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Monitoramento, testes e até tribunal: quem entra em facção pode sair?

PCC monitora ex-membros para não entrarem em facções rivais - Divulgação
PCC monitora ex-membros para não entrarem em facções rivais Imagem: Divulgação

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

24/07/2023 04h00Atualizada em 24/07/2023 07h34

O Brasil tem 53 facções espalhadas nos 26 estados mais o Distrito Federal, sendo o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) os grupos dominantes. Cada organização criminosa possui o seu "estatuto", que, entre suas regras, determina quem pode ou não sair da facção.

Tanto no PCC, de São Paulo, quanto no CV, do Rio de Janeiro, é permitida a saída de seus membros e continuar vivo, porém a partir de regras rígidas a serem seguidas fora do mundo do crime. O grupo carioca Terceiro Comando também dá possibilidade a desistência.

Como é a saída de um membro do PCC?

No caso do PCC, segundo o MPSP (Ministério Público de São Paulo), para sair, o integrante precisa fazer o pedido para a sua chefia, informando os motivos. Em caso de dívida, a mesma deve ser paga para deixar a facção.

A principal regra quando uma pessoa deixa o PCC por vontade própria é não retornar ao mundo do crime, de acordo com o promotor de Justiça Leonardo Romanelli, em entrevista o site Metrópoles.

O ex-integrante do PCC recebe a denominação de "zé-povinho" e é monitorado para que não entre em facção rival. Se houver descumprimento da regra, o indivíduo pode ser levado ao chamado "tribunal do crime".

Como é a saída de um membro do Comando Vermelho?

Já no CV, as regras são mais rígidas e sua saída é considerada difícil, aponta uma pesquisa do Departamento de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. No grupo carioca, existe uma flexibilidade quando o membro é "parente ou protegido" de algum dono de morro dominado pelo CV.

Segundo o estudo, publicado em 2009, mas que ainda é referência na área, se o membro do CV não for próximo do seu chefe direto, o enredo de convencimento passa pela dedicação à família ou aos estudos.

Se convencer o dono do morro, o membro do CV recebe um "salvo-conduto", pois sua saída não é imediata, mas transitória, sendo obrigado a "passar por um tempo ainda em atividade".

É nesse período que o membro será testado a fim de saber se poderá causar problemas à facção.

Ele não pode ser visto como "vacilão", como alguém capaz de se transformar num "X-9" (traidor). Não pode dever dinheiro por consumo de droga, por perda de mercadoria (droga e arma) ou por outra razão similar. Em suma, não pode ter nenhum tipo de dívida, nem monetária, nem moral, com a boca de fumo". Trecho da pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz

Por que os membros deixam as facções?

À época da pesquisa de campo com 30 jovens de 16 a 24 anos envolvidos com tráfico de drogas, a Fundação Oswaldo Cruz apontou os principais motivos pelos quais os membros das facções pedem para deixar a organização criminosa. O resultado tem apenas caráter exploratório, não tem fins estatísticos, mas dá a noção das motivações do desejo dos jovens de abdicar das armas.

  • Medo de morrer por traição ou por conflito armado - 20
  • Foi traído pelo seu grupo do tráfico - 17
  • Ameaças de castigo e tortura por traição ou vacilo - 9
  • Frustração de expectativas econômicas - 9
  • Perspectiva de constituir família - 4
  • Iniciação religiosa (protestante) - 4
  • Incapacidade física e mental (levou tiro) - 2
  • Não se adaptou ao mundo do crime - 2
  • Desejo de ter um próprio negócio - 1

O estudo ainda apontou que a saída dos jovens das facções é marcada pela vulnerabilidade, sendo um processo "lento, complexo e sofrido". O nível de dificuldade para se manter longe das armas depende de como esse membro se encontrará fora do mundo do crime sob a perspectiva de oportunidades, vivências, valores e costumes.

"O caso é mais complicado quando o jovem faz uso de drogas, pois pressupõe que ele tenha dinheiro para manter o vício. Como, geralmente, o rapaz não dispõe de recursos, pode acabar aproximando-se do seu antigo grupo para conseguir a droga e, assim, retornar. Consequentemente, o caminho da reinserção social é difícil", conclui a pesquisa.

É necessário que o jovem tenha a oportunidade de vivenciar novas maneiras de se colocar no mundo e de se relacionar com outras pessoas fora do ambiente da marginalidade, da ilegalidade e do 'poder de fogo da violência' - onde quase tudo se resolve com uma arma na mão.

Carolina Grillo, pesquisadora do Geni-UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), acrescenta que outro empecilho dos ex-membros das facções está em limpar sua ficha com a polícia.

O maior perigo vivenciado por quem sai é o de ser preso ou morto pela polícia, porque dificilmente alguém sai do crime sem já possuir passagem pela polícia e, se reconhecidos, serão capturados ou executados. Seria necessário haver algum programa de anistia que proporcionasse a possibilidade de abandonar o crime e procurar um emprego. Carolina Grillo, pesquisadora do Geni-UFF