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Um ano após queda de Mubarak, Egito ainda vive clima de incerteza na política

Andréia Martins

Do UOL, em São Paulo

11/02/2012 06h00

Instabilidade política e social, turismo em baixa, conflitos religiosos, violência nas ruas e, mais recentemente, uma tragédia em um estádio de futebol, com 74 vítimas e acusações de que a polícia não teria impedido as mortes. Nos últimos meses, essas foram as principais notícias do Egito, país árabe que há um ano viu seu líder, o ex-presidente Hosni Mubarak, deixar o poder em meio à revolta popular que pedia a queda de seu regime. No entanto, a queda de Mubarak parece não ter sido suficiente para uma transição pacífica para um novo regime.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, o elo do conselho militar com o antigo regime é o que mantém o impasse no país. O episódio ocorrido no dia 1º  no estádio de Port Said, norte do país, envolvendo torcedores do Al Masry, time local, e do Al Ahly, visitante do Cairo, foi classificado por muitos egípcios como um conflito político, uma vez que os torcedores do Al Ahly estiveram na linha de frente da oposição à junta militar.

“As eleições são marcadas, mas você não sabe se elas de fato vão ocorrer. Outro erro foram os militares assumirem o poder, embora sempre tenham tido uma participação forte na política do país, quando um civil deveria estar na liderança”, diz o professor de cultura árabe da USP (Universidade de São Paulo), Mamede Mustafa Jarouche.

ELEIÇÕES PARLAMENTARES

Na primeira eleição parlamentar sem Mubarak no poder, a Irmandade Muçulmana saiu vitoriosa. O resultado anunciado em 21 de janeiro deste ano indicou o grupo com 127 das 332 cadeiras da Câmara dos Deputados. O grupo deve apresentar um candidato para enfrentar militares e liberais nas eleições presidenciais

Heni Ozi Cuckier, professor de Resolução de Conflitos Internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), vai mais longe. Para ele, a revolução no Egito não teve êxito. “A revolução não foi bem-sucedida, pois não houve a queda do regime, como vimos na Tunísia e na Líbia. O que vimos foi uma transição e, assim, a situação é a mesma”.

Segundo ele, há méritos na revolta popular, mas “o Egito só vai ser uma democracia quando os civis tiverem poder sobre os militares e as mulheres tiverem mais direitos, por exemplo, como os homens. Ao contrário, o país está longe de ser uma democracia”. Heni considera ainda elementos como imprensa livre e diálogo entre diferentes partidos políticos como conquistas ainda não alcançadas no país.

"Mubarak pode ter saído, mas os dois pilares de seu regime, uma forte repressão do Estado e um sistema econômico injusto, ainda sobrevivem," diz Rabab al-Mahdi, professora de Ciências Políticas na Universidade Americana do Cairo. “Porém, são esses mesmos fatores que estão levando a revolução à frente”, completa.

A permanência dos militares na linha de frente da transição incomoda a população e não era o resultado esperado pelos manifestantes. No entanto, o primeiro-ministro do Egito, Kamal Ganzouri, confirmou esta semana que a Junta Militar seguirá no poder até o dia 30 de junho, apesar de os dirigentes militares terem pedido para acelerar o processo eleitoral à presidência. A Comissão Eleitoral egípcia anunciou que no dia 10 de março será aberta a inscrição dos candidatos que desejam disputar as eleições no país.

Os rebeldes que abraçaram os militares como apoiadores da revolução, hoje estão do lado oposto ao do Supremo Conselho das Forças Armadas, o qual acusaram de desviar a transição e reter o poder. Os rebeldes vêm tomando as ruas há meses pedindo a saída do chefe militar, Field Marshal Hussein Tantawi, que foi ministro da Defesa de Mubarak e está atualmente no comando do país.

O clima de instabilidade é reforçado pela falta de segurança nas ruas do Egito. Embates entre a polícia e rebeldes, violência sectária, conflitos religiosos, assaltos à mão armada e até ataques a um encanamento que fornece gás para Israel mostram que o país ainda não reestabeleceu o controle.

“Existe uma sociedade muito dividida, que foi separada pelos militares ao longo dos anos. Eles não sabem o que é tolerância, conviver uns com os outros. Agora, com a atual situação, esses grupos estão se enfrentando. Mas enquanto houver perseguições à minoria e conflitos que o país não consegue conter, estamos longe da democracia”, diz Heni.

  • Amr Nabil/AP

    Milhares de egípcios protestam no Cairo após a morte 74 torcedores de futebol, em 2 de fevereiro, após um jogo na cidade de Port Said. O caso está sendo investigado mas existe a suspeita de que a tragédia tenha sido provocada por aliados do ex-presidente, que teriam incitados as duas torcidas

O professor acredita que, comparado aos demais países da Primavera Árabe, como Líbia e Tunísia, o Egito está caminhando par se tornar um novo Paquistão.

“Os países da revolta árabe tinham dois modelos de países para seguir: a Turquia, vista como um modelo de êxito, e o Paquistão, instável. O fato de o Egito hoje estar altamente fragmentado, com os índices sociais e econômicos piores do que na época de Mubarak, controlado por militares e instável, aponta para um novo Paquistão”.

Ex-presidente no tribunal  

Hosni Mubarak, seu ministro do Interior e seis chefes da segurança estão sendo julgados por seu envolvimento na morte de manifestantes durante a revolta. Os dois filhos do ex-líder, Gamal e Alaa --símbolos do poder e da riqueza da família-- também estão presos com antigos ministros e oficiais sob a acusação de corrupção. 

As audiências ainda não foram finalizadas e Mubarak agora vai aguardar seu julgamento em um hospital-prisão de Tora, para onde o Ministério do Interior autorizou que ele fosse transferido no início deste mês. 

Se confirmada, a transferência seria uma vitória simbólica, uma concessão a manifestantes que têm reclamado que Mubarak vem tendo tratamento especial pelo conselho militar. Mas ainda assim, uma vitória menor do que a esperada pelos egípcios. (Com EFE e Reuters)