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Em dois anos, Itamaraty emite mais de cem passaportes diplomáticos; arcebispo e presidente da CBF têm documento

Da esq. para a dir., o arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes, o presidente da CBF, José Maria Marin, e o ministro do STF, Cezar Peluso, detentores de passaporte diplomático - MowaPress/Divulgação/Folhapress/Roberto Jayme/UOL
Da esq. para a dir., o arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes, o presidente da CBF, José Maria Marin, e o ministro do STF, Cezar Peluso, detentores de passaporte diplomático Imagem: MowaPress/Divulgação/Folhapress/Roberto Jayme/UOL

Marina Motomura

Do UOL, em Brasília

17/01/2013 06h00Atualizada em 17/01/2013 09h03

Nos últimos dois anos, o MRE (Ministério das Relações Exteriores) do Brasil concedeu 112 passaportes diplomáticos em caráter excepcional a diversas autoridades, ligadas ou não ao governo, segundo levantamento feito pelo UOL com base no Diário Oficial da União.

Além de bispos de igrejas evangélicas, que causaram polêmica ao receber o documento nesta semana, há outras personalidades conhecidas do público que também tiveram acesso ao passaporte diplomático, incluindo outro líder religioso, o arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes. O presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), José Maria Marin, e o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Cezar Peluso, entre outras pessoas, também tiveram acesso ao documento.

PASSAPORTES DIPLOMÁTICOS

  • 2011

    49 passaportes diplomáticos concedidos

     

  • 2012

    51 passaportes diplomáticos concedidos

     

  • 2013

    12 passaportes diplomáticos concedidos

     

Fonte: Diário Oficial da União até 16.jan.2013

    Durante todo o ano de 2011, foram 49 passaportes concedidos; em 2012, 51; e, nas duas primeiras semanas de janeiro de 2013, 12 documentos do gênero foram emitidos pelo Itamaraty. Não é possível fazer a comparação com anos anteriores, pois só a partir de janeiro de 2011 o Itamaraty começou a publicar os nomes dos titulares no Diário Oficial.

    O que diz a regra

    As regras para a concessão do passaporte diplomático foram definidas no decreto 5.978, de 4 de dezembro de 2006.

    Diz o texto que têm direito regularmente ao passaporte diplomático: o presidente da República, o vice-presidente e os ex-presidentes da República; os ministros de Estado, os ocupantes de cargos de natureza especial e aos titulares de secretarias vinculadas à Presidência da República; os governadores dos Estados e do Distrito Federal; os funcionários da carreira de diplomata, em atividade e aposentados, de oficial de chancelaria e os vice-cônsules em exercício; os correios diplomáticos; os adidos credenciados pelo Ministério das Relações Exteriores; os militares a serviço em missões da Organização das Nações Unidas e de outros organismos internacionais, a critério do Ministério das Relações Exteriores; os chefes de missões diplomáticas especiais e aos chefes de delegações em reuniões de caráter diplomático, desde que designados por decreto; os membros do Congresso Nacional; os ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União; o procurador-geral da República e aos subprocuradores-gerais do Ministério Público Federal; e os juízes brasileiros em tribunais internacionais judiciais ou tribunais internacionais arbitrais.

    O decreto, no entanto, deixa uma brecha para pessoas não relacionadas nos quesitos acima que queiram o “superpassaporte”. No parágrafo 3º, o texto afirma que “mediante autorização do ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do país.” Até 2011, as pessoas que obtinham acesso ao passaporte diplomático a partir dessa regra eram desconhecidas, mas, desde 2011, o MRE determinou que os nomes deviam ser publicados no Diário Oficial da União.

    Mudança de regras

    Após a publicação de reportagens que mostravam que filhos e netos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva haviam recebido o documento a poucos dias do final do mandato, o MRE publicou uma portaria em 25 de janeiro de 2011 para dar transparência ao assunto.

    A portaria do Itamaraty afirma que o requerente deverá demostrar que “está desempenhando ou deverá desempenhar missão ou atividade continuada de especial interesse do país, para cujo exercício necessite da proteção adicional representada pelo passaporte diplomático”. Afirma ainda que a concessão de passaporte diplomático ao cônjuge, companheiro ou companheira e aos dependentes estará vinculada à missão oficial do titular e, portanto, terá validade pelo prazo da missão.

    A portaria determina ainda que os que recebem passaporte diplomático de acordo com o parágrafo terceiro – ou seja, os emitidos em caráter “excepcional” – têm o nome e o pedido publicados no Diário Oficial da União, o que não acontecia anteriormente.

