Britânico é primeiro ocidental a cursar universidade na Coreia do Norte
Todos os dias, durante um semestre, o estudante britânico Alessandro Ford tinha de interromper sua caminhada até a universidade para fazer fila e se curvar diante da estátua do líder norte-coreano Kim Jong-il.
Tudo porque Alessandro, 18 anos, escolheu um ano sabático incomum: é o primeiro estudante ocidental a ter frequentado a Universidade Kim Il-sung, na capital norte-coreana de Pyongyang.
"Eu e os estudantes caminhávamos rindo e fazendo piada rumo à universidade, até chegarmos diante da estátua de Kim Jong-il. Daí todos ficavam quietos, em sinal de respeito. Todos tinham de se enfileirar e se curvar diante da estátua. Daí seguíamos caminho e a conversa voltava ao normal."
Esta é uma das várias curiosidades contadas à BBC por Alessandro sobre seu período --entre agosto e dezembro de 2014-- na Coreia do Norte, o país mais isolado do mundo.
A viagem foi possível graças ao pai de Alessandro, Glyn Ford, político britânico que fez diversas viagens diplomáticas ao território norte-coreano.
"Meu pai brincava comigo: 'Se você não decidir [o que fazer no ano sabático que muitos no Reino Unido tiram entre a escola e a universidade] vou te mandar para a Coreia do Norte'", disse Alessandro ao jornal britânico "The Guardian". Aos poucos, o jovem foi achando a ideia interessante e passou um semestre lá, estudando coreano.
Fascínio
Ao programa Newshour, da BBC, Alessandro revelou que os norte-coreanos nutriam uma grande curiosidade sobre o Ocidente.
"A maioria é absolutamente fascinada pela vida fora [do país]. Um amigo meu, estudante do Exército, literalmente me pegou pelo braço, me fez sentar e disse: 'Conte-me tudo sobre o seu país. Você serve o Exército?' Respondi que não, que era apenas estudante. 'Quando vocês servem o Exército?' Disse que não tínhamos serviço militar como eles, e ele ficou absolutamente surpreso. 'Vocês não querem defender a pátria-mãe?'"
Alessandro também sentiu na pele as diferenças culturais entre os jovens norte-coreanos e seus amigos europeus.
"Eles [norte-coreanos] ficam muito impressionados com a promiscuidade atual do Ocidente. Para eles, fazer sexo antes do casamento é promíscuo. Eles acreditam que não tem sentido fazer sexo antes de se casarem. A forma como se vestem também é bastante puritana. Claro que é um Estado de esquerda, no sentido de ser comunista/socialista. Mas diria que, em termos de moralidade, é bastante conservador", diz o jovem.
A interação dele com mulheres se limitava às suas colegas estudantes autorizadas a conversar com estrangeiros.
"Certa vez vi duas meninas do outro lado da rua que achei muito bonitas. Estava com um amigo coreano. Perguntei: 'Elas são bonitas, vamos falar com elas?'. Ele disse, 'Não não, não! Não fazemos isso aqui, não faça isso.'"
Alessandro sabe também que sua rotina era "monitorada" pelas autoridades, mas acha que "isso não era tão sinistro quanto parece".
"Estudantes eram colocados no dormitório de estrangeiros para nos ajudar em termos educacionais e para ficar de olho na gente."
Isolamento
Questionado se sentiu-se isolado durante seu período em um país tão diferente, ele diz que sim.
"Mas isso me fez pensar sobre como a Coreia do Norte vive como país. Eu fiquei isolado lá por quatro meses. Eles vivem isolados por mais de 60 anos. Quando peguei o voo de volta à China, chegando lá, havia tantos novo estímulos que não consegui dar conta deles: tive que me sentar em um banco e olhar para o meu pé durante três horas."
Alessandro também confirmou que há muita hostilidade do país em relação ao Ocidente, mas ela parece estar dirigida apenas ao governo norte-americano.
"As pessoas diziam diretamente: 'Detestamos o governo norte-americano. Achamos que ele é um verme, um cachorro imperialista.' Já com o povo eles não tinham nenhum problema. Eu fiquei surpreso. 'Como vocês podem odiar o governo norte-americano, mas não o povo norte-americano?' Eles diziam: 'Para nós, o povo norte-americano está simplesmente sendo enganado. Se eles não nos odeiam, nós não os odiamos.'"
No período em que permaneceu no país, Alessandro só pôde ter acesso à notícias por meio da mídia oficial do país.
Direitos Humanos
"Todo mundo no meu dormitório parecia acreditar nas notícias quando a mídia disse que o ebola havia sido criado pela CIA como uma arma para destruir um país cujo nome não foi mencionado e que a CIA tinha perdido o controle sobre isso", afirmou.
"Eu perguntei a meus amigos se eles acreditavam nisso, e eles disseram: 'sim, se os jornais dizem isso, por que mentiriam?'"
Os relatos de abusos de direitos humanos no país são tabu.
"O mais perto que cheguei de perguntar [sobre o tema] foi fraseando de forma diferente. 'Vocês sabem que os norte-americanos os acusam de ter campos de prisioneiros políticos no país?'. Uma amiga disse: 'Sim, sei o que os norte-americanos falam, mas não são campos como aqueles em que os japoneses nos colocaram, são campos de reeducação, para quem não entende os pensamentos políticos do grande líder, são pessoas que precisam ser instruídas.' Ela fazia parecer ser um campo para uma pessoa que não entendia matemática e precisasse de uma aula extra."
Mas, apesar de achar que as pessoas sofrem de abusos de direitos humanos no país, Alessandro acredita que o resto do mundo deveria tentar se comunicar com a Coreia do Norte, porque isolá-la não parece estar funcionando.
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