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Envelheci dez anos em meses, diz Janaina Paschoal, denunciante do impeachment

Os advogados de acusação Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal: presença constante na comissão do impeachment - Alan Marques - 8.jun.2016/ Folhapress
Os advogados de acusação Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal: presença constante na comissão do impeachment Imagem: Alan Marques - 8.jun.2016/ Folhapress

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

08/07/2016 06h00

"Trabalho 25 horas por dia. É uma intensidade e uma exposição que eu nunca vivi. Acho que envelheci uns dez anos nos últimos meses." Mas, para a advogada Janaina Conceição Paschoal, 42, todo e qualquer o esforço é válido. "É por uma boa causa", diz.

Uma das denunciantes do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), em conjunto com o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, 72, e com o advogado aposentado e ex-petista Hélio Bicudo, 93, ela é a mais ativa integrante da acusação no processo que visa tirar definitivamente a petista do poder.

Desde que o Senado votou pelo afastamento de Dilma, no dia 12 de maio, a comissão do impeachment na Casa se reuniu 19 vezes. Janaina, que mora em São Paulo, bancou do próprio bolso as viagens e a hospedagem e só faltou a três sessões –entre elas as duas primeiras, quando houve apenas reuniões de trabalho do colegiado.

Durante os depoimentos das 45 testemunhas ouvidas na comissão, a advogada quase sempre usou todo o tempo disponível para as perguntas, muitas vezes para fazer comentários sobre o processo.

Eu tenho uma personalidade centralizadora. Não acho que isso seja uma qualidade, tá? Gostaria de ser diferente, mas sou muito controladora

Também residente da capital paulista, Reale Júnior só foi a Brasília duas vezes neste período. Bicudo, por conta de problemas cardíacos, não pode viajar de avião. Segundo Janaina, os dois são consultados e leem as peças mais importantes do processo. O UOL tentou, sem sucesso, conversar com os denunciantes. 

A advogada diz fazer questão de conhecer detalhe por detalhe do processo e é conhecida pela forma intensa de se expressar e pelo discurso antipetista. Em ato em favor do impeachment de Dilma, realizado no dia 4 de abril, Janaina fez uma menção indireta ao apelido de "jararaca" com o qual o ex-presidente Lula se referiu, em pronunciamento dias antes.

"Deus não dá asas a cobra. Mas às vezes a cobra cria asas. Quando isso acontece, Deus manda uma legião para cortar as asas da cobra. Queremos libertar o país do cativeiro de almas e mentes. Acabou a República da Cobra. Impeachment já!"

Exaltada, advogada diz que "legião vai cortar asa da cobra"

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"Não consigo me manifestar sobre um documento que eu não tenha efetivamente lido. Isso faz parte da minha maneira de ser. Tem aspectos positivos e negativos. Eu acho que para o processo é positivo. Eu estou sempre muito preparada. Para a minha saúde, minha vida social, é muito complicado, porque eu vivo para o trabalho", declara.

Segundo ela, o comportamento não se restringe ao caso do impeachment. "Para você ter uma ideia, eu não tenho estagiário no meu escritório", conta, referindo-se ao Paschoal Advogados, situado na valorizada rua Pamplona, em São Paulo, que ela mantém em sociedade com duas irmãs e que neste período "mais conturbado" ganhou o apoio de um irmão.

O endereço do escritório, que concentra suas atividades no direito penal empresarial, foi retirado "por segurança" do site da firma. Segundo os dados mais recentes do Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo), referentes ao mês de maio, o metro quadrado de um imóvel no bairro Jardim Paulista custa R$ 10.200. O valor é 16% maior que a média da cidade (R$ 8.600).

"Auxílio-impeachment"

Outras quatro pessoas estão diretamente envolvidas na causa. Flávio Henrique Costa Pereira é advogado do PSDB e subscreveu a petição do impeachment. Já a economista Selene Péres foi designada por Janaina para ser assistente técnica da junta pericial.

De Brasília, os advogados João Berchmans e Eduardo Nehme passaram a ter procuração para falar pela acusação. Foram convidados, em junho, pelo "professor Miguel" --como Janaina sempre se refere a Reale Júnior, que em 2002 foi seu orientador no doutorado em direito penal na USP (Universidade de São Paulo), onde os dois atualmente lecionam.

