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Com nome em lista 'vermelha' no Irã, poeta gay busca asilo em Israel

Payam Feili, poeta e escritor iraniano, em Tel Aviv (Israel), onde busca asilo - Uriel Sinai/The New York Times
Payam Feili, poeta e escritor iraniano, em Tel Aviv (Israel), onde busca asilo Imagem: Uriel Sinai/The New York Times

Isabel Kershner

Em Jerusalém (Israel)

04/03/2016 06h00

Em seu país de origem, o Irã, os líderes desejam abertamente que Israel seja varrido do mapa. Mas Payam Feili, poeta e romancista, desenvolveu o que chamou de "relacionamento especial" com o lugar, o imaginando em suas histórias, que são repletas de temas gays e símbolos judaicos.

Agora, Feili, que tem 30 anos e é assumidamente gay, está vivendo em Tel Aviv enquanto busca asilo em Israel. Ele tem a Estrela de Davi tatuada em seu pescoço.

"Quanto mais ganhava reputação fora do Irã, mais difícil era para mim viver no Irã", disse Feili sobre a república islâmica, onde gays são executados. "Muito antes de deixar o Irã, eu achava que o único lugar no mundo onde eu poderia viver era Israel", ele acrescentou.

O caminho dele, com certeza, é incomum. O Irã não permite que seus cidadãos visitem Israel, ao qual condena como sendo o "Pequeno Satã". Israel não permite que seus cidadãos viagem ao Irã, cujo programa nuclear os líderes israelenses consideram uma potencial ameaça existencial ao Estado judeu. Os dois já mantiveram laços estreitos, mas isso terminou com a revolução islâmica no Irã em 1979, antes do nascimento de Feili.

Falando em uma entrevista a jornalistas nesta semana, em Jerusalém, Feili narrou como veio de lá para cá.

Nos últimos anos, ele não pôde publicar nada no Irã, e até mesmo seus amigos hesitavam em contatá-lo. Ele disse que, quando começou a trabalhar com um israelense que estava traduzindo seu mais recente romance para o hebraico, pessoas leais ao governo escreveram artigos o acusando de imoralidade e de colaboração com o inimigo.

Ele fugiu para a Turquia em 2014, após ser colocado em uma lista vermelha e de ter sido detido várias vezes. Israel lhe concedeu entrada com um visto temporário de artista visitante, há cerca de três meses.

"O regime me pressionou para deixar o país", disse Feili, falando em persa por meio de um tradutor. "Eu fiquei com medo", ele afirmou. "As pessoas me alertavam que os artigos poderiam ser um prenúncio de coisas piores por vir."

Uma figura delgada e delicada usando um anel com uma grande pedra turquesa, unhas pintadas de azul e calças jeans apertadas e rasgadas, Feili cresceu em uma família muçulmana em Karaj, a quarta maior cidade do Irã, com cerca de 2 milhões de habitantes.

Uma edição censurada do primeiro livro de poesias de Feili foi publicada no Irã quando ele tinha 19 anos. Aproximadamente metade de sua dúzia de obras subsequentes foi publicada no exterior, a maioria em persa.

Seu novo ambiente é a cidade mediterrânea agitada e tolerante de Tel Aviv, um destino favorito dos gays.

Ele mora na rua Lilienblum, que é margeada por bares descolados, e foi acolhido pela comunidade gay da cidade. Ele não procurou judeus israelenses de ascendência iraniana.

Seu fascínio por Israel começou desde cedo, ele disse, após assistir a filmes sobre o Holocausto. Ele então começou a ler a Torá, por seu valor cultural e literário. Segundo ele, Israel é hoje "exatamente o que eu esperava, até mesmo melhor e mais bonito". Mas, ele disse, "não tenho nenhuma conexão especial com o judaísmo e nem quero uma, nem com qualquer outra religião".

O Projeto Israel, um grupo de defesa pró-Israel, organizou a entrevista desta semana com Feiji, promovendo sua história como um exemplo da abertura de Israel, em contraste com seus vizinhos no Oriente Médio.

Israel às vezes é acusado de "pinkwashing", ou de retratar a si mesmo como um centro progressista de tolerância, particularmente em relação aos gays, para desviar a atenção das políticas do governo em relação aos palestinos. No encontro anual do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, com a mídia de notícias internacional neste ano, houve até mesmo a apresentação da cantora pop transgênero israelense Dana International, que apelou aos repórteres para pegarem leve com Israel.

Feili disse estar ciente de que nem todos os israelenses são tão tolerantes e que uma garota judia de 16 anos, Shira Banki, foi morta a facadas na parada gay em Jerusalém no ano passado. Mas ele notou que muitos países do mundo estão lidando no momento com o extremismo.

Sua jornada para Israel começou depois que Ido Dagan, escritor e diretor israelense, o entrevistou para o NRG, um site de notícias israelense. Dagan estava dirigindo um espetáculo chamado "Three Reasons" (Três razões, em tradução livre), que descreveu como "uma espécie de cabaré" baseado em parte na obra de Feili. Dagan perguntou a Feili se gostaria de visitar Israel e decidiu tentar trazê-lo para a estreia, no Teatro Tzavta, em Tel Aviv.

Os apoiadores de Feili procuraram Miri Regev, ministra da Cultura israelense, que enviou uma recomendação ao ministro do Interior. Mesmo assim, Dagan disse que foram precisos meses de lobby para que Feili conseguisse um visto de visitante de curto prazo.

Feili, que fez uma tatuagem da Estrela de Davi enquanto estava na Turquia, disse que também foi convidado para ir aos Estados Unidos, mas optou por Israel. Ele disse que não se encontrou com qualquer autoridade israelense desde sua chegada.

Hagai Kalai, advogado de Tel Aviv que está representando Feili, disse que ele não está recebendo nenhum tratamento especial enquanto o pedido de asilo tramita pelos canais normais.

Israel, que agora conta com uma população de dezenas de milhares de imigrantes da África, é conhecido por ser rígido nos pedidos de asilo, visando impedir um afluxo maior. As autoridades não podem deportar Feili enquanto o comitê não decidir a respeito da concessão do status de refugiado, mas o processo leva tempo.

"Enquanto isso", disse Kalai, "ele não tem licença para trabalho nem seguro-saúde, de modo que é um tanto problemático".

Feili reluta em falar em detalhes sobre suas experiências com as autoridades iranianas, apesar de ter dito que foi demitido de seu emprego como editor em uma editora depois que seu livro mais recente foi publicado na Alemanha. Kalai disse ter entendido que Feili foi detido três vezes pelas forças do governo e que foi "humilhado, talvez até mesmo torturado".

Um artigo publicado pelo "Daily Beast" em 2014 descreveu Feili como tendo saído recentemente de seu terceiro e mais longo período sob detenção, dizendo que ele foi mantido em um contêiner de carga por 44 dias.

Feili disse que mantêm contato quase diário com sua família no Irã via Skype.

Ele notou que o governo iraniano não reconhece a homossexualidade nem refere-se a ela por nome, a descrevendo como um "desvio", da mesma forma como se recusa a reconhecer ou mencionar Israel pelo nome. Muitas pessoas acharam que ele foi tolo em ser tão aberto a respeito de sua sexualidade no Irã, ele disse, mas ele queria inspirar outros.

"Acredito ser ainda mais perigoso quando as pessoas vivem escondidas, atrás de falsas identidades", ele disse. "Com o tempo, você começa a mentir para si mesmo e se torna isolado em sua solidão."