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MPF abre 12 frentes de investigações com base em relatório da CPI da Covid

As investigações foram abertas a partir de fatos apontados pelo relatório final da CPI da Covid - Agência Senado
As investigações foram abertas a partir de fatos apontados pelo relatório final da CPI da Covid Imagem: Agência Senado

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

05/01/2022 12h15Atualizada em 05/01/2022 15h41

O MPF (Ministério Público Federal) no Distrito Federal decidiu desmembrar, em 12 frentes de investigações independentes, a apuração aberta a partir dos fatos apontados pelo relatório final da CPI da Covid.

A resposta do MPF ao Senado com as decisões tomadas aconteceu em 14 de dezembro, mas somente agora os documentos foram divulgados à imprensa.

As novas análises serão feitas de forma independente e foram divididas em grupos. A procuradora da República Marcia Brandão Zollinger, que assina o despacho, ressalta que essa é uma "análise inicial do extenso relatório da CPI da Pandemia que contém mais de 1200 páginas". Portanto, no decorrer dos trabalhos, novos fatos que merecem investigações à parte poderão ser identificados e aprofundados.

A Procuradoria da República no Distrito Federal é uma unidade do MPF de primeiro grau. O órgão vai apurar suspeitas relacionadas a atos de corrupção e de improbidade administrativa nos casos apontados pelo relatório da CPI.

Por exemplo, a procuradoria vai apurar suspeitas de que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), tenha cometido improbidade administrativa, mas não no que diz respeito a suspeitas de esfera penal devido ao foro por prerrogativa de função do deputado federal.

As 12 frentes de investigações são:

  1. Ações e omissões no Ministério da Saúde, na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello, entre outros, e o agravamento da pandemia;
  2. Caso Prevent Senior: crimes de perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença e falsidade ideológica;
  3. Caso Covaxin - Precisa;
  4. Caso VTCLog;
  5. Caso Davati Medical Supply;
  6. Da usurpação de função pública por parte de Airton Antonio Soligo;
  7. Fake News e incitação ao crime;
  8. Responsabilidade civil por dano moral coletivo;
  9. O impacto da pandemia sobre povos indígenas e quilombolas;
  10. O impacto da pandemia sobre mulheres e população negra;
  11. Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde)
  12. Planos de saúde e hospitais.

Em relação à condução do enfrentamento à pandemia pelo Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello, a procuradora afirma que o relatório da CPI conta com "vasta descrição de elementos indiciários do cometimento do crime de epidemia com resultado morte, em razão, especialmente, da insistência no tratamento precoce com medicamento comprovadamente ineficaz, da resistência às medidas não-farmacológicas e do atraso na aquisição de vacinas".

As ações tomadas pela pasta durante o comando de Pazuello e possíveis omissões foram um dos principais eixos de apuração dos senadores na Comissão Parlamentar de Inquérito.

O relatório final da CPI sugere o indiciamento de Pazuello, da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do ministério, Mayra Pinheiro, do ex-secretário-executivo do ministério Elcio Franco Filho e do presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), Mauro Luiz de Brito Ribeiro, pela prática do crime "epidemia com resultado morte".

Marcia Brandão Zollinger afirma que, embora não tenha havido o encaminhamento para a Procuradoria da República no DF das suspeitas relacionadas ao chamado "gabinete paralelo", "será importante analisar se há conexão que justifique a investigação desses fatos" pelo órgão.

Neste âmbito, estiveram na mira da CPI a médica Nise Yamaguchi, o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, o empresário Carlos Wizard, o virologista Paolo Zanotto e o tenente-médico da Marinha Luciano Dias Azevedo.

A procuradora também diz que a veiculação da campanha publicitária "A vida não pode parar", pelo Ministério da Educação, sob o comando do então ministro Abraham Weintraub, com foco na manutenção das datas do Enem 2020, merece ser apurada.

Ao longo do documento, a procuradora relembra as sugestões de indiciamentos feitas pelo relatório final da CPI da Covid.

Em uma das citações a Eduardo Pazuello, recorda, por exemplo, que o parecer recomenda o indiciamento do ex-ministro pelo crime de emprego irregular de verbas públicas devido ao uso de recursos públicos na produção e aquisição de cloroquina, mesmo depois de demonstrado que o remédio é ineficaz no combate à covid-19.

O relatório final da CPI da Covid recomenda 80 indiciamentos, sendo 78 pessoas e duas empresas. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é apontado pela comissão como um dos principais responsáveis pelo agravamento da pandemia. O parecer sugere que ele seja responsabilizado e investigado por dez crimes.