"O professor Miguel não pode ficar o tempo todo aqui e ficou preocupado de ter algum problema no meu voo e não ter ninguém na comissão. O apoio dos colegas está ajudando muito na logística. Antes eu não tinha nem onde imprimir uma petição", comenta. Segundo Janaina, nenhum dos auxiliares está cobrando nada pelos serviços.

A advogada Janaína Paschoal - Reprodução/Paschoal Advogados - Reprodução/Paschoal Advogados
A advogada Janaina Paschoal posa para foto no seu escritório, em São Paulo
Imagem: Reprodução/Paschoal Advogados

Na madrugada seguinte à entrega do laudo pericial requisitado pela comissão, no dia 27 de junho, ela conta ter ficado acordada "até a hora que foi necessária" para lê-lo na íntegra. “Pode reparar aqui, olha as orelhinhas. Eu fiz orelhinhas nele inteiro”, diz, folheando as 223 páginas do documento, muitas delas com as pontas dobradas.

Em conversa com a reportagem no último dia 28, Janaina contou que integrantes de movimentos pró-impeachment, como o "Vem Pra Rua" e o "NasRuas", eventualmente lhe chamam para se hospedar em suas casas, mas ela sempre nega. "Eu sou muito fechada, apesar de ser uma pessoa muito comunicativa. Eu gosto de chegar ao hotel, tomar meu banho, me trancar e ler."

Os militantes, conta a advogada, às vezes a buscam no Congresso para levá-la ao hotel, por medo de que "aconteça alguma coisa" com ela, como uma agressão ou algum tipo de retaliação. "Vou te dizer: da população, eu acho quase impossível."

Nas ruas as pessoas só param para me abraçar, parabenizar, agradecer. Alguns para fazer orações, tirar foto

Não foi o que aconteceu na noite seguinte, quando ela embarcava de volta para São Paulo no Aeroporto de Brasília. Cercada por manifestantes contrários ao afastamento de Dilma, ela foi chamada, aos gritos, de "golpista". Protegida por algumas pessoas, Janaina se retirou do local. A cena foi registrada em vídeo e viralizou.

Janaina Paschoal é hostilizada no Aeroporto de Brasília

TV Folha

Janaina afirma estar arcando, por conta própria, com os custos dos voos entre São Paulo e Brasília e da hospedagem na capital federal. Ela diz não ter feito os cálculos de quanto gastou até o momento, mas conta que cada ida e volta --foram pelo menos sete desde o início do processo, no ano passado-- custa, em média, R$ 1.500. Já as diárias no hotel variam em torno de R$ 220.

Embora ela não goste de falar dos custos, cálculos feitos pela reportagem do UOL estimam que a advogada já gastou aproximadamente R$ 15 mil, considerando que cada viagem pode servir para mais de uma sessão. "Encaro este processo todo como um trabalho voluntário para o meu país", declarou Janaina.

Ela conta que o seu escritório recebe ligações de pessoas querendo ajudar com dinheiro. "Agradeço muito, mas não aceito. Mas deixei claro que, se a coisa se prolongasse demais e eu tivesse alguma dificuldade, eu falaria, mas, graças a Deus, está dentro do previsto. Não estourou meu orçamento", afirma a advogada.

Quando está em São Paulo, o dia a dia "não mudou em nada". Continua "batendo cartão" no mesmo restaurante japonês, toda semana. Na USP, diz ter conseguido não faltar a nenhuma aula neste semestre. "Esse período agora mais concentrado [do processo de impeachment] acabou coincidindo de ser o período de provas."

Discursos políticos

Em suas manifestações no Congresso, Janaina não hesita em partir para o embate político e adotar tom de palanque. Durante sessão na primeira fase da comissão do impeachment no Senado, em abril, a advogada chorou e declarou que iria "ajudar a libertar primeiro o Brasil e depois os nossos irmãos na América Latina". "Estão pensando que eu vou parar por aqui?", questionou. Na ocasião, ela empunhou um exemplar da Constituição brasileira.

A atuação da denunciante é frequentemente criticada por senadores da base de presidente afastada e pelo advogado de defesa, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. As queixas são de que ela seria desequilibrada, faria discursos apelativos e políticos e seria agressiva com os aliados da presidente afastada e suas testemunhas, além de fazer ilações e acusações sem provas.

