"Orelhão humano" vira profissão e tem até sindicato na Colômbia
Na Colômbia é assim: o celular próprio só recebe ligação. Para fazer chamadas locais ou de longa distância, é mais barato usar os serviços dos “minuteros”, homens e mulheres que ganham a vida em praças públicas vendendo minutos de seus vários celulares, que levam a tiracolo.
Com o preço do minuto da ligação estampado nos coletes coloridos e nas placas penduradas no pescoço, esses “orelhões humanos” surgiram graças à concorrência entre operadoras e aos descontos dados para telefones registrados em nome de pessoas jurídicas. Para empreender, muito desempregado abriu empresa e comprou aparelhos e chips. Logo, colocou familiares e funcionários de plantão todas as horas do dia nas ruas movimentadas de todo país.
Para evitar os roubos, muitos acorrentam os celulares a um guarda-sol ou a própria roupa. As coleiras metálicas permitem que o usuário se distancie para ter privacidade na sua comunicação, sem levar o aparelho. “Já roubaram celular meu. Imagina dez pessoas cada uma indo para um lado, e eu ainda tendo de cobrar e dar troco. Às vezes, escapa um”, conta Elaine Fernandez, “minutera” que herdou da mãe o ponto no centro de Leticia, cidade vizinha ao Brasil.
A função informal cresceu tanto que formou até sindicatos em cada cidade para defender a atividade. Afinal, o governo quis acabar com o nicho proibindo-o na nova lei de telecomunicações. Um dos argumentos mais fortes para a repressão era que os “minuteros” eram usados em casos de sequestro e extorsão por criminosos que não queriam deixar rastro.
Os celulares eram apreendidos, e os trabalhadores eram detidos e processados. Mas a pressão dos “orelhões humanos” foi tal que surgiu o “plano minutero”, com tarifas menores que os pessoais e os corporativos, disponibilizados pelas operadoras.
Muitos desses trabalhadores são refugiados de áreas de conflito entre a guerrilha, o Exército, os grupos paramilitares e os cartéis do narcotráfico. Eles encontraram nos celulares uma fonte de renda depois do abandono de suas zonas de origem.
Outros fazem o bico atrás de sonhos pessoais. No centro de Leticia, John Uriza consegue lucrar nos dias movimentados por volta de R$ 90 com seus sete celulares numerados com tinta branca. Quando cai aquela tempestade amazônica, ele se abriga embaixo de um toldo de loja. Ele trabalha de segunda a sábado, do meio-dia até às 20h. “Quero estudar veterinária e preciso economizar dinheiro”, conta sobre seus planos.
Nos “homem-celular”, o usuário paga menos que a metade pelas chamadas. Por seu lado, o “minutero” lucra mais porque quanto mais chamadas por mês mais baratas ficam. A Colômbia tem 47 milhões de habitantes e um número um pouco maior de celulares. Muitos dos clientes dos “orelhões humanos” têm dois ou até três aparelhos no bolso, mas preferem o serviço mais barato. Fazer ligação é só para quem quer esbanjar.
A pergunta é se os “orelhões humanos” vão sobreviver à popularização dos smartphones e seus aplicativos de mensagem e voz, como o Whatsapp, ou se os desempregados colombianos terão de achar outro nicho para aplacar a pobreza.
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