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Com campanha 'faça sexo pelo país' e subsídios, Dinamarca apela por filhos

Júlia Mandil

Em Aarhus (Dinamarca)

14/07/2015 06h00

Governos e empresas se mobilizam para elevar natalidade; “façam sexo em prol do país", dizem campanhas

Qualidade de vida, bons serviços públicos e suporte financeiro do governo fazem da Dinamarca um dos lugares ideais para se constituir uma família. A surpresa é descobrir que o país está em campanha para que os dinamarqueses procriem: a preocupação é justamente a falta de filhos. A estratégia adotada por iniciativas públicas e privadas tem sido recompensar casais em troca de mais crianças.

Em 2014, a agência de viagem Spies convocou dinamarqueses a fazerem sexo "em prol do país", distribuindo prêmios aos casais que comprovassem ter engravidado durante as férias. No mesmo ano, um acordo no município de Thisted, ao norte da península de Jutland, virou notícia quando os governantes prometeram manter serviços públicos funcionando se cidadãos se comprometessem a ter mais filhos. A pequena cidade, de 13 mil habitantes, tem a menor taxa de fertilidade do país: 1,6 filhos por mulher.

As campanhas são o melhor retrato do paradoxo que vive a Dinamarca: um dos melhores lugares do mundo para cidadãos se tornarem pais sofre justamente com a queda na taxa de fertilidade. Em 2015, um índice divulgado pela organização Save the Children classificou a Dinamarca como o quarto melhor país no mundo para mulheres se tornarem mães. Apesar das condições favoráveis, dados do departamento de estatísticas do país mostram que o número de habitantes que chega aos 50 anos sem ter filhos aumentou ao longo dos anos. Em 2014, uma em cada sete mulheres chegou à meia idade sem ter se tornado mãe, enquanto um em cada cinco homens se encontrava na mesma situação.

Atualmente, o número de nascimentos na Dinamarca é de 1,7 filhos por mulher --ligeiramente acima da média europeia, de 1,6. Mesmo na Noruega, considerado melhor país do mundo para ter filhos, a taxa de fertillidade é apenas ligeiramente maior do que na Dinamarca, de 1,9 filhos por mulher. As perspectivas de crescimento da população, no entanto, colocam a Dinamarca em uma situação desfavorável em relação aos vizinhos nórdicos: está entre as menores, superando apenas a Groenlândia.

Em toda a Europa, o envelhecimento e a redução da população economicamente ativa são motivos de debate no presente, especialmente em uma época pós-crise, quando as pessoas dependem em grande parte da ajuda do governo. A Alemanha, que recentemente passou o Japão e ostenta a menor taxa do mundo, de 1,4 filhos por mulher, adota políticas governamentais de estímulo à natalidade desde 2008. Segundo estudo do Instituto ZEW, a taxa de fertilidade seria ainda menor sem os incentivos, que incluem subsídios financeiros aos pais para cada criança nascida.

A preocupação com a baixa fertilidade ganhou força na Dinamarca quando o nível foi considerado "quase epidêmico" por um relatório divulgado em 2013 pelo Ringhospitalet, em Copenhague. A raiz da preocupação é econômica: o menor número de filhos nos dias atuais pode representar problemas no futuro, resultando na diminuição da força de trabalho e em uma parcela maior de aposentados dependendo ainda mais dos serviços públicos. "Nós teremos que incentivar dinamarqueses a trabalhar por mais tempo, pagar mais impostos ou cortar o serviço de bem estar social, ou transferir renda para pessoas fora da força de trabalho", explica o economista e professor da Universidade de Aarhus, Bo Rasmussen.

