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Política contra a fome deve mirar desperdício e especulação, segundo painel de especialistas

Lilian Ferreira e Maria Denise Galvani

Do UOL, no Rio

17/06/2012 22h12Atualizada em 18/06/2012 00h56

Padrões insustentáveis de consumo e injustiças no sistema mundial de comércio de alimentos foram apontados como as grandes causas da fome pelos representantes da sociedade civil convidados a discutir segurança alimentar nos Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável na Rio+20.

Os debatedores afirmaram diversas vezes que o problema da fome no mundo é provocado muito mais pelo desperdício e a especulação no mercado internacional do que pelo aumento da população ou a limitação de terra agricultável. Estima-se que 1 bilhão de pessoas passem fome no mundo hoje.

As três recomendações que serão enviadas aos chefes de Estado são: promover sistemas alimentares que sejam sustentáveis e contribuam para melhoria da saúde; programas governamentais para proteger o ambiente devem integrar políticas de segurança alimentar e nutricional; e desenvolver políticas que estimulem a produção sustentável de alimentos voltados para produtores e consumidores.

"Especuladores agora investem em commodities e isso causa problemas enormes para países em desenvolvimento, que agora importam comida", afirmou Martin Khor, diretor executivo do South Centre. Ele foi um dos panelistas a defender que políticas públicas sejam criadas para fortalecer a agricultura familiar nos países mais pobres.

Josette Sheeran, vice-presidente do Forum Econômico Mundial, citou duas vezes o Brasil como modelo de política de Estado para a erradicação da fome. "O Brasil vem conquistando resultados excelentes na redução da extrema pobreza a um custo de menos de 5% do PIB", disse ela, referindo-se ao Bolsa Família.

O italiano Carlo Petrini , fundador do movimento “Slow Food”, defendeu a criação de sistemas de distribuição de alimentos favoráveis ao pequeno agricultor. “Uma cidade como o Rio de Janeiro tem 16 milhões de habitantes e apenas seis pequenos mercados. Isso é ridículo! Não podemos impedir o acesso dos agricultores ao mercado, ao contrário, temos que fomentar a produção local".

A Rio+20 é a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece até o próximo dia 22 de junho, no Rio. Antes da reunião de cúpula da Conferência, o governo brasileiro convidou representantes da sociedade civil para debater dez temas centrais da Conferência. Destes painéis sairão trinta recomendações para os chefes de Estado.

Veja a seguir algumas das frases dos palestrantes na reunião.

Diálogos da sociedade civil na Rio+20: Segurança Alimentar

Luisa Dias Diogo , ex-primeira ministra de Moçambique“O mundo não pode tratar a fome como um problema demográfico. Deve haver uma recomendação paralela pelo consumo responsável de alimentos.”
Hortensia Hidalgo (Chile), da Rede de Mulheres Indígenas da América Latina"Hoje a alimentação é um mercado, mas nós, povos indígenas, defendemos a produção de alimentos aconteça em harmonia com a mãe terra."
Martin Khor (Malasia), diretor executivo do South Centre"Nós temos um sistema de comércio mundial que permite aos países desenvolvidos subsidiar a produção de alimentos e força os países em desenvolvimento a baixar suas tarifas e desestruturar sua agricultura. É injustificável que a África não seja autosuficiente em alimentos."
Renato S. Maluf (Brasil), ex-presidente do Centro de Segurança Alimentar da UFRJ"A erradicação da fome seria perfeitamente possível caso houvesse comprometimento político. Não podemos sair dessa conferência sem afirmar o direito humano à alimentação."
Marco Marzano de Marinis (Itália), director executivo da Organização Mundial dos Agricultores“O papel dos pequenos agricultores tem que ser valorizado para se promover segurança alimentar. É preciso aumentar o financiamento público e pesquisa tecnológica que favoreçam essas pessoas, principalmente os jovens e as mulheres.”
Esther Penunia (Filipinas), secretária-geral da Associação de Desenvolvimento Rural Sustentável“Se os pequenos agricultores produzem 70% da comida do mundo, porque eles ainda são pobres? Os jovens não querem ser agricultores porque vêem seus pais desprezados pelo mundo, sem condições de lhes dar uma vida digna.”
Carlo Petrini (Itália), fundador do movimento “Slow Food”“Uma questão fundamental é reduzir o desperdício: 54% da produção mundial vai para o lixo! Outra é acabar com a especulação de alimentos, que é a forma mais perversa de neocolonialismo. A ONU precisa acabar com isso.”
Mary Robinson (Irlanda), diretora do Instituto Internacional de Desenvolvimento Ambiental"Não há dignidade quando se tem fome e quando seus filhos choram de fome. Um sétimo da população do mundo está nessa situação, isso é uma violação terrível dos direitos humanos."
Josette Sheeran, vice-presidente do Forum Economico Mundial“Quando as pessoas têm fome, elas têm três opções: se rebelam, migram ou morrem. Precisamos dar a essas pessoas mais oportunidades. A fome é o problema mais grave do nosso tempo.”
Vandana Shiva (Índia), diretora da Fundação de Pesquisa Científica“Comida não é commodity e não pode estar sujeita à lei do mercado. Lixo é criado pela produção irresponsável e pelo transporte de longa distância, precisamos reconstruir os sistemas de abastecimento local de alimentos.”