As demais frentes de investigação

Quanto à segunda frente de investigação, a CPI investigou suspeitas de que a Prevent Senior estimulou a prescrição de forma indiscriminada o kit covid —composto por medicamentos sem comprovação de eficácia contra a covid-19—, conduziu experimentos com pacientes sem autorização, se recusou a fornecer máscaras de proteção a funcionários, subnotificou mortes pelo novo coronavírus e colocou pacientes em tratamento exclusivamente paliativo sem autorização dos respectivos familiares, por exemplo.

O grupo do caso Covaxin - Precisa vai se desdobrar nas negociações do governo federal com a intermediária Precisa Medicamentos para a compra da vacina indiana Covaxin. Há suspeitas de corrupção, falsificação de documentos e série de irregularidades no fornecimento de garantia para o negócio pela Precisa.

A VTCLog, empresa de logística que presta serviços de transporte e armazenagem de vacinas ao Ministério da Saúde, está na mira por possíveis irregularidades em contratos firmados com a pasta, como sobrepreço, e eventual participação em suposta esquema de propina a políticos e ex-integrantes do governo.

O grupo responsável pelo caso da Davati Medical Supply vai se aprofundar nas suspeitas envolvendo a empresa que buscou vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Ainda, um dos representantes da Davati acusou um ex-diretor da pasta da Saúde de pedir propina para dar andamento ao negócio.

Já o Airton Antonio Soligo, conhecido como Airton Cascavel, será investigado pela suspeita de que exerceu a função de assessor especial de Eduardo Pazuello, enquanto ministro, sem integrar o quadro de servidores da pasta.

"Airton Cascavel somente foi efetivamente nomeado para o cargo de assessor especial no dia 24 de junho de 2020, mas vinha exercendo atividades inerentes a esse cargo há algum tempo", consta no relatório da CPI.

Em relação às fake news, o relatório da CPI afirma que "os fatos narrados correspondem à publicação de notícias sabidamente falsas, com o objetivo de obter proveitos políticos e econômicos para uma rede de pessoas incentivando a prática do crime de descumprimento de medida sanitária preventiva e, com isso, colocando em risco a vida de milhares de pessoas".

A procuradora Marcia Brandão Zollinger diz que, como o crime teria sido praticado por meio da internet, é preciso verificar se a competência da apuração seria federal e a atribuição da Procuradoria da República no DF.

Perante a responsabilidade civil por dano moral coletivo, a procuradora afirma que, segundo a CPI, a "difusão sistemática do tratamento precoce com medicamentos ineficazes e a estratégia pela busca da imunidade de rebanho pela contaminação natural produziram um risco relevante e grave que causou danos irreparáveis à sociedade brasileira". Em seguida, destaca trecho do relatório da comissão que cita pessoas e grupos que teriam participado desses atos.

O impacto da pandemia sobre povos indígenas e quilombola foi tratado pela CPI e houve sugestão de indiciamentos por crime contra a humanidade, da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, relata a procuradora. "Entretanto, os fatos podem ensejam análise e providências na esfera cível, inclusive no que diz respeito à reparação por dano moral coletivo."

A mesma análise para eventuais providências em relação ao impacto da pandemia sobre mulheres e população negra foi pedida.

Atos da Conitec serão aprofundados em investigação por supostamente ter adiado análise de recomendação contra o uso do kit covid, entre outros pontos envolvendo medicamentos em meio à pandemia.

Em relação ao último grupo, o relatório final da CPI recomenda que sejam investigados "os procedimentos de todos outros planos de saúde e hospitais, que podem ter agido de forma semelhante e colocado em risco a saúde e a vida de seus pacientes". E a procuradora avaliou ser necessário verificar a atuação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), responsável por fiscalizar as atividades das operadoras de planos de assistência à saúde.

Vice-presidente da CPI comemora

O vice-presidente da CPI da Covid e líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que o desmembramento é um "primeiro passo muito importante em relação às consequências do relatório final".

7.jul.2021 - O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, durante sessão da comissão - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
7.jul.2021 - O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, durante sessão da comissão
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Embora tenha criticado a velocidade com que a investigação tem caminhado, o senador avaliou que há uma "luz de lamparina na noite da impunidade".

"Significa que tem um procedimento instalado, um curso a ser encaminhado. Significa que vai ter consequências. [...] As investigações vão ter consequências, e eu espero que tenham conclusões. [...] Aos que cometeram crimes, recomendo que preparem uma boa banca de advogados", disse.