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No Brasil, o Sesc é uma entidade cultural que se ocupa em dividir a riqueza

Piscina do Sesc Itaquera, na zona leste de São Paulo - Michele Mifano/Divulgação Sesc-SP
Piscina do Sesc Itaquera, na zona leste de São Paulo Imagem: Michele Mifano/Divulgação Sesc-SP

Larry Rohter

The New York Times

29/03/2012 06h00

No mundo inteiro, as organizações culturais estão apertando seus orçamentos e reduzindo a produção. Mas Danilo Miranda enfrenta um desafio diferente, o que deixa seus pares com inveja. Como diretor de uma das principais entidades de financiamento das artes no Brasil, seu orçamento cresce 10% ou mais anualmente, e ele precisa descobrir formas de gastar o montante, que chega a US$ 600 milhões (algo como R$ 1,08 bilhão) por ano.

De pé diante da janela de seu escritório numa tarde no final do ano passado, Miranda apontou para uma das iniciativas mais ambiciosas de seu grupo. No pátio abaixo, a trupe avant-garde francesa Theatre du Soleil, com sede em Paris e liderada por Ariane Mnouchkine, erguia uma tenda gigante onde começaria sua turnê pelo Brasil.

A organização de Miranda, o Sesc, sigla para Serviço Social do Comércio, também está fortalecendo laços com artistas norte-americanos. Ele patrocina um festival de jazz com a Nublu, uma gravadora de Nova York; assinou uma “parceria institucional” com a companhia de língua espanhola TeatroStageFest; e apresentou um trabalho de David Byrne, o baterista de salsa Bobby Sanabria e Robert Wilson. Este último, um diretor cujas obras incluem as óperas “Einstein na Praia” e “the CIVIL warS”, está negociando uma colaboração de longo prazo com o Sesc, assim como o Globalfest de world music que acontece em Nova York todo mês de janeiro.

“Nosso princípio norteador fundamental é usar a cultura como uma ferramenta para a educação e a transformação, para melhorar a vida das pessoas, e estamos numa posição de cumprir essa missão, graças a Deus”, diz Miranda. “Ao longo da última década, nosso orçamento vem dobrando a cada seis anos, mais ou menos. É incrível, não?”

O Sesc deve sua posição invejável em grande parte ao modelo de financiamento que seus líderes acreditam ser único no mundo. O orçamento do Sesc, entidade privada sem fins lucrativos que é protegida pela constituição nacional, é proveniente da uma taxa de 1,5% paga pelas empresas brasileiras sobre a folha de pagamento. Assim, à medida que a força de trabalho do país que tem quase 200 milhões de habitantes se expande, o mesmo acontece com o orçamento da organização.

Nos Estados Unidos e especialmente na Europa, a crise econômica que atacou em 2008 desencadeou cortes sérios no financiamento de iniciativas culturais por governo e setor privado. Mas a economia brasileira, que hoje é a sexta maior do mundo, está aumentando, tendo crescido 7,5% em 2010 e pouco menos de 3% no ano passado.

A força de trabalho cresceu mais rápido ainda. Abram Szajman, que na posição de presidente da Câmara de Comércio de São Paulo também supervisiona o conselho regional do Sesc no Estado, estima que a receita do imposto sobre a folha de pagamento aumentou de 10% a 12% no ano passado. “O Brasil está crescendo. Assim, as nossas necessidades e as dos nossos trabalhadores também estão crescendo”, disse ele. “Eles querem acesso não só a esportes e recursos de saúde, mas também a' arte, música e outras atividades culturais, do Brasil ou de fora, e isso faz parte da nossa personalidade.”

A grande expansão do grupo pode não ter ainda chegado aos consumidores de artes de fora do Brasil. Mas sua emergência como uma força global não passou despercebida pelos artistas ou pessoas que pagam pelo trabalho deles. “Os brasileiros estão rolando no dinheiro”, disse Jennifer P. Goodale, diretora do Trust for Mutual Understanding, que trabalha com países do leste europeu e asiáticos em programas de troca cultural. “E com os jogos Olímpicos e tudo mais, é a vez deles, é o momento deles.”

