Cidade natal de Chávez está dividida entre visão crítica e apaixonada
Na pequena cidade de Sabaneta, estado de Barinas, oeste venezuelano, onde nasceu Hugo Chávez, a população mistura uma adoração mistificada pela figura do presidente morto a uma visão de respeito mais realista entre seus amigos mais chegados. A "Agência Brasil" esteve na cidade cinco dias depois da morte de Chávez.
Na Praça Bolívar, no centro da cidade, admiradores colocam faixas, velas e flores ao lado das fotos no monumento central da praça. E ali ao lado está o Colégio Julian Pino, onde Chávez foi alfabetizado.
A cidade conserva o ar de misticismo que ronda o país após a morte de Chávez. Nas ruas, é comum escutar comentários como o de uma senhora, flagrada pela "Agência Brasil": "Aqui faz muito calor mas, desde o dia que ele morreu, o tempo está assim, fechado e feio".
O vendedor de doces diz que, na última visita de Chávez, durante a campanha eleitoral do ano passado (2012), ele parecia despedir-se. "Ele ficou aqui na praça, quieto, olhando para cima, para as árvores. Agora penso que ele sabia que era a última vez", conta.
Morto aos 58 anos, é possível encontrar muitas pessoas que o conheceram, como amigos de infância e de adolescência e professores. O treinador de beisebol Chicho Romero, 75 anos de idade, conta orgulhoso que levou Chávez para estudar na Academia Militar, aos 17 anos.
"Ele chegou falando que queria ser guerrilheiro, mas aí eu tirei essa ideia da cabeça dele", revela o treinador, que na época era casado com uma tia de Chávez.
De acordo com Chicho, como Chávez gostava de beisebol, o incentivou a matricular-se na Academia Militar para o ensino médio, onde poderia se aperfeiçoar no esporte, bastante praticado no país.
"Ele virou militar por causa do beisebol, mas logo viu que tinha talento e era muito inteligente para seguir a carreira de oficial", diz, orgulhoso.
Entre os amigos, alguns mantiveram a amizade, mas se distanciaram de Chávez politicamente. É o caso do comerciante José Torrez, 61 anos. Ele conversou com a Agência Brasil, mas antes da entrevista alertou, "aqui na praça, não. Porque o povo aqui vai pensar que estou falando mal dele".
E em sua casa, José Torrez guarda muitas lembranças. Ele conta que era um pouco mais velho que Chávez, mas brincava na rua com ele e jogava beisebol.
"O Hugo era muito inteligente e era o piadista da turma, sempre fazia gracinhas e contava histórias. Mas, ao mesmo tempo, ele era sério e responsável com estudos e tudo", detalha.
Torrez diz que Chávez nunca se esqueceu de Sabaneta. Após o quinto ano, ele se mudou com a família para Barinas, capital do estado, que leva o mesmo nome, a uma hora de viagem. E depois, durante o ensino médio e a universidade, o jovem oficial ia passar férias na cidade.
O comerciante disse que após a eleição de Chávez, em 1998, os dois se distanciaram. "Chávez vinha jantar aqui em casa e dizia, por que você não está mais comigo? Eu explicava que achava que não era bom para o país nacionalizar tudo e expropriar tantas terras. Por isso, discordamos. Mas eu o respeitava como pessoa", explicou.
Do mesmo modo, pensa o advogado Lucio Antônio Casanova, 59 anos, amigo de infância, que estudou com Chávez no ensino fundamental em Sabaneta e em Barinas. Ele disse que votava no presidente, mas não estava de acordo com algumas decisões tomadas por ele.
"Chávez radicalizou em alguns pontos de maneira desnecessária, ainda que tenha feito muito pelo povo", avalia. Companheiros de brincadeiras e tarefas escolares, Lucio lembra que chamava o presidente de Huguito. O pai de Chávez era professor no colégio onde estudavam e era bem rígido com ele.
"O professor era mais severo com Chávez, porque queria dar o bom exemplo. Mas Hugo nunca foi mau aluno. Ao contrário, ele só tinha boas notas e liderava a turma", relembra. Lucio disse que a família do presidente era realmente pobre e o garoto vendia doces feitos pela avó nas ruas de Sabaneta.
Na infância, Hugo Chávez morava com a avó, Mama Rosa, porque ela vivia sozinha. A mãe e o pai dele viviam perto, em uma rua próxima. No lugar onde o presidente viveu, agora funciona uma creche pública, construída em homenagem à avó materna.
Na cidade, a Agência Brasil encontrou a professora de quarto ano do presidente, Egilda Crespo, 68 anos. Aposentada, ela vive em Barinas. Era dela que Chávez falava no programa Alô, Presidente (programa dominical de rádio e TV), mencionando seus olhos azuis esverdeados.
Egilda conta que deu aula para ele somente por três meses, como substituta. "Era minha primeira turma e eu só tinha 18 anos, por isso a turma de 11 e 12 anos pensava que eu era uma colega e não uma professora", relembra.
Segundo a professora, Chávez era muito observador e quieto em sala de aula e que também era um ótimo desenhista. "Eu não imaginava que ele estava colhendo informações para se tornar o líder que se tornou", observa.
A professora disse que durante a tentativa de golpe de 4 de fevereiro de 1992, arquitetada por Chávez, ela o reconheceu como seu aluno. Anos depois, eles se reencontraram e construíram uma amizade.
Para Egilda, Chávez era um homem muito simples, difícil de ser definido. "Ele realmente amava o povo e tinha o defeito de ser centralizador, de cuidar de coisas triviais, como saber se o hospital estava arrumado, ou se os buracos haviam sido tapados na rua", comenta.
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