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2016, O ano em que um Papa virou símbolo progressista

27/12/2016 17h01

SÃO PAULO, 27 DEZ (ANSA) - Por Beatriz Farrugia - Em um ano marcado pelo fortalecimento de movimentos ultranacionalistas e xenofóbicos, o papa Francisco se destacou como um dos líderes mundiais mais progressistas e de diplomacia aberta, em paradoxo com o conservadorismo da Igreja Católica.   

O argentino Jorge Mario Bergoglio manteve seu discurso crítico aos modelos econômicos vigentes e não hesitou em confrontar as políticas sociais e imigratórias da Europa. Publicamente ou nos bastidores, Francisco também participou ativamente dos principais acordos de paz selados no mundo, os quais colocaram fim a conflitos históricos. A retomada das relações entre Cuba e Estados Unidos tinha sido o primeiro grande feito da diplomacia de Francisco em 2014 e pegou os analistas políticos e diplomatas de surpresa. Mas, em 2016, o Papa foi além e conseguiu articular o fim do conflito armado de meio século com a guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Agora, seu esforço está centralizado na crise política da Venezuela, mais uma vez em seu território natal, a América Latina. "A Santa Sé tem uma forte tradição diplomática e exerce um papel não apenas religioso, porque o Vaticano, como Estado, mantém relações com a maioria dos países. Por isso, um Papa sempre teve autoridade moral para articular acordos, já que ele tem influência política e religiosa e não carrega interesses escondidos", disse à ANSA a professora de Relações Internacionais e especialista em diplomacia religiosa Anna Carletti, italiana radicada no Brasil. "Os interesses da diplomacia da Santa Sé, que é muito antiga e inspirou inclusive a brasileira, são diferentes da praticada pelas nações. São interesses 'globais', de bem-estar e proteção", comentou a professora da Universidade Federal do Pampa. Os acordos de paz e negociações mediadas pelo Vaticano são conduzidas por uma estrutura nova criada por Francisco. "Ele forma equipes, núncios, agrega com pessoas nativas dos países envolvidos. Todos trabalham em silêncio. Essa forma de fazer diplomacia é diferente, pois, antes, era comum um Papa assinar uma carta de próprio punho pedindo um acordo de paz", disse a especialista. "Francisco não é assim. Ele transformou o trabalho de 'líder' do Vaticano em 'trabalho de equipe'". Frequentemente, o papa Francisco, que assumiu a Igreja após a renúncia de Bento XVI, é comparado com João Paulo II por sua simpatia e seu envolvimento em questões internacionais. Mas, para Carletti, o argentino é, na verdade, o "oposto" do polonês.   

"O pontificado de Bento XVI foi mais de baixo perfil, porque Joseph Ratzinger não queria ser Papa. Já o de João Paulo II foi expansivo e aberto, mas em outra direção do de Francisco", afirmou. Karol Wojty?a era polonês, tinha vivido o comunismo de perto, mantinha raízes europeias e acabou se enveredando para o lado da política externa norte-americana. Jorge Mario Bergoglio, por sua vez, nasceu no chamado "terceiro mundo" latino-americano, conheceu a ditadudura militar argentina e presenciou os efeitos da desiguladade social e econômica. "Por ter vivido fora da Europa, Francisco tem outra visão de mundo. Para ele, a paz não pode ser alcançada se existe desigualdade social, e esta é a marca de suas críticas aos modelos econômicos", disse a especialista. "Francisco tem sido o único líder com um certo apelo e a esquerda mundial precisa olhar para ele", comentou Carletti.   

Desde 2013, quando foi eleito, Francisco tem seu nome indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Caso sua intermediação tenha sucesso também na Venezuela, sua candidatura virá mais forte em 2017.   

Mas não necessariamente com chances de vitória. "Apesar dos apelos, é difícil entregarem um Nobel a ele, porque Francisco é visto como 'comunista', 'esquerdista', como uma pessoa crítica às grandes potências. D. Helder Câmara também já foi indicado várias vezes ao Nobel e o prêmio acabou sendo entregue a Henry Kissinger em 1973", lembrou a especialista. (ANSA)
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