gestação ao fazer pose para a foto.

Ela não vive mais na Cracolândia. Há seis deixou a região para morar no CAE (Centro de Acolhida Especial para Mulheres em Situação de Rua) Casa Marta e Maria, no Belém, na zona leste de São Paulo. Mas disse que sempre volta ao espaço da prefeitura para consultas com médicos e acompanhamento psicológico, além claro, de matar a saudade das assistentes sociais que tanto a ajudaram. “Sou muito paparicada aqui. Todo mundo me adora”, diz, orgulhosa.

Na segunda (16), levou até uma amiga que conheceu no abrigo para participar do evento. Larissa pintou as unhas de rosa, passou batom vermelho, fez até “carão” para foto. “Isso aqui é muito importante, faz com que a gente veja que somos lindos de qualquer forma”, disse.

Capixaba, ela contou que mora há 12 anos em São Paulo. “Os primeiros anos foram muito bons, eu consegui trabalho de recepcionista em uma loja. Gostava do que fazia, mas aí eu conheci um rapaz, que é meu ex-marido, e comecei a usar drogas. Cheguei a morar sete meses aqui [na Cracolândia]”, contou.

“Me marca no Facebook, quero que minha mãe veja”

Elisângela Alves - Bruno Santos/UOL - Bruno Santos/UOL
Elisângela Alves, 39: ex-cozinheira, mãe de seis filhos, e com dois netos, a paulista de Itapevi (SP) tem a Cracolândia como endereço há dois meses
Imagem: Bruno Santos/UOL

Elisângela Alves, 39, não queria nem passar batom quando se sentou na cadeira branca de plástico para ser maquiada pela voluntária Fernanda Souza, 41. Estava preocupada com o barraco que tinha se molhado por causa da forte e rápida chuva que caiu durante a tarde da última segunda-feira (16).

“Tem dia que chove e molha tudo, e não tem ninguém para ajudar”, disse a paulista de Itapevi, que há dois meses mora com o marido em um barraco na rua Helvetia.

Acabou relaxando, deixou a voluntária passar um batom roxo nela e fez até selfie. “Pode postar e me marcar no Facebook que é para minha mãe saber que eu estou bem. Minha família nem sabe que eu estou aqui”, disse.

Elisângela disse que era cozinheira e que sempre trabalhou para sustentar os filhos. Tem seis, e dois netos. O caçula tem oito meses e mora com a mãe dela em Itapevi. “Ela está com meu filho, meu João Pedro, meu bebê”, contou com lágrimas nos olhos, sem se importar em borrar a maquiagem.

Disse que sonha em voltar a cozinhar. “Sinto uma saudade danada de trabalhar, de estar na cozinha. Mas eu vou voltar, eu preciso sair daqui. ”

Larissa Costa - Bruno Santos/UOL - Bruno Santos/UOL
Larissa Costa, 25: grávida de sete meses, a ex-recepcionista disse que deixou de usar drogas e há seis meses não mora mais na Cracolândia
Imagem: Bruno Santos/UOL

Redes sociais para fazer o bem

Apesar de ser realizada em um espaço da gestão municipal, a ação não é da prefeitura. Foi iniciativa das assistentes sociais que há anos atuam no local e está sendo colocada em prática por causa das doações coletadas através de uma campanha feita nas redes sociais. De 4 de janeiro até o dia 14, as organizadoras do evento conseguiram mais de mil absorventes, esmaltes, centenas de itens de higiene e limpeza, além de bijuterias, batons, itens de manicure, lápis e estojos de maquiagem.

“A nossa preocupação é manter elas aqui o máximo de tempo possível, porque esse seria o tempo que elas estariam no fluxo [local onde acontece venda e consumo de drogas]. Aqui temos uma conversa que ultrapassa a relação profissional. O que queremos com isso? Resgatar a autoestima dessas mulheres”, conta uma das envolvidas na ação, que não quis se identificar.

“Ninguém nunca tem tempo”

A Semana da Diversidade da Beleza foi o primeiro trabalho social que a voluntária Elza de Souza, 65 anos, fez. Ela foi com a filha, a administradora Fernanda Souza, 41, e contou que estava receosa no início.

“Achei que ia ser mais difícil. Mas eu ouvi muitas histórias hoje, ouvi até briga. Uma estava falando mal da outra para mim e a outra estava ouvindo. Fez questão de esperar a sua vez para fazer a unha para vir falar a versão dela da história. Mas a gente fica neutra, né?”, riu.

Para ela, a experiência a fez “ver a realidade de outra forma”.

Falta atenção [a essas pessoas], falta até carinho. Mas as pessoas não têm tempo para isso, ninguém nunca tem tempo.”

Elza de Souza, voluntária da ação