Topo

Alemã impedida de completar doutorado pelos nazistas recebe o diploma aos 102 anos

9.jun.2015 - A pediatra neonatologista  aposentada  Ingeborg Syllm-Rapoport, 102, posa com certificado de doutorado no hospital UKE em Hamburgo - Fabian Bimmer/Reuters
9.jun.2015 - A pediatra neonatologista aposentada Ingeborg Syllm-Rapoport, 102, posa com certificado de doutorado no hospital UKE em Hamburgo Imagem: Fabian Bimmer/Reuters

Damien McGuinness

Da BBC News em Berlim

09/06/2015 11h12

Uma alemã de 102 anos se tornou nesta terça-feira (9) a pessoa mais velha do mundo a receber um doutorado, quase 80 anos depois de o regime nazista tê-la impedido de prestar o último exame.

Filha de uma pianista judia, Ingeborg Rapoport (na época, Ingeborg Syllm) terminou seus estudos em medicina na Universidade de Hamburgo em 1937 e escreveu sua tese sobre a difteria, doença que então era um sério problema na Alemanha.

Mas, por causa das leis de discriminação religiosa e racial do governo de Adolf Hitler, Ingeborg teve negado o direito de fazer a prova oral final. A universidade, inclusive, informou por carta que ela teria recebido o doutorado "se a legislação não a proibisse de fazer a prova por causa de sua origem".

No entanto, a instituição acadêmica resolveu revisitar o caso.

No mês passado, três professores da Faculdade de Medicina da Universidade de Hamburgo sentaram-se na sala do apartamento de Ingeborg em Berlim para sabatiná-la sobre o trabalho de pesquisa realizado há oito décadas. Ficaram impressionados com a lucidez da doutoranda.

"Não quis defender minha tese apenas em meu benefício. Era uma questão de princípios. Fiz tudo isso pensando nas vítimas (dos nazistas)", disse a alemã ao jornal Der Tagesspiegel.

Ingeborg fez questão de estudar para o último exame e pediu ajuda a amigos para pesquisar online a evolução nas pesquisas sobre a difteria nos últimos 80 anos.

"A universidade queria corrigir uma injustiça. Os examinadores foram muito pacientes comigo e sou grata por isso".

Em 1938, quando a Alemanha se tornou um local extremamente perigoso para judeus, Ingeborg fugiu para os Estados Unidos, onde voltou para a universidade e conseguiu a qualificação. Foi no exílio que conheceu o marido, o bioquímico Samuel Mitja Rapoport, refugiado judeu nascido em Viena.

Na década de 50, porém, a alemã mais uma vez se viu em apuros com as autoridades: as opiniões de esquerda dela e do marido as puseram em rota de colisão com a onda de patrulhamento ideológico e perseguição política conhecido como macartismo. Fugiram mais uma vez - de volta para a Alemanha. Só que para a Oriental, sob regime comunista.

Lá, Ingeborg trabalhou como pediatra e deu aulas na universidade, recebendo ainda um prêmio por ter ajudado a reduzir drasticamente a mortalidade infantil na Alemanha Oriental.

Aos 102 anos, ela agora conquista também o doutorado que os nazistas "roubaram" em 1937.