Poder está sendo transferido para 'cafundós do Congresso', diz Joaquim Barbosa
O ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa afirmou, nesta quinta-feira (2), que a crise política nacional poderá afetar duramente a democracia brasileira e trazer uma mudança de eixo governamental nos próximos anos. Em palestra na Conferência Nacional de Legisladores Estaduais, em Aracaju, ele disse que o cerne do problema está no poder dado ao Congresso Nacional.
“O que muito me preocupa na incerta situação política atual é a fragilidade institucional generalizada que está se criando. Nosso sistema sempre teve como âncora fundamental a Presidência da República. Mas, se essa situação heterodoxa criada pelo segundo processo de impeachment em 24 anos se consolidar, qual será a configuração política fundamental para o Brasil nas próximas décadas? A maioria dos brasileiros não está percebendo, mas pode acontecer o seguinte: haverá nada mais, nada menos, que a transferência do centro político nacional da Presidência para os cafundós do Congresso Nacional. E tenho muitas dúvidas se é isso que os brasileiros querem”, afirmou.
O ministro emérito voltou a dizer que a ascensão do PMDB ao poder, com a abertura de processo de impeachment de Dilma Rousseff, é desprovida de legitimidade, o que obriga o governo interino de Michel Temer a buscar apoio no Congresso, já que não possuiria apoio popular.
“O presidente tem como influenciar o Congresso e o trazer para o seu lado --caso o presidente tenha talento, carisma e tenha sintonia com o povo. Sem isso, ele se torna refém do Congresso, se torna uma peça manipulável”, afirmou.
Outro ponto abordado por Barbosa foi a ideia ideia de mudar o sistema político brasileiro, em substituição ao presidencialismo. “O curioso é que volta e meia aparece alguém --buscando atender a interesses personalíssimos ou de grupos desprovidos de meios de ascender ao poder por processo democrático-- a propor mudar esse sistema o qual vivemos a 127 anos. Ora se propõe mudar para o parlamentarismo, ora se quer instruir o semipresidencialismo. Não são propostas sérias! É puro personalismo, são atalhos para quem quer chegar ao poder máximo, mas não tem votos suficientes. É inadmissível um país com o peso do Brasil, com a grande democracia, uma improvisação de um sistema que, mal ou bem, vem funcionando para outro, cujas bases pouca gente conhece”, explicou.
Para o ex-ministro, é preciso uma participação popular maior no processo. “O povo brasileiro vai continuar como no fim do século 19, quando houve troca de regime? Vai assistir a tudo bestializado, como dizia [o historiador] Murilo de Carvalho? Eu lhes faço essa pergunta a título de provocação, na perspectiva de mero expectador dessa cômica cena politica brasileira”, disse. “Temos que lutar muito, como cidadão, para que o país não trilhe o retrocesso. É um momento bastante sensível”, argumento.
Barbosa também disse ter grande preocupação com a visão internacional ao país. “Ninguém poderia prever que nosso sistema político iria trincar, como está trincando. O Brasil parece querer integrar o bloco das nações que têm instabilidade política. Isso é muito ruim, muito lamentável. O problema é muito sério, afinal, como explicar às pessoas, ao mundo, aquilo que uma boa parcela da nossa população não conseguiu explicar e não conseguiu digerir?”, questionou.
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