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Despreparo no transporte de suínos afeta credibilidade da indústria

Especial para o UOL

12/09/2015 06h00

Esta é uma rápida análise do acidente, que se tornou um evento público, envolvendo 110 suínos, no Rodoanel, em São Paulo, na madrugada do dia 25 de agosto.

O transporte de animais é a face pública da produção pecuária, atividade que o Brasil é líder no mundo. O país é reconhecido no mercado internacional pela excelência na busca de indicadores de sustentabilidade de seus produtos agropecuários, diferenciais importantes nesse competitivo mercado. Junto com segurança alimentar e garantias de processos sustentáveis, o bem-estar do bicho, considerado um “bem de interesse público”, é um dos atributos mais importantes para os produtos de origem animal que são exportados para a União Europeia.

Como pesquisador, cidadão com mais de 27 anos dedicados ao estudo do assunto e coordenador da maior rede mundial de pesquisa em bem-estar animal, a Animal Welfare Science Hub, apesar de várias tentativas frustradas, não consegui auxiliar no processo para reduzir o sofrimento e garantir condições mínimas de bem-estar dos suínos acidentados que foram veiculados na mídia nacional.

Mesmo as ações bem-intencionadas das organizações não governamentais, os únicos atores que tinham uma clara visão de seu papel no evento, prolongaram de forma desnecessária o sofrimento daqueles animais que estavam seriamente feridos.

O que acontece do portão da fazenda para dentro da propriedade está cada vez mais distante da população urbana. O produtor rural sabe que o animal sob sua custódia é um ser capaz de experimentar alegria, tristeza, sofrimento e dor. Ele, no limite de suas condições, opera de forma a oferecer as melhores condições de bem-estar aos animais e o manejo diário estabelece um forte vínculo entre ambos.

O processo de domesticação, que no caso dos suínos soma mais de 8.000 anos de história, criou um contrato simbólico que é respeitado pelos produtores. O cenário muda quando os animais deixam a propriedade. A falta de vínculo com que se transporta e se maneja os animais fora da propriedade e a falta de um mecanismo legal para garantir o bem-estar dos animais geram uma situação de risco, como a que aqui está sendo tratada.

Em vários países, a sociedade civil entendeu que a garantia de bem-estar animal é um bem comum que, dessa forma, deve ser protegido por mecanismos legais. No âmbito internacional, a OIE (Organização Mundial de Saúde Animal), uma organização intergovernamental que tem 180 países como membros e é responsável pela implementação de políticas globais de saúde animal, estabeleceu diretivas específicas para garantir o bem-estar dos bichos durante o transporte.

O Brasil aderiu voluntariamente à OIE e se comprometeu a cumprir suas diretivas. Cumpre ressaltar que tais normas foram estabelecidas de forma participativa e com ampla consulta de todos os setores envolvidos.

Um bom exemplo de mecanismo legal para proteger o bem-estar dos animais durante o transporte vem da União Europeia. O regulamento do conselho da União Europeia, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte, estabelece como obrigatório o treinamento de quem os transporta. A lei de lá determina também exigências específicas de planos de contingência e de formas de fiscalização para garantir o bem-estar dos animais, assim como o tempo máximo permitido de jornada.

A viagem de 110 animais de descarte por mais de 500 km e que culminou no acidente do Rodoanel acordou o consumidor brasileiro para a total falta de adequação dos mecanismos para proteger os animais durante o transporte.

O fato representa uma situação inaceitável de quebra dos compromissos do Brasil com a OIE e põe em risco a credibilidade de uma indústria que é sinônimo de excelência. Pode-se dizer que o prato de alimento na mesa do consumidor foi sacudido pelo evento.

A natureza pública do evento acordou uma parcela significativa da população para o despreparo do nosso sistema para lidar com uma situação que exige treinamento, capacitação e plano de contingência para uma efetiva e imediata intervenção. Considero necessário o imediato engajamento de todos os setores interessados para o estabelecimento de mecanismos legais que protejam o bem-estar dos animais.

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