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Governo argentino quer colonizar imprensa com lei antimonopólio, diz Clarín

Argentinos se concentram em frente ao Congresso do Argentina, em Buenos Aires, durante protesto a favor da Lei de Meios - AFP
Argentinos se concentram em frente ao Congresso do Argentina, em Buenos Aires, durante protesto a favor da Lei de Meios Imagem: AFP

Do UOL, em São Paulo

30/10/2013 00h28

O grupo argentino de comunicação Clarín acusa o governo de buscar promover uma "enorme colonização oficial da imprensa" após decisão desta terça-feira (29) da Suprema Corte de Justiça da Argentina, que declarou constitucional uma cláusula anti-monopólio da Lei de Meios. Na prática, a medida, encabeçada pela presidente Cristina Kirchner, obriga o conglomerado a se desfazer de parte de suas rádios e TVs por assinatura.

Em comunicado, o grupo  "lamenta o conteúdo de uma decisão que não considera o valor da independência jornalística como orçamento para a liberdade de expressão" e "condiciona seriamente a possibilidade real de exercer a crítica ao poder político, suposto indispensável da democracia".

O Clarín disse que analisa apelar a tribunais internacionais, mas "respeita as decisões judiciais".

O conglomerado, que tem como maior acionista Ernestina Herrera de Noble, viúva de seu fundador Roberto Noble, possui 41% do mercado de rádios, 38% do de televisão aberta, 59% do de televisão a cabo, quando o máximo permitido para todos os casos é de 35%, segundo dados da Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), que regula o setor.

De acordo com o grupo, atualmente "80% dos meios audiovisuais [do país] respondem direta ou indiretamente ao governo".

Críticos da lei acusam o governo centro-esquerdista de Cristina de estar tentando calar dissidentes. Apoiadores dizem que o objetivo da medida é justamente o contrário, ao diversificar os meios de comunicação.

Milhares de argentinos se concentraram em frente ao Congresso na noite desta terça em apoio à lei.

Suprema Corte declara Constitucional Lei de Meios

Por maioria, a Suprema Corte argentina se pronunciou nesta terça a favor da constitucionalidade de todos os artigos da Lei de Meios, incluídos os quatro questionados por Clarín, que regulam as transferências de licenças e os prazos de aplicação da norma.

Os magistrados consideraram que a lei é coerente "com a liberdade de expressão e o direito dos consumidores à informação".

"É constitucional o artigo 41 (da lei audiovisual) ao sujeitar a transferência de concessões estatais e estabelecer limitações à venda", destaca o Supremo na decisão sobre a disputa entre o governo e o grupo.

Além disso, indicaram que o grupo Clarín não pôde demonstrar "que o regime de licenças que a lei estabelece ponha em risco sua sustentabilidade econômica", mas opinaram que devem ser protegidos os direitos de propriedade dos licenciados por meio de uma indenização.

Na decisão, de 392 páginas, a Suprema Corte advertiu ao governo que devem existir "políticas transparentes" nos subsídios e na publicidade oficial e destacou que os meios de comunicação públicos "não devem ser meros instrumentos de apoio a uma política de governo".

A Suprema Corte adotou sua decisão depois de inúmeros pronunciamentos a favor e contra a lei em várias instâncias judiciais inferiores.

Não haverá desapropriação ou intervenção, diz órgão regulador

"Após 4 anos de dilações judiciais, o 'gigante toma-tudo' Clarín deve cumprir com a lei que garante a liberdade de expressão e enfrenta o monopólio", disse o presidente do órgão regulador audiovisual, Martín Sabbatella

O funcionário esclareceu que "de nenhuma maneira haverá desapropriação ou intervenção de qualquer veículo".

Sabbatella destacou que o Clarín "tem o direito de recorrer a qualquer tribunal, mas no momento precisa cumprir a lei, já que se esgotaram as instâncias judiciais" na Argentina. "O Supremo reconhece em sua decisão que a lei visa à democratização das vozes", disse.

Sobre o tempo do processo de entrega das concessões de rádio e TV, que não afetam apenas o Clarín, Sabbatella afirmou que "primeiro será notificada a empresa, antes da avaliação dos bens, da licitação, do leilão e da efetiva posse do novo titular".

"Há prazos para cada passo, mas não há um prazo concreto para todo o processo de adequação à lei", destacou Sabbatella, presidente da Afsca.

Já especialistas ouvidos por uma emissora do Clarin interpretam que a aplicação da lei será "imediata", de acordo com a BBC.

Governo comemora decisão

O governo comemorou a sentença, que se tornou pública apenas dois dias depois das eleições legislativas que propiciaram um duro castigo nas urnas para o governista Frente para a Vitória.

Kirchner, que está em repouso absoluto depois de ter sido submetida a uma cirurgia no dia 8 de outubro para a drenagem de um hematoma na cabeça, mantém uma longa disputa com o Clarín, um feroz crítico de seu governo.

"É um avanço gigantesco de nossa democracia", disse a ministra do Desenvolvimento Social, Alicia Kirchner, cunhada da mandatária, na primeira reação do governo. (Com AFP, Efe e Reuters)