    Ministério da Defesa

    Dos 112 documentos, a maioria foi emitida para integrantes do Ministério da Defesa e das Forças Armadas Brasileiras. Em 2011, o ministério entregou 19 passaportes para o Ministério da Defesa, para a Marinha e para o Exército. Em 2012, foram 21, e, neste começo de ano, já foram três passaportes. O Itamaraty afirma que a Defesa e as Forças Armadas recebem mais documentos que os demais órgãos devido ao grande efetivo.

    Questionado sobre o alto número de passaportes especiais, o Ministério da Defesa afirma que “os pedidos de emissão de passaportes obedecem a critérios que regem as diretrizes”. Segundo o ministério, as condições que levam os militares a receberam o documento são: curso de mais de dois anos e missões de paz no exterior, e serviço nas embaixadas como adidos militares. É comum ainda que os militares levem familiares nas missões no exterior, e, nesse caso, os cônjuges e dependentes também têm direito ao documento de identificação. “Se o militar tem uma família enorme e há necessidade de levar todos, o número aumenta. Se o militar é solteiro, diminui”, afirma o ministério.

    Em segundo lugar entre os órgãos que mais receberam passaportes diplomáticos, estão representações do Brasil no exterior, ligadas ao próprio Ministério de Relações Exteriores. Somados os anos de 2011 e 2012, foram 20 passaportes diplomáticos para embaixadas e consulados do Brasil no México, no Timor Leste, na Nicarágua, no Japão, no Uruguai, no Canadá e para a representação permanente do Brasil junto aos organismos internacionais sediados em Londres.

    Aparecem ainda com frequência passaportes emitidos para a Vice-Presidência da República (oito em 2011 e dois em 2012), para a Presidência da República (três em 2011 e um em 2012) e para o Supremo Tribunal Federal (cinco em 2011, e dois em 2012 e 2013). Segundo a Vice-Presidência, os servidores que receberam o documento são a chefe de gabinete do vice-presidente e “militares que cuidam da logística e do atendimento ao vice-presidente da República nas viagens internacionais”.

    Entre os nomes relacionados ao gabinete da Presidência, estão o assessor internacional da presidente Dilma Rousseff, Marco Aurélio de Almeida Garcia, e o economista José Francisco Graziano da Silva, atual diretor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) e ex-ministro da Segurança Alimentar.

    Também foi comum, nos últimos anos, a emissão de passaportes para a Polícia Federal. No Distrito Federal, foram cinco passaportes emitidos em nome da PM-DF, que, procurada pela reportagem, não se pronunciou sobre o assunto.

    No Judiciário, entre os ministros que receberam passaportes diplomáticos recentemente, estão os magistrados aposentados do STF Cezar Peluso, Néri da Silveira, José Francisco Rezek, Ilmar Galvão e suas respectivas mulheres. O ministro-substituto do TCU (Tribunal de Contas da União) Marcos Bemquerer Costa também o recebeu, assim como sua mulher. Segundo as assessorias do STF e do TCU, todos os ministros e seus cônjuges têm direito a portar o documento, incluindo os magistrados aposentados, que continuam aptos a representar o tribunal no Brasil e no exterior.

    Dos ministérios do governo federal, houve ainda um passaporte diplomático emitido para Maurício Antônio Rocha Borges, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Segundo a pasta, Borges lidera missões empresariais o exterior por ser diretor da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), órgão vinculado ao ministério.

    CBF e arquidiocese

    O levantamento do UOL mostra ainda que servidores de entidades diversas, como a Confederação Barsileira de Futebol (além de Marin, sua mulher, Neuza Augusta Barroso Marin, também é portadora do documento), o Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), o Banco do Brasil, a Arquidiocese de São Paulo, a Superintendência da Zona Franca de Manaus, a Organização Internacional do Café.

    Procurados pela reportagem para comentar a emissão dos passaportes, a CBF e a Arquidiocese de São Paulo não responderam aos questionamentos.

    Benefícios

    De acordo com o Itamaraty, nem todos os aeroportos do mundo fazem distinções entre os detentores de passaporte diplomático e comum. Em geral, os que têm passaporte diplomático têm uma fila especial e são submetidos a regras específicas para a concessão de visto. Mas isso não acontece sempre.

    Ainda conforme o Ministério das Relações Exteriores, quem tem passaporte diplomático é submetido às mesmas regras dos demais viajantes no que se refere aos tratamentos na Polícia Federal e na Receita Federal.

    O passaporte oferece vantagens a seu portador, como não pagar por ele e não precisar de visto para alguns destinos, como a China.