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Crimes levam Brasil e Itália a debater 'cultura do estupro'

13/06/2016 16h52

Por Beatriz Farrugia, Sarah Germano e Tatiana Girardi SÃO PAULO, 13 JUN (ANSA) - Há pouco mais de duas semanas, no Rio de Janeiro, uma adolescente foi estuprada por 30 homens, horrorizando todo o país. A nove mil de quilômetros de distância, na periferia de Roma, uma outra jovem foi morta e teve seu corpo queimado pelo ex-namorado.   

Esses são só dois exemplos de inúmeros de casos de violência contra a mulher que acontecem em todo o mundo e costumam passar despercebidos.   

No Brasil, calcula-se que uma mulher seja abusada sexualmente a cada 11 minutos. Na Itália, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calculou que uma mulher foi morta a cada dois dias e meio durante o ano de 2014. As cifras são ainda mais assustadoras quando analisadas no âmbito internacional. Sete em cada 10 mulheres serão abusadas em algum momento de sua vida, apontam estimativas das Nações Unidas. Com a revelação dos casos tanto no Brasil quanto na Itália, as mulheres, e até mesmo alguns homens, começaram as sair às ruas para pedir medidas urgentes contra o estupro. Dias após o estupro coletivo no Rio, o Senado aprovou por unanimidade um projeto de lei que aumenta a pena em até dois terços para crimes de abusos sexuais praticados em grupo. Na Itália, a morte da jovem Sara di Pietrantonio, queimada em um carro por seu ex-companheiro, também fez a ministra para as Reformas Constitucionais, Maria Elena Boschi, prometer convocar uma "força-tarefa" contra os assassinatos de mulheres no país. No entanto, o combate ao estupro está mais ligado às mudanças sociais do que às reformas do código penal. Maíra Cardoso Zapater, especialista em direitos das mulheres e doutoranda em Direitos Humanos pela USP, aponta a "cultura do estupro", que culpa as vítimas pelo assédio e normaliza o comportamento sexual dos homens, como um fomento para os crimes.   

"Existe uma falta de vigilância das próprias pessoas. O caso do Rio de Janeiro traz essa questão da cultura do estupro para o debate", explicou em entrevista à ANSA.   

"Precisamos repensar essa imagem de um país liberal sexualmente.   

Não somos. Somos conservadores. Essa imagem do biquíni não mostra a verdade. É uma objetificação do feminino", comentou. Fabiana Paes, promotora de Justiça no Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e doutoranda na Universidade de Buenos Aires, concorda. "Com o estupro lamentável dessa jovem, a mídia incorporou essa preocupação e isso é muito importante para que possamos debater os passos daqui para a frente".   

Já a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, ressaltou que o Brasil tem 45 mil casos de estupro por ano, sendo que cinco mil mulheres são assassinadas periodicamente no país.   

"Nós temos um problema muito grande na cultura, na construção do papel de homens e mulheres na sociedade. Temos uma cultura machista, que torna essencial uma prevenção da violência contra mulheres", defendeu. Gasman acredita que é necessária, acima de tudo, uma transformação profunda no jeito que os gêneros se relacionam na sociedade. "Homens e mulheres precisam entender que nós somos iguais. Isso tem que ser repetido e falado, tanto nas famílias, nas escolas e na mídia".   

Já a Fabíola Sucasas Negrão Covas, promotora de Justiça do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, explicou que o Brasil possui legislações "muito efetivas" nas questões do enfrentamento criminal aos estupros e ressaltou que o combate ao crime deve partir de uma reforma na formação social. "O que deve existir é uma mudança de comportamento, do que chamamos de cultura do estupro. Nas escolas, nas ruas, no trânsito, são vários os ambientes onde as mulheres sofrem assédio e tudo isso é resultado de uma sociedade patriarcal, que determina o papel da mulher, de recato", disse.   

De acordo com Arielle Sagrillo Scarpati, doutoranda em Psicologia Forense pela Universidade de Kent, na Inglaterra, e especialista em violência sexual contra a mulher e gênero, o Brasil acaba alimentando a cultura de estupro a partir de uma série de comportamentos. Isso vai desde o momento que acho graça de uma piada até manifestações mais diretas de violência.   

"O fato de ser capaz de cometer atos de violência contra a mulher e nem reconhecer a gravidade disso é a prova de que a cultura do estupro infelizmente é parte da nossa sociedade", concluiu.   

História - A chamada "Cultura do Estupro", no entanto, é um fenômeno historicamente mundial. A prática afetava mulheres desde os tempos bíblicos e muitas corriam o risco de ser penalizadas pelo assédio, mesmo sendo vítimas. Já no Império Romano, as mulheres casadas que fossem estupradas poderiam ser julgadas por adultério. Na Inglaterra medieval, apesar do estupro passar a ser considerado crime em 1285, muitos juízes evitavam condenar os homens pois diziam que as mulheres eram as sedutoras. Na América do Sul, as mulheres eram frequentemente estupradas durante a colonização espanhola e portuguesa, já que, naquela época, eram consideradas objetivos e propriedades pessoais.   

(ANSA)
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