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Do Irã à Síria, passando pela Rússia, política externa de Trump sofre primeiros testes

Trump e o premiê japonês, Shinzo Abe, o primeiro chefe de Estado com quem se encontrou - AFP Photo
Trump e o premiê japonês, Shinzo Abe, o primeiro chefe de Estado com quem se encontrou Imagem: AFP Photo

David E. Sanger

Em Washington (EUA)

18/11/2016 16h25

Espreitando por trás do turbilhão e da disputa por vantagem no esforço do presidente-eleito, Donald Trump, para montar uma equipe de segurança nacional está a questão mais fundamental de como ele abordará os desafios imediatos e complexos que herdará ao assumir o cargo.

Trump nunca articulou uma visão detalhada de política externa além do vago slogan "a América primeiro" [NT: os norte-americanos costumam se referir aos EUA como "América"]. O elenco diversificado e mutável de potenciais nomeados em consideração para altos cargos no governo só salientou as profundas diferenças entre os conservadores sobre como o novo governo deve enfrentar as ameaças em rápida evolução que envolvem Irã, Coreia do Norte, Síria e Rússia, entre outros, e como deve gerir as relações com aliados na Europa e na Ásia.

"Eu sou 'América primeiro'", disse Trump em uma entrevista em março a "The New York Times", explicando pela primeira vez o que a frase significa para ele. "Fomos desrespeitados, zombados e despojados durante muitos e muitos anos por pessoas que eram mais inteligentes, mais matreiras e mais duras."

Agora, desde seus compromissos pessoais à sua primeira reunião importante com um líder estrangeiro --aconteceu na quinta-feira (17) em Nova York, com o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe--, Trump enfrenta uma série de decisões que começarão a revelar sua abordagem do mundo e dar algumas pistas sobre como ele poderá reagir às crises que enfrentará como comandante-em-chefe.

"América primeiro" significa que ele usará o poder militar e cibernético dos EUA de forma preventiva, para eliminar ameaças que surjam, desde Estados vilões nucleares a grupos terroristas, antes que possam prejudicar os EUA? Ou significa que ele chamará de volta as tropas americanas mobilizadas no exterior, agrupando-as em uma força defensiva retaliatória que entrará em ação se o país for atacado?

Em certos momentos durante a campanha ele sugeriu as duas abordagens. Disse que "pegaria o petróleo" das áreas do Iraque controladas pelo Estado Islâmico e criticou o presidente Barack Obama por retirar as tropas cedo demais. Mas Trump também é o homem que rejeitou a "construção de nações" e perguntou: "Por que são os EUA que sempre estão no meio das coisas?" E acrescentou: "Em algum ponto não podemos ser o policial do mundo".

Ninguém sabe que reação esperar de Trump, um homem que disse que se orgulha de seguir seus instintos e tem pouca paciência com o legalismo de seu antecessor. Mas embora os presidentes mudem os desafios não mudam: aqui estão alguns lugares e temas em que a "América primeiro" começará a ganhar forma:

Trump designa Jeff Sessions como secretário da Justiça

AFP

O acordo com o Irã

Trump chamou o acordo feito com o Irã em julho de 2015, destinado a restringir a construção de armas nucleares pelo país, de "um dos mais incompetentes acordos de qualquer tipo que já vi", e prometeu consertá-lo.

Como o acordo com o Irã é um acordo executivo, e não um tratado, o novo presidente tem grande latitude para o modificar ou cancelar. Mas o jogo tem dois lados: os iranianos também estão profundamente descontentes com o acordo, afirmando que não receberam o alívio das sanções que lhes prometeram. Qualquer esforço para reabrir a negociação também dará aos mulás, oficiais militares e conservadores do Irã uma possibilidade de modificar o pacto --ou ameaçar retomar sua corrida pela capacidade nuclear.

Para Trump, o acordo com o Irã não apenas foi mal conduzido, como também muito mal negociado. "Eles deveriam ter desistido", disse ele sobre o secretário de Estado John Kerry e sua equipe de negociação. Trump disse que teria deixado a sala de negociação, redobrado as sanções e jamais concordaria em devolver bilhões de dólares pertencentes ao Irã que estavam congelados em instituições financeiras dos EUA.

Quando pressionado, porém, ele teve dificuldade para citar uma parte do acordo que o faria abandonar as negociações para modificá-la. Com um pouco de ajuda, finalmente ele concordou com uma crítica comum: que depois de 15 anos o Irã estará novamente livre para enriquecer urânio e reprocessar plutônio, em qualquer quantidade.

