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Relatório francês sobre acidente do voo 447 culpa pilotos e preserva Airbus, diz presidente de associação

Thiago Varella

Do UOL, em São Paulo

05/07/2012 09h29

O relatório final do Escritório de Investigação de Acidentes Aéreos da França (BEA, na sigla em francês) sobre o voo 447 da Air France, que caiu no oceano Atlântico em junho de 2009 matando todos os 228 ocupantes, continua culpando os pilotos pela tragédia e frustrou familiares das vítimas, segundo o presidente da Associação de Parentes de Vítimas brasileiras do AF 447, Nelson Marinho. O documento será divulgado oficialmente hoje, mas já foi apresentado aos familiares.

Segundo Marinho, que perdeu um filho no acidente e está na França para acompanhar a apresentação do relatório, o documento não traz novidade em relação aos anteriores e continua a insistir que os pilotos não estavam bem treinados para agir em uma situação de emergência durante o voo.

"A única novidade do relatório do BEA é uma recomendação para que os pilotos tenham mais treinamento", afirmou Marinho, que teve acesso ao documento antes de sua divulgação oficial, que ocorrerá às 9h30 (horário de Brasília), na sede do BEA, em Paris. 

Para Marinho, o novo relatório é frustrante, pois não leva as falhas mecânicas suficientemente em consideração e isenta a Airbus, fabricante do avião que caiu, de qualquer responsabilidade no acidente. 

Acidente matou 228 pessoas

"Eles [o BEA] estão querendo preservar a Airbus. É um absurdo. O capital está falando mais alto do que a vida", alegou. 

Para a reunião com Jean-Paul Troadec, diretor do BEA, Marinho levou diversos relatórios que apontam que o erro mecânico da aeronave foi fator fundamental para a queda do avião.

"O BEA diz que os pilotos precisam de mais treinamento. Todo mundo sabe que um voo tem dois momentos críticos: a decolagem e o pouso. O voo AF 447 caiu quando estava em velocidade de cruzeiro. A habilidade de nenhum piloto experiente salvaria este voo", disse. 

Apesar da frustração, Marinho afirmou que a luta das famílias "pela verdade" continuará. "Perdi meu filho nesse acidente. Temos que tirar uma experiência disso para melhorar os voos."

Outros relatórios

Três relatórios preliminares já foram divulgados pelo BEA e o documento final deve servir como base para estabelecer eventuais responsabilidades penais no caso, já que a Justiça francesa mantém aberto um processo pelo acidente, no qual são acusados a Air France e a Airbus, fabricante da aeronave.

O último relatório do BEA, divulgado em julho do ano passado, apontava para um erro de pilotagem como possível causa do acidente, mas não descartava problemas mecânicos –como já havia indicado em outro relatório, divulgado em maio de 2011.

Segundo o documento, o copiloto mais jovem do Airbus A330, que assumiu o controle da aeronave enquanto o comandante efetuava seu repouso regulamentar, iniciou uma manobra equivocada depois que o piloto automático se desativou durante a passagem por uma zona de turbulência.

Os tubos Pitot (que medem a velocidade do avião) foram obstruídos por cristais de gelo na zona de turbulência, o que deixou a tripulação sem saber a real velocidade da aeronave e se o avião subiu ou descia –gerando, então, ações equivocadas e ativando sinais sonoros de alerta que indicavam a falta de sustentação da aeronave.

Uma vez de volta à cabine, poucos minutos após o desativamento do piloto automático, o comandante também não adotou as decisões adequadas, o que teria feito com que o avião perdesse paulatinamente altura até cair, de barriga, no Atlântico, a uma velocidade final de 200 km/h.

Nenhum dos pilotos, segundo o documento, identificou formalmente a situação de perda de sustentação. O alarme foi acionado de maneira contínua durante 54 segundos e parou de soar quando as indicações de velocidade se tornaram inválidas.

Em outro relatório, divulgado em maio de 2011, o BEA afirmou que o acidente ocorreu duas horas e meia depois da decolagem, e poucos minutos depois de o principal piloto começar o seu descanso. Segundo o órgão, o comandante foi descansar sem deixar "claras recomendações" aos dois copilotos que ficaram no controle.

O documento de maio mostrou que os pilotos levaram o Airbus para uma região de tempestades e a baixa temperatura acabou por congelar os sensores de velocidade, dificultando o trabalho da tripulação –que precisava manter o avião em uma velocidade precisa.

O relatório apontou ainda que os pilotos viram, por exemplo, duas velocidades diferentes nos controles durante menos de um minuto, sendo que uma delas indicava uma queda brutal de velocidade e a outra, não.

A aeronave caiu durante três minutos e trinta segundos antes de tocar a superfície do oceano. Em nenhum momento a tripulação avisou os passageiros sobre os problemas enfrentados na cabine.

Tensão entre pilotos

Em julho do ano passado, o relatório do BEA mostrou pela primeira vez a tensão na cabine nos últimos minutos da tragédia, por meio da transcrição das caixas-pretas. As conversas mostram que a tripulação mal teve tempo de entender o que estava acontecendo.

Os investigadores assinalaram que a tripulação não estava preparada tecnicamente para enfrentar uma situação desse tipo em grande altitude e que os pilotos não tinham recebido treinamento em caso de perda de sustentação do Airbus e falta de informações confiáveis de velocidade.

Depois da divulgação do terceiro relatório, a Air France defendeu o "profissionalismo" de seus tripulantes e questionou a "confiabilidade do alarme depois da perda de sustentação" do Airbus A330.

Indiciamentos e relatório judicial

A Justiça francesa, que também investiga o acidente para determinar as responsabilidades penais da tragédia, já indiciou a Airbus e a Air France por homicídio culposo.

O relatório judicial foi finalizado no último dia 30 de junho e será apresentado aos familiares no dia 10 de julho, cinco dias após a divulgação do relatório final do BEA.

A agência AFP adiantou, na quarta-feira (4), informações sobre o relatório judicial, repassadas por uma fonte. As conclusões apontam a perda de dados sobre o voo causadas principalmente pelo congelamento das sondas Pitot –considerado um procedimento inadequado–, mas aponta também a falta de resposta adequada da tripulação ao que ocorria com a aeronave e ainda a inexistência de um acompanhamento dos incidentes registrados desde 2004. 

As vítimas

As equipes de resgate retiraram 154 corpos do oceano –ao todo, 228 pessoas estavam no voo AF 447, sendo 58 brasileiros. Cinquenta corpos foram resgatados nas duas primeiras semanas após o acidente.

Após essa operação, foram quase dois anos até que se localizassem mais corpos e outros destroços da aeronave. Em todo o ano de 2011 foram resgatados 104 corpos ou restos mortais, totalizando 154 vítimas encontradas.

As autoridades francesas decidiram retirar os últimos corpos do avião após comprovar que eram identificáveis a partir de testes de DNA, apesar de estarem há quase dois anos em uma profundidade de cerca de 4.000 metros. Em novembro do ano passado, foi anunciada a identificação de 103 das 104 vítimas.

Já as caixas pretas foram localizadas entre abril e maio de 2011, entre os destroços do avião a uma profundidade de 3.900 metros. (Com agências internacionais)