Mais tarde, mais difícil

Um fator que preocupa autoridades é o momento escolhido para ter filhos. Hoje, a idade média em que as dinamarquesas se tornam mães pela primeira vez é 29 anos, cinco anos a mais que a média registrada em 1970. Os dados chamam atenção de especialistas em fertilidade, que alertam para uma maior dificuldade em engravidar à medida que as mulheres ficam mais velhas. "Uma em cada dez mulheres na Dinamarca não têm filhos, ou têm menos filhos do que o desejado", afirma Elisabeth Carlsen, presidente da Associação Dinamarquesa de Fertilidade. Segundo ela, um dos fatores que contribuem para este quadro "é, sem dúvidas, o momento de constituir uma família, que é adiado por diversos motivos".

A preocupação com esta tendência levou a uma mudança no currículo das aulas de educação sexual em escolas do ensino primário e secundário. Desde 2014, a Associação de Planejamento Familiar, uma organização não-governamental que desenvolve ações em todo o país, mudou o foco do material para ser distribuído nas escolas: ao invés de prevenção, a estratégia é reforçar a conscientização sobre a melhor idade para engravidar. "Queremos estimular o debate público e informar pessoas sobre como elas podem estar melhor equipadas para ter filhos quando quiserem", afirma Bjarne Christensen, secretário-geral da organização.

Christensen acredita que a mudança no quadro atual passa por um debate público sobre o melhor momento para se ter filhos. "Nos anos 60 e 70 todos diziam que é preciso ter educação, um bom emprego e uma casa antes de ter filhos", afirma. "Talvez seja uma boa ideia começar uma família antes."

Se, por um lado, o debate nas escolas pode levar a uma mudança nessa mentalidade, entre jovens universitários ainda há uma forte percepção de que filhos e estudos não são compatíveis. "Dentre meus amigos da faculdade, muitos esperam pelo menos até terminar a graduação ou mestrado para serem pais", afirma Sara Hark, 25, estudante de arqueologia na Universidade de Aarhus. Ela faz parte do grupo que não pretende ter filhos por enquanto. "Muitos jovens de 20 e poucos anos querem viajar, ter novas experiências antes de se estabelecer", explica. Por trás do adiamento, Sara acredita que há uma razão cultural. "É uma questão de ser autossuficiente, de estar satisfeito com o que fez da vida antes de cuidar de uma outra pessoa."

Na contramão

Ditte Sofie - Júlia Mandil/Eder Content/UOL - Júlia Mandil/Eder Content/UOL
Ditte Sofie Munk, 27, grávida
Imagem: Júlia Mandil/Eder Content/UOL
Para algumas pessoas, no entanto, a satisfação vem justamente da possibilidade de ter filhos. Grávida de cinco meses, Ditte Sofie Munk, 27, celebra o fato de ser mãe antes dos 30. "Foi algo planejado", afirma, dizendo que o desejo de ser mãe ainda jovem vem da experiência com os próprios pais. "Sempre gostei do fato de eles serem jovens. Eles sempre tiveram muita energia, e agora que eu vou ter meus filhos, eles ainda vão ser avós por muitos anos." Para a jovem dinamarquesa, o momento em que mulheres decidem se tornar mães depende da área de estudos. "Muitas pessoas querem ter uma carreira antes de ter filhos", reconhece. Entre as amigas de Ditte, nenhuma daquelas que trabalham em áreas competitivas, como medicina, tiveram filhos.

De fato, aliar carreira e maternidade é ainda um desafio. Dados da Sociedade de Mulheres da Dinamarca mostram que o mercado de trabalho é desfavorável às mulheres: elas ganham em média 16% a menos do que os homens. Além disso, mulheres com filhos recebem em média 5% a menos do que aquelas que não são mães.

Outra questão que pesa na decisão de dedicar-se ao trabalho antes de ter filhos é o tempo de ausência no trabalho. Na Dinamarca, os casais podem decidir de que forma partilhar a licença-maternidade, mas o benefício é um dos menores da região. Entre os países nórdicos, o período que cada homem pode usufruir para cuidar dos filhos varia de acordo com as legislações nacionais. Os dinamarqueses utilizam menos tempo de licença-paternidade do que os vizinhos, cerca de 10%, enquanto na Noruega e Suécia  os pais usam 21,2% e  25,1% do período do benefício, respectivamente.