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Para juiz da Ficha Limpa, solução seria cassação pelo TSE com nova eleição

Márlon Reis diz que crise ajudou Brasil a eliminar práticas danosas à política - Sérgio Lima - 6.set.2012/Folhapress
Márlon Reis diz que crise ajudou Brasil a eliminar práticas danosas à política Imagem: Sérgio Lima - 6.set.2012/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/03/2016 06h00

Um dos autores e porta-voz da Lei da Ficha Limpa, o juiz maranhense Márlon Reis acredita que a melhor solução para a atual crise política não seria o impeachment, mas, sim, novas eleições convocadas após uma eventual cassação de Dilma Rousseff e Michel Temer pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). “Essa solução tem o mérito de dar aos cidadãos a palavra final, pois demanda a convocação de novas eleições.”

Para ele, as revelações da operação Lava Jato não trouxeram revelações de práticas novas. “Todos os observadores da política brasileira sabiam de antemão dessa relação inadequada entre grandes empreiteiras e governos. Essas práticas marcavam a conduta de todas as empresas que mantém elevados contratos com poder público”, diz.

Em entrevista ao UOL, Márlon diz ainda que a prática investigada na Petrobras se repete, em escalas diferentes, em Estados e municípios. “Há apenas uma diferença em relação ao quantitativo alcançado”, comenta.

Leia os principais trechos da entrevista:

UOL - Nos últimos dias, muita gente tem se dito atônita com as revelações dos grampos e vazamentos de informações da operação Lava Jato. Mas esse tipo de negociata já era algo denunciado pelo senhor há anos. Há alguma prática nova, não conhecida, ou apenas a revelação do que já se sabia?

Márlon Reis - A operação Lava Jato revela uma série de condutas que constituem uma decorrência lógica do modelo de financiamento de campanhas que era adotado no Brasil. O sistema partir de três premissas: fontes empresariais de recursos, ausência de teto de arrecadação estabelecido em lei e falta de transparência na prestação de contas eleitorais. A mensagem transmitida por esse modelo era de que as campanhas deveriam ser encaradas como uma "corrida pelo ouro". Houve uma institucionalização do abuso do poder econômico. E lamentavelmente era a própria lei quem construía esse quadro de degradação política. Todos os observadores da política brasileira sabiam de antemão dessa relação inadequada entre grandes empreiteiras e governos. Essas práticas marcavam a conduta de todas as empresas que mantém elevados contratos com Poder Público. E invariavelmente comprometiam os mandatos. Antes mesmo da inclusão da Lava Jato publiquei o livro intitulado " O Nobre Deputado", onde descrevia relações idênticas ao que está sendo revelado. O livro foi construído com base em uma série de entrevistas que realizei com líderes políticos em diversas partes do país.

Essa prática se reproduz em outras esferas de poder?

Essas práticas acontecem desde as menores prefeituras e se reproduzem nos governos estaduais. Tudo fruto de um sistema anacrônico e que ainda não está de todo superado. O que mais chama atenção nos desvios ocorridos no âmbito da Petrobras é o montante dos valores envolvidos. Esses desvios se repetem em quase todos os estados e municípios, havendo apenas uma diferença em relação ao quantitativo alcançado.

O meio jurídico também anda dividido por conta das ações do juiz Sergio Moro. A transparência dada ao caso é boa ou há exageros?

Não opinaria sobre as decisões de outro magistrado por respeito à ética profissional. Por convicção filosófica, digo que a transparência é sempre preferível ao segredo.

Você entende existir motivo para impedimento da presidente? E de prática de crime eleitoral em 2014?

O impedimento é baseado constitucionalmente em temas políticos. Ele reclama a existência de fundamentos para a abertura de um processo de natureza ético-política. Depois disso, ocorre uma medição de forças baseada em critérios estritamente partidários. O impeachment tem o demérito de trasladar ao mais alto posto da República alguém que não conta com a legitimidade do voto. Sem entrar no mérito dos desvios debatidos no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, é preciso democraticamente reconhecer que o tribunal tem o papel constitucional e a legitimidade adequada para descontinuar mandatos eventualmente conquistados em um quadro de quebra da legalidade. Essa solução tem o mérito de dar aos cidadãos a palavra final, pois demanda a convocação de novas eleições.

Que lições você espera que o país tenha depois dessa crise? Mudaremos ou voltaremos a eleger fichas-suja normalmente, como sempre fizemos?

O Brasil está melhorando. Essa crise nos ajudou a eliminar o drama das doações empresariais. Finalmente conseguimos bani-las do nosso modelo eleitoral. Também teremos pela primeira vez eleições com um teto de gastos. Penso que os valores deveriam ser muito menores, mas não posso deixar de reconhecer o avanço. Além disso, teremos relatórios financeiros divulgados pelos candidatos durante toda a campanha. Seremos capazes de saber o quanto dizem haver arrecadado e comparar essa informação com o volume de campanha. Além disso, temos a Lei da Ficha Limpa, que ajudará a eliminar candidaturas de pessoas gravemente comprometidas pela mácula da corrupção. As crises passam. As instituições ficam. Estamos caminhando.