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Maratona de rádio de 110 horas no ar pede libertação de reféns na Colômbia

Rádio em praça de Bogotá recebeu recados de todo o mundo via Twitter e Facebook - Leandra Felipe/BBC Brasil
Rádio em praça de Bogotá recebeu recados de todo o mundo via Twitter e Facebook Imagem: Leandra Felipe/BBC Brasil

Leandra Felipe

Em Bogotá (Colombia)

23/02/2012 09h46

Uma rádio está promovendo uma maratona de mais de cem horas de transmissões para tentar convencer guerrilheiros de grupos como as Forças Revolucionárias Colombianas (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) a libertarem seus reféns.

A campanha começou na meia-noite do último sábado e vai até o meio-dia desta quinta-feira, no horário local.

Funcionando dia e noite, a pequena estação de rádio improvisada no centro da Praça Simon Bolívar, em frente ao Palácio de Governo Colombiano em Bogotá, recebe e transmite mensagens de colombianos e estrangeiros do mundo todo. Os recados chegam por telefone e pelas redes sociais como Twitter e Facebook.

Até quarta-feira, mais de 8,5 mil mensagens transmitidas aos reféns.

"Sabemos que o rádio é o único meio de comunicação que chega até os sequestrados na selva colombiana. Geralmente, os reféns conseguem escutar rádio por alguns minutos diariamente, por isso, numa jornada extensa como essa, com certeza, eles nos ouvem", disse à BBC Brasil o jornalista Herbin Hoyos Medina, diretor da ONG Las Voces del Secuestro, uma das organizadoras da maratona.

Locutores voluntários alternam-se no trabalho de colocar no ar as chamadas telefônicas com palavras de apoio e de consolo aos sequestrados e leem os recados que chegam via Twitter. Algumas mensagens são dirigidas aos reféns e outras aos sequestradores.

"Não posso crer em quem diz que a paz é obtida ao se manter alguém sequestrado com um fuzil. Liberdade aos sequestrados", diz um dos recados no Twitter.

Outra internauta também comenta: "Força aos que permanecem prisioneiros, alento aos cativos".

Filha e pai

Entre os parentes que participam da campanha está a estudante Natália Andrea Duarte, de 17 anos. Ela é filha do policial Carlos José Duarte, mantido como refém há mais de 12 anos. O policial está entre os seis reféns que as Farc prometeram libertar, em uma lista divulgada em dezembro.

Em atividade paralela à jornada, a adolescente encabeça uma marcha desde a cidade de Fusagasugá, onde mora, a 65 km de Bogotá. Ela planeja chegar ao centro da capital colombiana na quinta-feira no final da manhã, para participar do encerramento da maratona de rádio.

"Começamos esta caminhada na segunda-feira. É cansativo. Mas tenho certeza que não se compara ao que meu pai tem vivido todos estes anos. Quero muito ver meu pai novamente e quero dizer isso a ele. Quero que ele me escute para ter esperança", declara Natalia.

A estudante conta que tinha somente quatro anos de idade quando viu seu pai pela última vez. "Nós estávamos em um clube e eu estava na piscina. Ele me olhou e disse que me amava muito e pediu para que eu nunca me esquecesse disso", recorda. Poucos minutos depois, ele foi capturado.

Natalia está terminando o ensino médio e disse que quer muito entrar na carreira militar. "Eu quero fazer algo. Meu pai não pode trabalhar por todos estes anos, mas eu valorizo muito quem ele é", diz, orgulhosa.

Civis

Foi o drama vivido em cativeiro há mais de 15 anos que motivou o jornalista Herbin Hayos, idealizador da maratona. Herbin também foi vitima de sequestro pelas Farc em 1996. Ele foi capturado em frente à Emissora Caracol, em Bogotá, onde trabalhava. O jornalista passou 17 dias em poder do grupo armado.

Quando voltou, criou um programa de rádio e depois a ONG, com a ideia de dar voz aos sequestrados. "Estar sequestrado foi a pior coisa que já enfrentei. Mas foi ali que me motivei a fazer algo depois que saí", conta.

O jornalista lembra que quando estava em cativeiro, um camponês lhe perguntou por que os jornalistas não faziam nada pelos reféns.

Apesar de não ter números oficialmente reconhecidos, pela experiência e contato com outras ONGs, o jornalista arrisca que mais de 3,7 mil civis foram sequestrados nos últimos 18 anos no país, pelas Farc, ELN, Autodefensas Unidas de Colômbia e outros grupos.

"Quase não se fala nos sequestrados civis. E quando liberarem os dez militares (que estão atualmente em cativeiro), o que será destes milhares (de civis) dos quais a maioria não se tem notícia. A maioria dessas famílias sequer sabe se seus parentes estão vivos", alerta o jornalista.

Sem notícia

É o caso de Mirian Torrez de Mora, de 56 anos, cujo filho, Juan Camilo Torrez, sequestrado há seis anos em Bogotá. Na época, ele tinha 26 anos.

"Encontramos seu carro abandonado. Meu filho não tinha envolvimento com política e nem era milionário para que pudessem extorqui-lo", conta.

O filho de Mirian trabalhava como administrador de empresas. Quando desapareceu, ele era casado e já tinha uma filha, hoje com 13 anos. Em 2008, dois anos após o sequestro, a mãe recebeu uma mensagem de voz em seu celular.

"Não pude ouvir o que diziam, mas na mensagem escuta-se vários gritos e barulho de tiros. A polícia acredita que a mensagem tem relação com o desaparecimento de Juan Camilo e suspeita que ele possa estar em poder das Farc. Mas é estranho, porque nunca fizeram contato conosco", lamenta.

Mirian conta também que desde o sequestro do filho sua vida mudou radicalmente. "Meu filho é muito alegre. Ele era quem organizava festas e nos reunia. Agora vivemos a esperar notícias dele", comenta.

Quem sobreviveu ao cativeiro garante que todo tipo de iniciativa de familiares e da sociedade tem efeito positivo. O ex-senador e engenheiro Luiz Eladio Pérez, refém por sete anos e libertado em 2008, disse à BBC Brasil que quando ouvia mensagens no rádio ganhava força.

"Para quem está lá na selva, prisioneiro, cada palavra que chega de um familiar é como um bálsamo que revigora. Renova a coragem para resistir e não perder a esperança", conclui Pérez.