Três tópicos-chave sobre a profunda reforma constitucional promovida por Ortega na Nicarágua

A reforma constitucional promovida pelo presidente Daniel Ortega na Nicarágua altera o Estado em seu âmago, ao criar a figura da "copresidente" para a primeira-dama, Rosario Murillo, eliminar a independência dos poderes e o pluralismo político, além de aumentar o controle social.

Analistas políticos do governo declararam, nesta quinta-feira (21), estes pontos do texto, que começou a ser analisado na quarta por um Congresso controlado pela governista Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN, esquerda).

Confira a seguir três tópicos-chave que explicam a abrangência da emenda:

A 'sucessão'

A ex-comandante guerrilheira Dora María Téllez, que esteve presa e vive exilada nos Estados Unidos, afirmou à AFP que a reforma "resolve" a sucessão na qual aparece na primeira linha Murillo, que sempre "ambicionou" ser presidente.

Ortega governou o país na década de 1980, após a vitória da revolução sandinista, e voltou ao poder em 2007, desde quando preside de forma ininterrupta a Nicarágua, após eleições contestadas. Ele é acusado por seus detratores e opositores de instaurar uma "ditadura" e de "nepotismo".

O ex-guerrilheiro de 79 anos estendeu a influência de sua família: governa ao lado da esposa, que foi primeiro sua porta-voz e desde 2017, sua vice-presidente, mas também com seus filhos, que ocupam cargos públicos e chefiam meios de comunicação governistas.

"Daniel Ortega cede poder total a Rosario Murillo e eles guardam a capacidade de nomear vice-presidente um de seus filhos", opinou Téllez, ao ressaltar que os copresidentes vão nomear o ocupante do cargo, atualmente escolhido por eleição popular.

Laureano Ortega Murillo, de 42 anos, é o assessor da Presidência apontado por opositores como seu "afilhado político". Seu pai lhe deu este ano "plenos poderes" para negociar com a China. "Podem colocá-lo já na linha de sucessão", disse Téllez.

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Um novo' Estado

Salvador Marenco, advogado nicaraguense de direitos humanos exilado na Costa Rica, afirmou à AFP que a reforma reflete que a Constituição, na qual Ortega fez mais de uma dezena de reformas, há tempos estava "morta".

"Tudo o que está agora na reforma é o que, de fato, vem acontecendo na Nicarágua: uma ditadura de fato. A novidade é que agora estará na Constituição", acrescentou Téllez.

Yader Morazán, um advogado ex-funcionário do poder judiciário nicaraguense exilado nos Estados Unidos, disse que "se está refundando a nação" com "mudanças profundas" na "organização política e social".

"Com uma canetada instauram na Nicarágua a Coreia do Norte das Américas e oficializam o poder da coditadora", escreveu Morazán em sua conta na rede social X.

Segundo Marenco, Ortega "está reformando o Estado" porque "os copresidentes serão diretamente os que coordenam todos os outros poderes". "Não haverá separação de poderes, nem pluralismo político", acrescentou.

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Na reforma, a Nicarágua é definida como um Estado "revolucionário" e "socialista", e inclui entre os símbolos pátrios a bandeira vermelha e preta da FSLN, ex-guerrilha que liderou a insurreição popular que depôs em 1979 o então ditador Anastasio Somoza.

Para Azahálea Solís, especialista em direito constitucional, isso deixa de fora projetos políticos de outros matizes ideológicos.

A reforma estabelece, ainda, o controle da sociedade, não só da imprensa, da Igreja e de entidades econômicas, mas também oficializa a retirada da nacionalidade nicaraguense, como o governo fez com cerca de 450 críticos e opositores.

O 'efeito Trump'

Ortega saudou as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 5 de novembro, mas até agora não se referiu ao presidente eleito, Donald Trump, cujo futuro secretário de Estado, Marco Rubio, fará pressão, segundo analistas, sobre Cuba, Venezuela e Nicarágua.

A reforma "é um ato desesperado, produto do efeito Trump", assegurou à AFP Arturo McFields, ex-diplomata de Ortega exilado nos Estados Unidos.

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"Antes de janeiro, quando chega o novo presidente dos Estados Unidos, eles querem se proteger de algum modo e garantir seguir no poder a todo custo com uma nova Constituição", acrescentou.

Junto com a reforma, Ortega também apresentou uma lei que impõe multas e suspensão de operações a empresas e bancos que apliquem sanções estrangeiras, como as impostas por Washington a funcionários e entidades estatais do governo.

O advogado e ex-deputado Eliseo Núñez acredita que Ortega se prepara para um endurecimento das sanções, ao pressionar os bancos para que intercedam por ele e, assim, evitar um colapso econômico e maior fluxo de migrantes.

Se os Estados Unidos "cederem", estaríamos "frente ao final da efetividade da ferramenta de sanções não só na Nicarágua, mas" no resto do mundo, acrescentou.

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