O Sesc não é a única entidade que está fazendo um esforço para expandir suas atividades e elevar o perfil do Brasil no exterior. Ministérios, Estados e municípios também têm programas para ajudar os músicos a fazerem turnês no exterior e promoverem filmes e outras obras, e o governo federal está buscando maneiras para fortalecer uma lei de 20 anos que oferece deduções de impostos a corporações que financiam programas de artes.

“O dinamismo cultural, a estabilidade monetária, o processo de inclusão social --tudo isso faz da cultura brasileira um caminho muito válido para o exercício do poder suave, uma forma de tornar nossa sociedade mais conhecida e compreendida pelos outros”, disse Celso Lafer, ex-ministro que também é escritor e membro da Academia Brasileira de Letras.

O Sesc, entretanto, é a organização de artes mais ativa do país, operando em todos os 27 Estados brasileiros, financiando não só programas de artes, mas também atividades recreativas, cursos educativos e clínicas de saúde. Em São Paulo, que têm 41 milhões de habitantes e é o Estado mais populoso e mais próspero do país, um quarto do orçamento do grupo no Estado é gasto em “expansão e reforma” de seus centros recreativos e de artes; outros 20% vão diretamente para programas culturais, e o resto é dividido entre outras atividades, segundo Miranda. Ele recebe para os programas culturais quase o mesmo que o National Endowment for the Arts gasta em todo os Estados Unidos.

Hoje praticamente não há nenhuma área das artes do Brasil na qual o Sesc não esteja envolvido. A organização têm sua própria editora, bem como uma gravadora e um canal de TV a cabo, e também opera galerias de arte, teatros, cinemas e salas de concertos, que normalmente fazem parte de grandes complexos que incluem restaurantes e instalações esportivas.

“O modelo do Sesc é um modelo maravilhoso, que deveríamos ter no mundo inteiro”, diz Nan van Houte, diretor do Netherlands Theater Institute e ex-presidente da Rede Internacional para Artes Performáticas Contemporâneas. “Integrar tudo, ter teatros, piscina, biblioteca, restaurante, cursos e museus, tudo junto, é muito inteligente. Isso torna a cultura parte da vida cotidiana, não algo separado.”

Para os artistas, a organização oferece um alívio em relação às demandas comerciais e encoraja o trabalho experimental. Como o modelo do Sesc é “focado no envolvimento da comunidade nas artes e na cultura”, ele “elimina o marketing e a pressão promocional que podem vir com o patrocínio corporativo”, disse por e-mail Robert Wilson, que vem conversando com o grupo sobre a produção de até meia dúzia de obras.

Em 2010, para citar um exemplo que decididamente não é comercial, o Sesc contratou um musicólogo grego para gravar uma série de dois CDs de composições que estavam paradas em mosteiros brasileiros por quase 300 anos, escritas para o cello piccolo, agora abandonado.
Mas a organização também lança CDs e apresenta shows de samba e outros tipos de música popular brasileira e costuma patrocinar mostras de arte brasileira. “Uma vez que somos uma instituição que, embora seja privada, tem compromissos públicos, não podemos nos limitar a apenas uma tendência ou estilo”, disse Miranda. “Não podemos dizer: 'vamos fazer apenas música tradicional ou música moderna, ou hip-hop ou bossa nova'.”

O Sesc foi fundado em 1946, num momento em que os setores comerciais e industriais do Brasil temiam que os trabalhadores pudessem se atrair pelo comunismo. Uma vez que o Brasil tem mais católicos romanos do que qualquer país do mundo, a doutrina social cristã adotada em encíclicas papais como “Rerum Novarum”, que pedia uma solidariedade social maior e relações mais harmoniosas entre o capital e o trabalho, também foi uma influência importante.

O Brasil e o mundo obviamente mudaram desde então. Não só o comunismo caiu, mas a economia brasileira também é maior do que a da Inglaterra, Itália ou Rússia. Ainda assim, os líderes empresariais brasileiros continuam vendo grande benefício e utilidade no sistema do Sesc, e nenhum dos mais de 20 partidos políticos do país se opõe a ele.

“Parte do retorno é social, no sentido de que é importante para nós, enquanto empresários, que a sociedade veja que estamos participando”, disse Szajman, presidente da Câmara de Comércio de São Paulo. “Mas há um retorno prático também: nossos trabalhadores vão para seus empregos como cidadãos mais informados, com melhor treinamento, e mais felizes, o que os torna mais produtivos.”