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Ex-aliados, Cabral e Garotinho se 'reencontram' na penitenciária de Bangu

Em 2006, ainda aliados, Cabral (à esq.), Rosinha e Anthony Garotinho participam de convenção do PMDB - Michel Filho - 25.jun.2006/Agência O Globo
Em 2006, ainda aliados, Cabral (à esq.), Rosinha e Anthony Garotinho participam de convenção do PMDB Imagem: Michel Filho - 25.jun.2006/Agência O Globo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

18/11/2016 13h10

Antes aliados e hoje adversários, Sérgio Cabral (PMDB) e Anthony Garotinho (PR) veem suas histórias se cruzarem novamente. Presos em um intervalo de 24 horas, os ex-governadores do Rio de Janeiro foram levados nesta quinta (17) para o mesmo Complexo Penitenciário de Bangu, na zona oeste da capital fluminense.

Se não serão companheiros de cela --ficarão em prédios diferentes--, os dois políticos ainda assim estarão mais "próximos" do que nos últimos anos, quando não só romperam sua parceria política como tornaram-se inimigos.

Cabral, detido no dia 17, chegou ao complexo de Bangu no começo da noite, após passar por exame de corpo de delito. Assim como Garotinho, que havia sido preso um dia antes --ele havia sido internado na quarta por causa de uma crise de hipertensão e causou tumulto ao ser transferido.

Segundo a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária), Cabral teve a cabeça raspada e trocou a camisa social azul que vestia pelo uniforme verde do sistema penitenciário. Já Garotinho deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) "onde foi examinado" e permanece na unidade individual intermediária de tratamento.

Garotinho resiste a deixar hospital no Rio e causa tumulto

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Foi um tiro disparado por Garotinho que começou a abater, em 2012, um Cabral em pleno voo. Na época, o peemedebista surfava no sucesso das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), nos preparativos para o Rio olímpico e nos vultuosos royalties do petróleo, cujo barril andava na casa dos US$ 100, jorrando recursos para todo o Estado.

Mas, em maio daquele ano, Garotinho publicou em seu blog fotos de uma farra de luxo na Europa em que Cabral aparecia ao lado do dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, hoje também preso. 

Sérgio Cabral, fazendo festa em restaurante de Paris (França) ao lado do empreiteiro Fernando Cavendish - Divulgação/Blog do Garotinho - Divulgação/Blog do Garotinho
27.abr.2012 - Fotos divulgadas no Blog do Garotinho mostram secretários estaduais do Rio, no governo Sérgio Cabral, fazendo festa em restaurante de Paris (França) ao lado do empreiteiro Fernando Cavendish
Imagem: Divulgação/Blog do Garotinho

Anos de parceria

Poucos anos antes, parecia difícil imaginar chumbo grosso sendo trocado entre as partes. Cabral e Garotinho fizeram parcerias em ao menos três eleições, com bons resultados para ambas as partes.

Em 1998, Cabral tinha sido o deputado estadual mais votado do país e presidia a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Anunciou seu apoio a Garotinho no segundo turno da disputa pelo governo do Rio, contra Cesar Maia.

Em 2002, Rosinha Garotinho, mulher de Anthony, disputava o governo; Cabral, o Senado. O respaldo mútuo foi bem-sucedido para os dois lados. Quatro anos depois, o casal Garotinho ajudou a empurrar Cabral rumo à vitória na eleição para o governo do Estado. 

Benedita da Silva - Lula Marques/Folhapress - Lula Marques/Folhapress
Coube à Benedita da Silva, inimiga de Garotinho, substituir o Cheque Cidadão pelo Bolsa Família
Imagem: Lula Marques/Folhapress

Relação em crise

No entanto, pouco depois da eleição o clima já começou a azedar. A transição de Rosinha para Cabral, que à época dividiam o mesmo PMDB, foi marcada por atritos envolvendo a aprovação do orçamento estadual para 2007. Após visitar hospitais estaduais, o recém-empossado governador disse que o Estado cometia "genocídio" contra os pacientes.

Cabral ainda detonou o Cheque Cidadão, marca registrada do casal Garotinho, e o substituiu pelo Bolsa Família. Para não deixar dúvida sobre o rompimento, a responsável por dar cabo do programa social foi Benedita da Silva, nomeada secretária e inimiga de Anthony e Rosinha Garotinho.

Foi o mesmo Cheque Cidadão que, segundo a Justiça, foi usado para comprar votos na eleição deste ano em Campos dos Goytacazes, no norte do Estado do Rio, onde Rosinha é prefeita e Anthony é secretário municipal.

Em 2008, Garotinho quis medir forças com Cabral dentro do PMDB. Buscou emplacar seu ex-secretário Marcelo Itagiba como candidato à Prefeitura do Rio e chegou a afirmar que Eduardo Paes, o outro nome na disputa e apoiado pelo então governador, estava inelegível por não ter deixado uma secretaria estadual a tempo de disputar o pleito. Paes ganhou a eleição interna do partido e está no fim de seu segundo mandato como prefeito.

Rompimento

No ano seguinte, Garotinho rompeu de vez e se filiou ao PR, acusando Cabral de ter destruído os programas sociais de seu governo e de Rosinha. Em 2010, enquanto o peemedebista era eleito governador no primeiro turno com quase 70% dos votos, seu agora inimigo era o deputado federal mais votado do Rio.

A popularidade de Cabral não resistiu às crises de seu segundo mandato: o episódio dos guardanapos, os protestos de junho de 2013, o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza após abordagem policial, entre outros. Entre meados de 2014 e o começo de 2015, o preço do barril de petróleo caiu pela metade, despencando para abaixo de US$ 50. Cabral deixou o cargo em abril de 2014, sem nem ler sua própria carta de renúncia na Alerj, para abrir espaço ao seu vice e candidato à sucessão, Luiz Fernando Pezão.

Foi a deixa para Garotinho tentar voltar ao comando do Estado com espírito de revanche. Quase chegou ao segundo turno; recebeu 1,5 milhão de votos, 42 mil a menos que Marcelo Crivella (PRB), este derrotado por Pezão no segundo turno.

Com o Estado do Rio em crise e a Lava Jato fechando o cerco, Cabral submergiu desde que deixou o cargo. Não se candidatou mais e pouco foi visto em público, mas manteve-se presente nos bastidores do PMDB fluminense. Garotinho continuou usando seu blog como metralhadora giratória contra o PMDB e não conseguiu emplacar seu candidato à sucessão de Rosinha em Campos. Os anos de alianças e brigas não os impediram de acabar no mesmo lugar.