Nos termos do "América primeiro", a decisão de Trump sobre o que fazer com o acordo do Irã será um primeiro teste de sua disponibilidade a agir unilateralmente. Os países que se uniram aos EUA nas negociações --Reino Unido, França, Rússia e China-- não apenas apoiam o acordo, como estão correndo para tirar vantagem econômica dele, formando laços comerciais com o Irã. Se Trump quisesse abandonar o acordo ou impor mais sanções, eles quase certamente se recusariam a acompanhá-lo.

Coreia do Norte nuclear

É difícil dizer o que pareceu mais confrontante nos últimos anos sobre a Coreia do Norte: o governo Obama, que advertiu habitualmente sobre uma "reação devastadora" a qualquer utilização pela Coreia do Norte de seu crescente arsenal nuclear, ou os republicanos, que passaram grande parte da era Bush tramando maneiras de fazer o regime do país desmoronar.

Mas se há um teste inicial da reação de Trump a provocações, é provavelmente a Coreia do Norte. O país acelerou seus testes nucleares e seu arsenal está aumentando: ele poderá ter de 20 a 50 armas durante o mandato de Trump.

Em seus relatórios de segurança, Trump estará ouvindo as últimas estimativas de quanto tempo a Coreia levará para construir um míssil balístico intercontinental confiável, capaz de alcançar os EUA --o número público é cerca de cinco anos, mas algumas autoridades de inteligência acreditam que possa acontecer muito antes.

Trump em diversas ocasiões descreveu o jovem líder norte-coreano, Kim Jong-un, como "um maníaco", mesmo enquanto expressava a contragosto admiração pela dureza de Kim.

Então a primeira opção do "América primeiro" será esta: Trump deve confrontar o país com sanções plenas, mais defesas antimísseis e talvez um bloqueio naval para conter todo o comércio que não passe pela fronteira com a China? Talvez seja isso que Trump quis dizer com "devemos usar nosso poder econômico para desarmá-los".

O enigma da Síria

Trump deixou claro, antes e depois da eleição, que estava decidido a reverter a política americana na Síria, e talvez em outros lugares no Oriente Médio. No centro de sua abordagem "América primeiro" há um argumento de que o único interesse do país na região é combater o Estado Islâmico, posição vigorosamente endossada por Rudolph Giuliani, o ex-prefeito de Nova York que é considerado um dos principais candidatos ao cargo de secretário de Estado.

Para reforçar isso, Trump afirmou novamente na semana passada que os EUA deveriam se aliar à Rússia e ao governo sírio do presidente Bashar al Assad, cinco anos depois que o presidente Barack Obama declarou que Assad deve deixar o cargo. Assad disse estar cautelosamente otimista de que Trump seja um "aliado natural" no combate ao terrorismo.

Se Trump mantiver suas posições de campanha, significaria essencialmente alinhar os EUA a um homem hoje considerado responsável pela morte de mais de 470 mil de seus próprios cidadãos. "Não estou dizendo que Assad é um bom homem, porque ele não é", disse Trump em março. "Mas nosso problema muito maior não é Assad, é o EI."

Como Trump mudará de rumo sobre a Síria --e especialmente sobre Assad-- será observado de perto por outros autoritários ao redor do mundo. O principal deles é o presidente do Egito, Abdel Fattah El Sisi, outro homem-forte que está prendendo dissidentes, ou pior, enquanto busca mais ajuda militar dos EUA, e a família real saudita, sobre quem Trump foi profundamente crítico.

Rússia e Otan

Preocupados com Trump, líderes europeus se reúnem com Obama

AFP

Dois dos principais candidatos aos maiores cargos de segurança nacional no novo governo --Giuliani e John R. Bolto-- e o senador Jeff Sessions, confirmado como secretário de Justiça, foram reflexivamente críticos a Vladimir Putin, o líder russo. Quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014, Sessions disse que a Rússia deveria "sentir dor por isso", porque caso contrário Putin se sentiria livre para "seguir em frente e tomar toda a Ucrânia".

Trump, porém, disse que na sua opinião os EUA estavam mais preocupados com a ocupação pela Rússia de território ucraniano do que seus próprios vizinhos. Outras vezes ele sugeriu que poderia tentar eliminar as sanções contra Moscou.

Trump também sugeriu que chegou a hora de um "reinício" da política para a Rússia, que essencialmente buscaria uma série de parcerias com Moscou. Ele nunca indicou como reagiria se, por exemplo, Putin o testasse ocupando mais território, especialmente em países não membros da Otan.

O debate sobre conter a Rússia ou unir-se a ela poderá ser um dos mais cruciais nos primeiros tempos da presidência Trump. Os países europeus estarão procurando garantias de que o discurso de Trump sobre recuar dos compromissos da Otan era conversa de campanha, e não política.