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Opinião: Líderes árabes têm tanta aversão ao Hamas que apoiam Israel

David D. Kirkpatrick

No Cairo (Egito)

01/08/2014 06h00

Combatendo os militantes palestinos em Gaza há dois anos, Israel se viu pressionado por todos os lados por vizinhos árabes inamistosos para por um fim ao combate.
 
Não desta vez.
 
Após a derrubada militar do governo islamita no Cairo, no ano passado, o Egito tem liderado uma nova coalizão de países árabes –incluindo a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a Jordânia –que na prática estão ao lado de Israel em sua luta contra o Hamas, o movimento islâmico que controla a faixa de Gaza. Isso, por sua vez, pode ter contribuído para o fracasso dos antagonistas em chegarem a um cessar-fogo negociado, mesmo após três semanas de derramamento de sangue.

 "A aversão e medo do Islã político pelos Estados árabes é tão forte que supera a alergia deles a Benjamin Netanyahu", o primeiro-ministro de Israel, disse Aaron David Miller, um acadêmico do Centro Wilson, em Washington, e um ex-negociador para o Oriente Médio sob vários presidentes. "Eu nunca vi uma situação como essa, onde há tantos países árabes aceitando a morte e destruição em Gaza e o espancamento do Hamas. O silêncio é ensurdecedor."
 
Apesar de o Egito ser tradicionalmente o mediador chave em qualquer negociação com o Hamas –considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos e Israel– o governo no Cairo desta vez surpreendeu o Hamas ao propor publicamente um acordo de cessar-fogo que atendia a maioria das exigências de Israel e nenhuma do grupo palestino. O Hamas foi acusado de intransigente quando o rejeitou imediatamente, e o Cairo continua insistindo que sua proposta permanece o ponto de partida para qualquer discussão adicional.
 
Mas enquanto comentaristas solidários com os palestinos atacaram a proposta como sendo uma farsa para embaraçar o Hamas, os aliados árabes do Egito o elogiaram. O rei Abdullah da Arábia Saudita ligou no dia seguinte ao presidente do Egito, Abdel-Fattah el-Sissi, para parabenizá-lo, disse o gabinete de Sissi, em uma declaração que não atribuiu culpa a Israel, mas comentou apenas o "derramamento de sangue de civis inocentes, que estão pagando o preço por um confronto militar pelo qual não são responsáveis".
 
"Há claramente uma convergência de interesses desses vários regimes com Israel", disse Khaled Elgindy, um ex-conselheiro dos negociadores palestinos, que agora é membro da Instituição Brookings, em Washington. Na batalha com o Hamas, disse Elgindy, a luta egípcia contra as forças do Islã político e a luta israelense contra os militantes palestinos são quase idênticas. "De quem é esta guerra por procuração?" ele perguntou.
 
A dinâmica inverteu todas as expectativas dos levantes da Primavera Árabe. Até 18 meses atrás, a maioria dos analistas em Israel, Washington e nos territórios palestinos esperava que os levantes populares fariam os governos árabes responderem mais aos seus cidadãos e, portanto, mais solidários com os palestinos e mais hostis com Israel.

Mas em vez de se tornar mais isolado, o governo de Israel despontou por ora como um beneficiário inesperado do tumulto que se seguiu, agora apoiado tacitamente pelos líderes da ordem conservadora ressurgente como aliado na luta comum deles contra o Islã político.
 
As autoridades egípcias culparam direta ou implicitamente o Hamas, em vez de Israel, pelas mortes de palestinos no combate mesmo quando, por exemplo, escolas da ONU foram atingidas por artilharia israelense, algo que ocorreu de novo na quarta-feira.
 
E a imprensa egípcia pró-governo continua atacando o Hamas como ferramenta de uma trama islamita regional para desestabilizar o Egito e a região, como tem feito desde a derrubada militar do presidente Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, há um ano. (Promotores egípcios acusaram o Hamas de instigar a violência no Egito, matando seus soldados e policiais, e até mesmo de libertarem Morsi e outros líderes da Irmandade da cadeia durante o levante de 2011.)
 
Ao mesmo tempo, o Egito enfureceu os moradores de Gaza ao manter sua política de fechamento dos túneis para contrabando pela fronteira para a Faixa de Gaza e por manter as travessias de fronteira fechadas, exacerbando a escassez de comida, água e suprimentos médicos após três semanas de combate.
 
"Sissi é pior do que Netanyahu, e os egípcios estão conspirando contra nós mais do que os judeus", disse Salhan al-Hirish, um lojista na cidade de Beit Lahiya, no norte de Gaza. "Eles eliminaram a Irmandade no Egito e agora estão atrás do Hamas."
 

Entenda o conflito entre israelenses e palestinos

Para os falcões israelenses, a mudança nos Estados árabes tem sido relativamente libertadora. "A leitura aqui é que, fora o Hamas e o Qatar, a maioria dos governos árabes está indiferente ou disposta a seguir a liderança do Egito", disse Martin Kramer, presidente do Shalem College, em Jerusalém, e um acadêmico americano-israelense de políticas islamitas e árabes. "Ninguém no mundo árabe está procurando os americanos e pedindo, 'parem com isso agora'", como fez a Arábia Saudita, por exemplo, em resposta a repressões israelenses anteriores aos palestinos, ele disse. "Isso dá liberdade de ação aos israelenses."
 
As autoridades egípcias contestaram a caracterização, argumentando que o novo governo está mantendo seu apoio ao povo palestino, apesar da deterioração das relações com o Hamas, e que se tornou mais próximo de Israel do que sob Morsi ou Mubarak. "Nós temos uma responsabilidade histórica em relação aos palestinos e isso não está relacionado à nossa posição sobre qualquer facção específica", disse um importante diplomata egípcio, falando sob a condição de anonimato por causa da sensibilidade das negociações. "O Hamas não é Gaza e Gaza não é a Palestina."