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Rafael Braga é internado por suspeita de tuberculose e defesa pede transferência para hospital

Alice Vergueiro/Estadão Conteúdo
Imagem: Alice Vergueiro/Estadão Conteúdo

Paula Bianchi*

Do UOL, no Rio

21/08/2017 17h09

O catador de material reciclável Rafael Braga está internado na Unidade de Pronto Atendimento de Bangu com suspeita de tuberculose desde quinta-feira (17), segundo seus advogados. Até o momento, a defesa não obteve acesso ao seu prontuário médico.

Reportagem publicada pelo UOL mostra que as chances de um detento morrer dentro do sistema prisional devido a doenças consideradas tratáveis é muito maior do que a de ser vítima de violência. Segundo dados do Ministério da Saúde obtidos pela reportagem, presos tem 28 vezes maior do que a população em geral de contrair tuberculose. 

Ele foi condenado em janeiro a 11 anos e três meses de prisão por portar 0,6 g de maconha e 9,3 g de cocaína no Complexo de Favelas da Penha, zona norte do Rio, e é o único preso remanescente das manifestações de 2013.

De acordo com os advogados do DDH (Instituto de Defesa dos Direitos Humanos) que estiveram na Penitenciária Alfredo Tranjan, em que Rafael está preso, na quarta-feira (16), ele se queixou de uma tosse persistente que não teria sido tratada.

A defesa pede a transferência de Rafael para um hospital para que ele possa receber o tratamento adequado.

Pedido de liberdade negado

No dia 8 a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou pedido de habeas corpus feito pela defesa de Rafael. Foram dois votos contra o recurso e um a favor.

A relatora foi a desembargadora Katya Maria de Paula Menezes Monnerat.

Procurada pelo UOL, a defesa de Rafael Braga informou após a derrota que vai entrar com novo recurso em favor do catador. "Vamos entrar com mais um HC [habeas corpus], agora no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília", disse João Henrique Tristão, advogado de Rafael e que trabalha na ONG DDH, Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos.

Em nota, a ONG definiu a decisão como "desnecessária e incompatível com o princípio constitucional da inocência". 

Único a votar a favor da liberdade de Rafael, o desembargador Luiz Zveiter afirmou que a condenação por tráfico de drogas e associação ao tráfico para o catador foi muito elevada, sendo contrária à jurisprudência da própria Câmara, que costuma ser menos severa em casos semelhantes. 

Nas manifestações de junho de 2013, Rafael --então morador de rua-- foi acusado de porte de artefato explosivo por carregar uma garrafa de desinfetante. Ele foi condenado a cinco anos de prisão, mas sua defesa conseguiu o direito de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.

Entretanto, em janeiro de 2016, Rafael voltou a ser detido acusado de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Ele nega a acusação e diz o flagrante foi forjado. Neste ano, ganhou força uma campanha para que ele tenha o direito de responder em liberdade, enquanto recorre da condenação. Para militantes dos direitos humanos, o caso de Rafael Braga é um símbolo do desequilíbrio no tratamento de pretos e pobres perante a Justiça.

A prisão de Rafael voltou à tona recentemente após Breno Borges, filho da presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS), desembargadora Tânia Freitas, preso com 130 kg de drogas e munições, ter sido autorizado a trocar a prisão pelo tratamento da síndrome de borderline numa clínica.

"Massacre silencioso"

O caso de Rafael e do sistema penitenciário fluminense é típico do que acontece em todo o país quando o tema é saúde nas cadeias: nas 58 unidades penitenciárias do Estado, exatos 517 presos morreram em decorrências de diversas doenças entre 1º de janeiro de 2015 e 1º de agosto deste ano. No mesmo período, 37 detentos foram assassinados em suas celas --um índice 14 vezes menor.

Superlotado, o sistema carcerário do Rio conta com 28.688 vagas e trabalha 177% acima de sua capacidade

"Não é preciso que haja uma rebelião [como a de Manaus] para você ter um massacre silencioso nos presídios", afirma o defensor Marlon Barcellos, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

"O que a gente intui? A gente está vendo essas mortes acontecendo e 90% é por doença. Tem um caso ali e outro aqui por suicídio. Violência é excepcional", diz o também defensor Ricardo André de Souza, subcoordenador de Defesa Criminal da instituição. Souza afirma que há registros de problemas de pele que poderiam ser tratados de forma simples e acabaram por evoluir para a morte do preso, por causa de falta de tratamento adequado.

Uma médica que atua em prisões do Rio, confirma, sob sigilo, o relato do defensor público. "O preso que tem escabiose [tipo de sarna] começa a se coçar, o local que ele coça começa a desenvolver um abcesso e, se não receber tratamento adequado com antibióticos, pode haver um desenvolvimento de uma infecção mais grave."

* Colaborou Flávio Costa