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MPF denuncia Ustra e delegado da Polícia Civil por sequestro durante a ditadura

O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante evento organizado em 2007 no Clube Militar, no Rio de Janeiro, para homenageá-lo; Ustra foi denunciado pelo MPF por crimes cometidos durante a ditadura - Ana Carolina Fernandes/Folhapress - 25.jan.2007
O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante evento organizado em 2007 no Clube Militar, no Rio de Janeiro, para homenageá-lo; Ustra foi denunciado pelo MPF por crimes cometidos durante a ditadura Imagem: Ana Carolina Fernandes/Folhapress - 25.jan.2007

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

24/04/2012 15h30Atualizada em 24/04/2012 18h19


O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, nesta terça-feira (24), à Justiça Federal o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina pelo crime de sequestro qualificado, ocorrido em 1971, durante a ditadura militar.

Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas de São Paulo, órgão de repressão da ditadura militar) entre 1970 e 74. Já Gravina, segundo a denúncia, era um dos responsáveis pelas torturas no DOI-Codi.

A vítima é o bancário e líder sindical Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização liderada por Carlos Lamarca na qual militou a presidente Dilma Rousseff.

Os procuradores afirmam que a denúncia não está em desacordo com a Lei da Anistia, cuja validade foi reafirmada em julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2010, uma vez que o sequestro de desaparecidos políticos, no entendimento do MPF, é um crime permanente, diferentemente do crime de homicídio, esse sim, enquadrado na Lei da Anistia.

A reportagem do UOL telefonou para a casa de Ustra em Brasília, mas foi informada por uma funcionária que trabalha no local que ele não atende jornalistas. A reportagem também está tentando localizar Gravina.

A denúncia

Segundo a denúncia, Ferreira foi preso ilegalmente por agentes a serviço do governo federal em 6 de maio de 1971 e submetido a torturas nas dependências do DOI-Codi --na rua Tutóia, zona sul da capital paulista-- e na “Casa de Petrópolis”, centro clandestino do Exército em Petrópolis (RJ).

Caso a denúncia seja aceita pela Justiça, os acusados poderão ser condenados a penas entre dois e oito anos de prisão. A denúncia foi feita por procuradores do Grupo de Trabalho Justiça de Transição, criado em outubro de 2011 para investigar crimes cometidos durante a ditadura.

A denúncia cita duas decisões do STF --os julgamentos das Extradições 974 e 1150-- que versam sobre a extradição de militares para a Argentina que cometeram crimes semelhantes ao dos denunciados. Uma das decisões é posterior ao julgamento do STF sobre a Lei da Anistia.

Nos dois casos, o Supremo considerou que “os delitos de sequestro, quando os corpos não são encontrados (...), em que pese o fato do crime ter sido cometido há décadas, na verdade, está-se diante de um delito de caráter permanente, em relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”. Para o procurador Ivan Marx, “a similitude dos casos são muito claras.”

Esta é a segunda denúncia contra militares que atuaram durante a ditadura. Em março deste ano, o MPF no Pará usou a mesma interpretação da decisão do STF para denunciar o coronel reformado do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, pelo desaparecimento de militantes que participaram da Guerrilha do Araguaia (1972-75). A Justiça Federal do Pará rejeitou esta tese em primeira decisão, mas o MPF recorreu.

Os procuradores afirmam também que a denúncia não se confronta com a Lei 9.140, de 1995, que considerou mortos todos os desparecidos durante a ditadura. Segundo o MPF, a lei tem fins civis, e não possui abrangência penal. “A própria lei prevê a dúvida da morte ou não da vítima. Para fins penais, essa lei não serve, já que a morte só pode ser comprovada com provas materiais ou testemunhais”, afirma Ivan Marx.

A procuradora Eugênia Gonzaga afirma que “somente os réus sabem do destino” de Palhano. “Apenas eles podem declarar o que aconteceu com a vítima. Sem corpo, não há que se falar em homicídio.”

Testemunhas

Para fazer a denúncia, o MPF baseou-se em depoimentos de três testemunhas. São elas: Altino Dantas Júnior e Lenira Machado, presos em 13 de maio de 1971, no DOI-Codi, e Inês Etienne Romeu, amiga de Palhano que foi presa pelos militares em 5 de maio de 1971.

De acordo com a denúncia, Inês afirmou que Palhano foi preso durante um encontro com um camponês conhecido como “Primo”, no dia posterior à detenção dela, que foi presa também em um encontro com a mesma pessoa.

Já Dantas Júnior e Machado, segundo o MPF, afirmaram ter visto Palhano chegar ao DOI-Codi, vindo de Petrópolis. Dias depois, diz a denúncia, ambos viram a vítima “muito machucada”, afirmando ter sido torturada na cidade serrana do Rio de Janeiro. As testemunhas disseram ainda que, em seguida, ouviram Palhano ser torturado, já que a cela onde ambos estavam ficava ao lado da sala de torturas.

Segundo as mesmas testemunhas, Dirceu Gravina, à época apelidado de JC, participou diretamente das torturas. Os procuradores dizem que os métodos empregados pelas equipes de interrogatório do Doi-Codi de São Paulo incluíam, além dos espancamentos, o uso de “pau de arara”, “cadeira do dragão”, afogamentos e choques elétricos.

A investigação aponta que Palhano foi preso meses após ter retornado de Cuba, onde se exilou após perder os direitos políticos, em 1964, e ser perseguido. Conforme o MPF, os militares monitoraram toda a movimentação do militante, que estava clandestino no Brasil.

A prisão, sustenta o MPF, é considerada ilegal mesmo no regime de exceção instituído pelo golpe de 1964 porque não foi comunicada ao juiz competente, o que era determinado pela Emenda Constitucional de 1969. “Nem mesmo o AI-1 e o AI-5 autorizavam o sequestro das pessoas, tortura e outros métodos para obtenção de informações”, diz o procurador Sergio Suiama.