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'Em vez de médicos, eles mandam a polícia matar', diz morador do Rio a site

16.jul.2018 - Soldados participam de ação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro - Fabio Teixeira/picture alliance via Getty Images
16.jul.2018 - Soldados participam de ação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro Imagem: Fabio Teixeira/picture alliance via Getty Images

Do UOL, em São Paulo

18/05/2020 10h21

Moradores do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, relataram à reportagem do site britânico The Guardian que a polícia está matando gente nas favelas, em vez de ajudar durante a pandemia do novo coronavírus.

Maria Diva do Nascimento, 42, que trabalha em um dos maiores hospitais da cidade e mora no Alemão, teve o filho Allyson, 20, morto na sexta-feira (15) durante uma ação policial com uso de helicópteros. Outras 12 pessoas morreram.

"Eu o coloquei nesse mundo", disse ela no dia seguinte, chorando, enquanto se preparava para se despedir. "Ninguém tinha o direito de levá-lo embora".

O rapaz trabalhava para o tráfico de drogas comandado no local pela facção Comando Vermelho, diz a reportagem.

Casas e paredes foram destruídas, tanques de água explodiram e a rede elétrica foi danificada, deixando milhares sem eletricidade.

Quando o tiroteio parou, quase seis horas depois, balas da polícia tinham matado exatamente o mesmo número de pessoas que a covid-19 no Complexo do Alemão: 13.

"Tínhamos medo da pandemia, mas isso é ainda pior", disse Bruno Itan, fotógrafo que documentou a ação em uma série de fotos que mostram policiais em pé sobre cadáveres cobertos por lençóis. "Havia tantos corpos que era difícil de acreditar."

"Em vez de enviar médicos e enfermeiras para proteger os moradores da covid-19, o governo envia policiais, veículos à prova de balas e helicópteros para nos matar", ele critica. "Nós estamos cansados."

O comandante da operação, Marcus Amim, disse aos jornalistas que a ação tinha sido legítima e bem-sucedida: a polícia deixou o local com oito rifles e 85 granadas de mão apreendidos.

"É claro que mais de uma dúzia de mortes não fazem ninguém feliz. Mas não escolhemos esse resultado", afirmou Amim, responsabilizando a resistência de gangues fortemente armadas pelo derramamento de sangue.

Apesar das restrições de circulação impostas aos residentes da cidade desde meados de março por causa da covid-19, as incursões policiais nas favelas, muitas vezes violentas, não foram interrompidas.

No dia 27 de abril, cinco jovens, um deles menor de idade, foram assassinados pela polícia na Vila Kennedy, que também é controlada pelo Comando Vermelho. Duas semanas antes, três já tinham sido mortos na mesma área.

Desde o começo do ano passado, mais de 2.000 pessoas, a maior parte no começo de sua juventude, foram mortas pela polícia do Rio, segundo o site. A polícia estadual matou um recorde de 1.810 pessoas em 2019, uma média de quase cinco por dia.

Dandara Tinoco, pesquisadora de políticas públicas do Instituto Igarapé, com foco em segurança, disse que a polícia não tem o direito de bancar o juiz e o júri, eliminando os suspeitos. "O Brasil não tem pena de morte. São os tribunais que condenam. Aqueles que cometem crimes devem ser responsabilizados de maneira proporcional."

"Todo mundo merece uma segunda chance", disse Maria Diva Nascimento antes do funeral do filho. "Prendam, mas não matem."

"Nenhuma mãe cria seu filho para terminar assim".