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'Sofremos bullying desde sempre': siamesas contam como vivem após separação

Simone Machado

Colaboração para o UOL, em São José do Rio Preto (SP)

09/07/2023 04h00

As gêmeas Ruth Pereira de Lima e Ruthiellen Pereira de Lima chegaram ao mundo há 21 anos, em Fortaleza (CE). As duas nasceram conectadas pelo abdome e com aparelhos urinário, reprodutor e digestivo comuns.

As irmãs siamesas driblaram as piores sentenças sobre seu futuro. Anos após a cirurgia de separação —uma operação delicada, realizada em São Paulo—, elas narram nas redes sociais como vivem.

"Eu falo de tudo muito abertamente e não tenho vergonha da minha deficiência. Tem gente que critica e diz que não sou uma mulher completa, mas não deixo esse tipo de comentário me abalar", diz Ruthiellen.

Bullying, eu sofro desde que nasci e ignoro, porque senão eu não vivo.
Ruthiellen

Segundo a família, os médicos não sabiam se elas sobreviveriam. "Sempre soube que a gente era um milagre", diz Ruthiellen. "Minha mãe conta que, desde que nascemos, os médicos falavam que nosso caso era grave."

Como não é comum [gêmeas siamesas], minha mãe não sabia muito bem como seria a cirurgia de separação e se nós duas íamos sobreviver. Os médicos também não sabiam se as duas viveriam, a gente tinha muita chance de morrer.

As irmãs não se lembram da época em que viviam conectadas. A cirurgia de separação ocorreu quando elas tinham apenas 1 ano e três meses.

gemeas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Gêmeas Ruth e Ruthiellen nasceram conectadas pelo abdome
Imagem: Arquivo Pessoal

Após a separação, as gêmeas tiveram de conviver com algumas condições de saúde.

Ruthiellen não possui a perna direita, tem apenas um rim e não possui o canal do ânus — o que faz com que precise usar bolsa de colostomia. Para se locomover, usa uma prótese.

Já Ruth não possui a perna esquerda, precisou passar por cirurgia para construção vaginal e, após ter problemas no intestino, também usa bolsa de colostomia. Por ter escoliose, ela não consegue andar e se locomove de cadeira de rodas.

Relacionamento e estudos

Ruthiellen é casada há seis meses e mora com o marido e a sogra, em um bairro próximo à casa da mãe. Na residência, a jovem é responsável por diversos afazeres domésticos.

gemeas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ruthiellen, 21, faz uso de prótese para se locomover
Imagem: Arquivo Pessoal

"Eu faço de tudo em casa, lavo louça, ajudo na limpeza e tenho uma vida normal. Como tenho endometriose e sofro muito com as dores, eu parei de estudar no segundo ano do ensino médio, mas pretendo retomar e concluir o colegial", conta.

"Quando fico muitas horas com a prótese sinto dor, então eu teria muita dificuldade em ir para uma faculdade. Não penso nisso agora."

Já Ruth mora com a mãe e um primo. Ela teve um namoro de 8 meses, mas atualmente está solteira. A jovem também deixou a escola no ensino médio e não concluiu os estudos.

"Eu tenho TDAH e isso sempre me prejudicou muito na época escolar, por isso deixei a escola. Se um dia eu voltar, gostaria de cursar psicologia porque gosto muito de ouvir as pessoas e dar conselhos. Me identifico com a profissão", diz Ruth.

Vídeos no TikTok e preconceito

Gêmeas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gêmeas vivem em Fortaleza e narram rotina no TikTok
Imagem: Arquivo pessoal

Durante toda a vida, as gêmeas afirmam que ouviram muitos comentários preconceituosos, principalmente durante o período escolar, mas sempre tentaram lidar com a situação com bom humor.

As irmãs têm um canal no YouTube, onde falam sobre a cirurgia de separação, sobre o preconceito que enfrentam e mostram suas rotinas. Elas também produzem vídeos para o TikTok e Instagram.

"As perguntas que mais recebo são sobre como é meu relacionamento com meu marido, principalmente a questão sexual. Tem gente que critica e diz que não sou uma mulher completa, mas não deixo esse tipo de comentário me abalar", diz Ruthiellen.

gemeas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Devido à escoliose, Ruth, 21, usa cadeira de rodas
Imagem: Arquivo Pessoal

Apaixonada por música, Ruth usa as plataformas para mostrar seu talento cantando. Desde pequena ela canta em igrejas da cidade. Mais tímida, ela conta que tem vergonha de gravar vídeos como a irmã, mas sonha em ser modelo fotográfica.

"Eu amo cantar música gospel. É como eu me sinto bem e feliz. Não gosto muito de gravar story porque tenho vergonha, sou faladeira, mas sou tímida", diz a jovem.

O que são gêmeos siameses

A incidência de gêmeos siameses ou conjugados é bastante rara na história da medicina. Para cada 1 milhão de partos de gêmeos, 10 partos apresentam conjugação anatômica dos recém-nascidos.

A condição ocorre quando os bebês não se separam durante a gestação, como é esperado. Os gêmeos podem estar ligados pela cabeça, tórax ou abdome.

Em alguns casos, são realizadas cirurgias de separação, ainda nos primeiros meses ou anos de vida, como o caso das irmãs. Em outros, essa separação não é possível.