Wálter Maierovitch

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Opinião

PF revela o macabro 'terrorismo de Estado' no projeto golpista de Bolsonaro

Para quem tem olhos de ver e vontade de enxergar, a Operação Contragolpe da Polícia Federal revelou um "plus", algo a mais macabro. À luz do direito internacional público, houve também "terrorismo de Estado".

Crime que já tivemos no Brasil nas ditaduras Vargas e na militar de 1964, aquela que o ministro Dias Toffoli edulcorou, em desrespeito aos torturados e mortos, como "golpe militar".

Pelas provas do supracitado inquérito da PF, cujo sigilo foi levantado, dá para concluir haver o "terrorismo de Estado" retornado na Presidência de Jair Bolsonaro (PL).

Ensina o direito internacional público que o "terrorismo de Estado" se caracteriza pelo uso, por parte de um governo, da violência com finalidade política.

Marca identificadora do terrorismo, a violência política neste caso previa as mortes de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, do STF

O detalhado plano golpista mostrou, na primeira fase e quando Bolsonaro cumpria o mandato presidencial, a meta de evitar a eleição de Lula — com evidente anuência e participação de Bolsonaro.

Depois, e ainda com trama no governo Bolsonaro, impedir a posse do presidente eleito. O ataque contra o exercício do mandato, com a derrubada de Lula da Presidência, verificou-se no 8 de Janeiro.

A lembrar e quando da diplomação de Lula, que é um ato preliminar à posse e marca o início de prazos recursais de impugnação, já estava de pé e com início de execução o plano de eliminação de Moraes.

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Frise-se: a violência política, ideológica e extremada, é à luz do direito internacional a marca caracterizadora do terrorismo.

Quando praticado pelo governo de plantão, recebe o nome jurídico (nomen juris) de "terrorismo de Estado".

Legislação de fancaria

Quando da derrubada das torres gêmeas de Nova York, com simultâneo ataque ao Pentágono, no 11 de Setembro de 2001, o mundo civilizado deu-se conta da falta de uma legislação comum, no âmbito do direito internacional, para caracterizar o fenômeno representado pelo terrorismo.

Como observou o saudoso professor Walter Laqueur, na sua obra de 2002 intitulada "Il Nuovo Terrorismo" (o novo terrorismo), mais de 150 definições foram propostas na Organização das Nações Unidas (confira-se página 10). Estava-se atrás de uma definição por convenção da ONU.

O fio condutor do fenômeno, a incluir o "terrorismo de Estado", é a violência política, de matriz ideológica. E desse fio condutor as definições sugeridas não se afastaram.

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Apesar disso, o nosso Congresso excluiu a violência política da tipificação do terrorismo — e o "terrorismo de estado" ficou em aberto.

Na verdade, os congressistas recuaram ao pensar no uso político da lei antiterror para enquadramento de movimentos sociais. Foi um erro, pois, como ensina Laqueur, "o terrorismo é violência, mas nem todas as formas de violência significam terrorismo".

Fora isso, existe uma diferença gigantesca entre terrorismo e uso do método terrorista.

Quando deu início à execução de um golpe de Estado, Bolsonaro perpetrou o "terrorismo de Estado", com o empenho do seu vice Braga Netto, o uso de tropa do Exército (kids pretos), de ajudante de ordens, da Secretaria de Presidência de militares ativos e reformados, .

O caminho do crime

Mostra a nossa lei poder percorrer um fato criminoso quatro etapas: cogitação, atos preparatórios, atos de execução e consumação (exaurimento). Essa trajetória, os juristas chamam de "inter criminis".

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O senador Flávio Bolsonaro (PL), bacharel em direito pela respeitada universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, sustentou, diante dos fatos trazidos pela Operação Contragolpe, ter havido cogitação, a caracterizar um indiferente criminal.

Na sua visão de interessado, tudo teria sido algo somente imaginado.

Os penalistas italianos, sobre o "iter criminis" e na etapa de cogitação ironizam: "il pensiero non paga gabella" (o pensamento não paga imposto).

Mas, os mesmos penalistas alertam não mais se tratar de cogitação diante do início da execução de um plano. E tivemos isso, como já ressaltado nesta coluna.

Por exemplo, os "kids pretos" foram acionados e colocaram-se em ação. Um atirador ficou de plantão à espera da passagem para, de surpresa, fuzilar Moraes. Um dos seguranças de Lula passava informações sobre os locais em que se encontrava, para escolha do melhor momento para a consumação. Teve até acionado plano de despiste, empregada a mesma técnica do caso dos assassinatos de Marielle Franco e o seu motorista Anderson Gomes.

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A cogitação, como deve ter sido ensinado na aula em que Flávio Bolsonaro faltou, refere-se ao que não ultrapassa do foro íntimo.

No caso concreto, tivemos, além da cogitação, os atos preparatórios e o início de execução, não consumada por circunstância alheias à vontade do seu pai Jair e da organização criminosa golpista que liderava.

Num pano rápido: tivemos "terrorismo de Estado". Tivemos ainda crime organizado com natureza de permanência e a autorizar a decretação da prisão preventiva de Bolsonaro e Braga Netto.

E o plano foi para o concreto, real, palpável. Passou pela cogitação, pelos atos preparatórios e ingressou no início de execução. Não ficou só na cabeça dos golpistas, traidores da pátria.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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