Janaina, por sua vez, diz ter sofrido "uma sequência de constrangimentos" e ataques a sua honra por parte dos aliados de Dilma e de Cardozo. Em contrapartida, os parlamentares pró-impeachment fazem defesa aguerrida da denunciante. Após um enfrentamento, o senador Waldemir Moka (PMDB-MS) chegou a se referir a ela como "nossa advogada".

Por se exceder no Senado, Janaina já foi repreendida pelo presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB). Certa vez, ela gritou com o senador Telmário Mota (PDT-RR) depois que ele questionou se ela defendia o procurador da República Douglas Kirchner --demitido por suspeita de agredir e torturar a mulher.

"Não quero! Não vou admitir", esbravejou a advogada. "Por favor, vamos falar em um tom compatível com o ambiente em que nós estamos", interveio Lira. Janaina continuou, dizendo que "seu cliente nunca bateu na mulher" e que a autoria das agressões foi de uma tia da vítima. "Tudo tem limite, meus clientes são sagrados", acrescentou. E retirou-se intempestivamente do plenário, retornando minutos depois.

Durante a mesma reunião, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) trouxe à tona a informação de que Janaina havia sido contratada pelo PSDB em maio do ano passado e recebeu R$ 45 mil para ajudar a produzir um parecer sobre o impeachment. A advogada confirmou e explicou que havia sido convidada por Reale Júnior, que foi ministro do tucano Fernando Henrique Cardoso por pouco mais de três meses, em 2002.

"Como tudo que eu recebo, eu declarei, recolhi tributos. Então, não tenho como negar, está tudo bonitinho", declarou. A advogada contou que só cobrou porque não é do PSDB, como o professor.

Com a decisão dele de apresentar uma representação ao Ministério Público Federal contra Dilma por crime comum, ela divergiu do ex-ministro e resolveu entrar com um pedido de impeachment, o que ocorreu em setembro. Para isso, entrou em contato com Hélio Bicudo. Apenas em outubro, quando apresentaram outra petição, a que foi acolhida pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os dois receberam o apoio de Reale Júnior.

No dia 27 de junho, Janaina causou polêmica ao questionar o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo (PCdoB), arrolado como testemunha de Dilma. "A defesa tem sustentado que denunciantes queriam acabar com a Lava Jato, mas, agora em junho, vieram denúncias de que o PCdoB teria se beneficiado de desvio de 30% do programa Minha Casa, Minha Vida", disse a advogada, provocando protestos de senadores.

Vanessa Grazziotin, por exemplo, reclamou que a advogada não é parlamentar para falar o que quer na comissão e não pode extrapolar o objeto da denúncia do impeachment. "Acho curioso ouvir a senadora Vanessa falando que eu não sou uma senadora da República. Onde está a igualdade que o partido dela prega?", questionou, ao UOL. "Igualdade não se prega, se pratica."

"Acho que os escândalos de corrupção fazem parte da discussão técnica. Um político não pode ser chamado como testemunha, não falar nada sobre os fatos, fazer propaganda de governo e não ser confrontado. Entende? O que eles querem? Aplausos? Chega de claque”, justificou a advogada, que também teve embates com os senadores petistas Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (PR), a quem respondeu: "Não me calo".

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Nos bastidores do processo, integrantes da defesa de Dilma brincam que Janaina é a melhor advogada da presidente afastada. "Pessoas para fazerem discursos políticos, para falarem mal do PT, ali não faltam. Ela não faz o trabalho dela."

A advogada, por sua vez faz críticas a Cardozo, que segundo ela faz discursos políticos o tempo todo durante os trabalhos da comissão. "Mas ele pode tudo! É o costume petista: para os companheiros, tudo; para os independentes, nem a lei". A defesa, para ela, "se apega à ficção do golpe, por não ter como explicar as fraudes".

Janaina nega ter pretensões eleitorais, como afirmam aliados de Dilma, mas conta já ter sido convidada a se filiar a partidos políticos antes de se envolver com o processo do impeachment. "Depois, não", destaca. "Eu sempre gostei de falar em público. Então, sempre que um político esteve presente, recebi convites, mas sempre recusei".

Ao comentar o período em que está envolvida com o impeachment, Janaina faz um balanço positivo.

Foi um ano e tanto! Mas aprendi muito com tudo isso. Poucos seres humanos tiveram uma experiência como esta. É um teste de resistência física e emocional. E de fé

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