"Corrupção é perversão da ética", diz Celso de Mello ao votar sobre pagamento a deputados no mensalão
Em seu voto nesta segunda-feira (1º) no julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Celso de Mello, decano da Corte, fez uma defesa do tribunal e proferiu a crítica mais dura até agora à corrupção. "É preciso dizer que a corrupção é o gesto de perversão da ética do poder e da ordem jurídica. Corrupção significa destruição", disse o ministro ao votar sobre os réus da base aliada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva que teriam recebido dinheiro para votar em projetos de interesse do governo.
"A percepção de vantagens indevidas manifesta-se (...) revela ato atentatório ao decoro parlamentar", afirmou Mello, acrescentando que está prevista a perda do mandato parlamentar antes mesmo da condenação judicial. No item atualmente analisado pelo STF, são julgados 13 réus --entre eles, sete ex-parlamentares; três deles ainda têm mandato na Câmara dos Deputados.
"O Estado não tolera o poder que corrompe. (...) Este processo revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária de poder", complementou Mello ao retomar o seu voto. "Numa boa república, as boas leis devem ser conjugadas com os bons costumes dos governantes e dos governados", afirmou.
Ainda sobre a corrupção, Mello disse ver um quadro de "anomalia". "Esse quadro de anomalia revela as alianças profanas entre corruptos e corruptores, tanto públicos quanto privados", afirma Mello, referindo-se aos parlamentares réus no processo como "marginais no poder". Mello votou, então, pela condenação de todos os réus por corrupção passiva e formação quadrilha.
"Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos aos ofícios (...) e à respeitabilidade do Congresso Nacional, atos de corrupção alimentados por transações obscuras, (...) implementados em altas esferas governamentais, com o nítido e claro objetivo de fortalecer o apoio político, devem ser condenados com o peso e o rigor da lei", disse o magistrado ao condenar os réus.
O ministro defendeu ainda a Suprema Corte das críticas que vem recebendo sobre o julgamento do mensalão. "O STF está julgando a presente causa da mesma forma como sempre julgou as demais causas submetidas a sua apreciação", disse. Segundo Mello, o tribunal está seguindo rigorosamente a Constituição e não tem flexibilizado direitos e garantias constitucionais –alguns advogados de defesa criticaram o Supremo em alguns casos, como alguns votos de ministros insinuando que caberia à defesa o ônus da prova.
O ministro Celso de Mello lembrou ainda pensamento do jurista Celso Lafer, que citava Montesquieu para falar sobre o princípio e o espírito republicanos. "O sentido que a faz prosperar e durar é a virtude", afirmou, sobre a república.
Ato de ofício
O ministro aprofundou-se ainda sobre a questão do ato de ofício (ato praticado por funcionário público dentro de suas atribuições como servidor, pressuposto do crime de corrupção ativa e qualificador de corrupção passiva). Segundo o decano, o exame da peça acusatória indica o ato de ofício quando menciona a liberação de recursos para parlamentares votarem com o governo. Alguns advogados de defesa dos réus do mensalão questionaram a condenação de réus por corrupção passiva sem que houvesse ato de ofício.
"No que concerne ao ato de ofício, tal como o delito de corrupção passiva, que dele não se pode prescindir no exame de determinado comportamento (...), sem que o agente venha a agir na perspectiva de um ato do conjunto das suas funções, não se pode atribuir o crime de corrupção passiva", afirmou Celso de Mello, acrescentando que o ato de ofício pode acabar nem ocorrendo, mas o delito já se configura só com a perspectiva.
"O ato de votação parlamentar é um tipo de ato de ofício", completou Mello.
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