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'Mendes se tornou um canal de insatisfação do Opportunity', diz jornalista

Do UOL, em São Paulo

18/02/2014 00h04Atualizada em 18/02/2014 19h56

Entrevistado na noite desta segunda-feira (17) pelo programa "Roda Viva", da TV Cultura, o repórter da “Folha de S. Paulo” Rubens Valente, autor do livro “Operação Banqueiro”, afirmou que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes tornou-se “um canal de insatisfação do Grupo Opportunity” enquanto ocupou a presidência da Corte, entre 2008 e 2010.

O livro de Valente se debruça sobre a atuação do Opportunity, liderado pelo banqueiro Daniel Dantas, na primeira década deste século, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O jornalista conta que analisou mais de 60 mil documentos que constam dos autos dos processos envolvendo o Opportunity.

No período, o grupo, sob suspeita de incorrer em crimes como desvio de verbas, corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, foi investigado em quatro momentos: na CPI do Banestado, na Operação Chacal, na CPI dos Correios e na operação Satiagraha, em que houve a prisão de Dantas e dezenas de banqueiros e lobistas em julho de 2011, quando as investigações eram comandadas pelo delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal pelo PCdoB.

Na época, Mendes era presidente do STF e concedeu, em duas oportunidades, habeas corpus para soltar Dantas e a cúpula do Opportunity. “Descrevo Gilmar Mendes como um ator político fundamental na história. Ele verbalizou, se tornou um canal de insatisfação do Grupo Opportunity e da advocacia ligada a esse caso”, disse Valente.

Mário Magalhães: Grande história, grande livro: ‘Operação Banqueiro’ já nasce clássico

Se fosse um livro ficcional, ‘Operação Banqueiro’ teria mais chances de oferecer um final menos deprimente. Reportagem lastreada em fatos, portanto peça jornalística, da família editorial da não ficção, a obra do jornalista Rubens Valente apresenta um roteiro tão miserável quanto banal no Brasil: escrutina pecados, falcatruas e crimes pelos quais no fim ninguém paga.

Mas não é qualquer roteiro o do livro recém-lançado pela Geração Editorial. O premiado repórter da “Folha de S. Paulo” produziu uma das mais assombrosas radiografias do amálgama entre interesses privados e públicos na história republicana, ou pouco republicana, do país.

Para o jornalista, Mendes sempre foi um crítico da atuação do Ministério Público e da Polícia Federal na Satiagraha, contribuindo para criar um “cabo de guerra” entre o Supremo e os dois órgãos de investigação. “Esse clima foi gerado por várias declarações do ministro Gilmar Mendes”, afirmou o repórter. “Ele sempre foi um crítico do MP, se julgou sempre no papel de corrigir as imperfeições do MP.”

Posteriormente, o pleno do STF julgou o habeas corpus a Dantas e confirmou a decisão de Mendes. “Aquele julgamento foi um grito de independência do Supremo, um grito de união. Teve um ministro que chegou a dizer que se um ministro é atacado, todos são.  Foi um grande evento de apoio ao ministro [Gilmar Mendes]”, disse Valente.

Protógenes e "falhas" na Satiagraha

A Justiça considerou que foram cometidas ilegalidades ao longo das investigações da Satiagraha, como interceptações telefônicas irregulares e abuso nas prisões dos suspeitos. De acordo com Valente, uma das falhas cometidas por Protógenes foi usar agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sem a anuência da direção da PF.

Ainda segundo o jornalista, a Abin “fez um trabalho lateral” e não houve desrespeito à Constituição, que prevê que policiais federais conduzam as apurações. “Há dois pareceres do MP de que a parceria com a Abin foi legal. Posso garantir que a Abin não grampeou ninguém, não fez interceptação telefônica, não interrogou pessoas, nem participou das prisões. Os atos privativos aos delegados foram feitos pelos delegados”, disse o jornalista.

Por conta disso, Protógenes e outros delegados que participaram da operação se afastaram das investigações. Atualmente, a Satiagraha está suspensa. “Do meu ponto de vista, ele [Protógenes] muito mais acertou do que errou. Os erros dele foram potencializados como nunca”, opina Valente. “Ele recusou a propina que lhe foi oferecida [pelo Opportunity]. Ele colocou de pé a investigação.”

De acordo com o jornalista, o Opportunity se especializou em transformar “pequenas falhas” e “deslizes” em “coisas enormes” nas operações em que é investigado. “Eles têm essa tática de desgastar o inquérito. Isso ocorre o tempo todo. Eles fazem um trabalho minucioso de análise dos autos e usam pequenas lacunas para anular processos inteiros.”

Opportunity pressionou governo FHC

O livro de Valente cita um conjunto de e-mails apreendidos em um computador de um consultor que atuava para o Opportunity que demonstram “uma violenta campanha” do grupo sobre o governo FHC para que não se investigasse as contas do banco nas Ilhas Cayman. Até hoje os sigilos das contas não foram quebrados e não se pôde investigar as movimentações.

“São cópias de e-mails que ele [o consultor] trocou com Daniel Dantas e outras pessoas. O que posso dizer é que [essas mensagens] são de interesse histórico. É impossível reescrever aquele período, a reeleição de FHC, sem elas”, afirmou.

Foro privilegiado

O jornalista afirmou também que o objetivo maior do livro é ajudar a detectar quais são “os caminhos da impunidade” no país. Para Valente, a existência do foro privilegiado, que determina ao STF conduzir as investigações em que há suspeitas contra autoridades públicas de alto escalão, tem “parcela imensa de culpa” na impunidade.

“O STF não tem capacidade, não tem músculo, nem expertise para investigar essas pessoas. Temos o mensalão, que é o caso único, junto com o Natan [Donadon] e mais dois ou três casos”, afirmou.